30/07/2008 - 7:00
DEVASTADO POR QUATRO guerras em duas décadas e assolado pelo terrorismo, o Iraque está prestes a ter uma boa notícia econômica. Com uma dívida externa de US$ 127 bilhões antes da invasão americana, o país que já foi chefiado por Saddam Hussein terá abatimento de 80% nos débitos junto ao Clube de Paris. Um dos principais credores é o Brasil. Dos US$ 603 milhões a que teria direito, o governo brasileiro cobra agora apenas US$ 120 milhões. Mas o número é extra-oficial. A Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, que cuida dos créditos que o Brasil tem a receber de outros países, aponta que o saldo devedor iraquiano está em pouco mais de US$ 95 milhões. ?Não podemos deixar de participar de um processo que, finalmente, poderá dar garantias de pagamento ao que é devido ao Brasil?, explica o embaixador Marcos Galvão, secretário responsável pelo caso. ?É uma política de ajuda a países amigos, que tem expressa orientação do presidente Lula.?
O crédito brasileiro é decorrente de obras executadas pela construtora Mendes Júnior no Iraque, durante as décadas de 70 e 80. Naquele tempo, o Brasil enfrentava dificuldades no balanço de pagamentos e boa parte da importação de petróleo era paga com serviços de engenheira. A Mendes Júnior construiu a principal ferrovia do país, de Bagdá a Akashat, fez rodovias expressas e a drenagem do rio Eufrates. No auge dos contratos, chegou a empregar 20 mil pessoas nos canteiros de obras, trazendo para o Brasil cerca de US$ 1 bilhão em divisas. Numa operação complexa, a construtora conseguiu junto ao Banco do Brasil recursos para viabilizar os trabalhos, garantidos por uma cobertura de seguros do Instituto de Resseguros do Brasil. Mas, com o início da guerra contra o Irã, Saddam passou a não pagar mais pelos serviços. A empresa se viu obrigada a deixar o Iraque, que contestou a decisão e disse que se a Mendes Júnior não voltasse às obras passaria a cobrar pelo petróleo em cash. ?Nossa atividade lá ficou insustentável?, disse à DINHEIRO o empreiteiro Murillo Mendes. Como os empréstimos não puderam ser honrados, o BB passou a cobrar da Mendes Júnior a indenização. Pareceres do banco, no entanto, apontam que o valor deveria ser obtido junto ao IRB. A dívida, que era de US$ 400 milhões, subiu até bater nos US$ 600 milhões. ?Não reconheço nenhum débito do Iraque?, avisa Mendes. ?Se eles pagarem ao Brasil, ótimo, porque o que temos a receber virá do governo brasileiro?. Estima-se que a indenização pedida pela construtora seja superior a US$ 1 bilhão.
Além da diplomacia econômica, o Brasil estudar meios de retomar a presença comercial no Iraque. Há menos de um mês, o ministro iraquiano de Comércio, Abdel Falah AL-Sudani, veio ao País para pedir a participação de empresas brasileiras em obras de ferrovias, rodovias e termoelétricas, além da compra de alimentos, ônibus e caminhões. A frágil situação da segurança, no entanto, ainda deixa muitos empresários com um pé atrás. ?Não há impedimento político ou de outra ordem para que o Brasil atenda às demandas econômico-comerciais do Iraque?, diz o embaixador Everton Vargas, subsecretário de Assuntos Políticos do Itamaraty. ?Mas, evidentemente, há dificuldades de segurança.? O medo se materializa na balança comercial. As vendas para o Iraque são as menores, em volume e em valor, dentre todas as exportações para o Oriente Médio. O Ministério do Desenvolvimento contabiliza em apenas US$ 90 milhões as compras iraquianas do Brasil. Mas o potencial é bem maior. ?Enquanto o governo não estabelecer canais de venda com o Iraque, continuaremos assistindo à ocupação dos chineses?, diz Jalal Chaya, da Câmara de Comércio Brasil- Iraque. Um detalhe: a China perdoou uma dívida no valor de US$ 3 bilhões com o Iraque. Com o perdão brasileiro, Chaya prevê uma retomada comercial.
Seguindo a linha chinesa, mas de uma forma mais cautelosa, o Brasil vem aplicando a mesma política com países que considera importantes em sua política externa. No portfólio de devedores da Fazenda, o Brasil ainda tem a receber US$ 469 milhões. Até hoje, o Brasil perdoou US$ 1,25 bilhão em dívidas de países pobres. O alívio beneficiou principalmente nações africanas. Foram concedidos descontos de US$ 931,8 milhões a países do continente. Com a Nigéria, por exemplo, o abatimento chegou a 53% da dívida, que estava pendente desde 1984 e somava US$ 152 milhões. Com Moçambique o desconto foi ainda maior: 95% de uma dívida que era de US$ 331 milhões. Há ainda, em tramitação no Congresso Nacional, o perdão para Cabo Verde, Nicarágua, Cuba e Gabão. ?Faz parte da política de cooperação Sul-Sul, o jargão diplomático que define as relações entre os países em desenvolvimento localizados no Hemisfério Sul?, explica o historiador Amado Luiz Cervo, professor de Relações Internacionais do Instituto Rio Branco. ?Se podemos contribuir para o desenvolvimento desses países e estimular a relação com o Brasil, não há nenhum mal em conceder perdões nas dívidas.? Contanto que tais perdões não se materializem em futuras dívidas, realmente não há nenhum mal.