09/03/2024 - 9:30
Ao menos 24 integrantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, entre eles 14 titulares, fizeram publicações nas redes sociais defendendo a anistia aos envolvidos nos ataques golpistas de 8 de Janeiro ou a políticos declarados inelegíveis por crimes eleitorais. Além do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, a pauta tem a simpatia pública de deputados do Republicanos, do Podemos e do União Brasil no colegiado onde tramitam esses projetos hoje na Câmara.
O levantamento, realizado pela empresa de análise digital de cenários e reputação de marcas Codecs a pedido do Estadão, abrange todos os parlamentares indicados como titulares ou suplentes para as 132 cadeiras da CCJ no total este ano. Seis deles não eram conhecidos até esta sexta-feira, 8, e ficaram de fora. Dados mostram ainda que outros 24 parlamentares criticaram publicamente as propostas, todos da base aliada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O restante dos deputados, configurando a maioria, silenciou sobre o assunto em suas contas de Facebook, Instagram, TikTok e X, antigo Twitter.
Apesar de o grupo contrário ter feito quase dez vezes mais publicações, 1.337 contra 135 conteúdos nas redes, o engajamento é consideravelmente maior pelo lado de quem defende anistiar manifestantes e políticos. Das 20 publicações com mais interações (curtidas, comentários e compartilhamentos), 16 foram do grupo favorável aos projetos.
Ao todo, seis projetos de lei que tratam da anistia aos envolvidos no 8 de janeiro estão tramitando conjuntamente na CCJ da Câmara. Até esta semana, eles estavam sob relatoria da deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que apresentou parecer contrário à constitucionalidade da matéria. O presidente da CCJ no ano passado, deputado Rui Falcão (PT-SP), no entanto, preferiu não arriscar uma derrota e adiou a entrada na pauta.
Em conversa com o Estadão na semana passada, a deputada havia manifestado preocupação em perder a relatoria dos projetos caso o comando da CCJ passasse para as mãos de um aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro. O próprio PSOL, no entanto, retirou dela a possibilidade de continuar na função ao deixar a deputada ausente da nova composição este ano. Cabe agora à nova presidente da CCJ, a deputada federal Caroline de Toni (PL-SC), delegar a responsabilidade a outro colega e decidir quando o assunto deve ser analisado.
Caroline de Toni, aliada de Bolsonaro, afirmou ao site UOL, nesta sexta-feira, 8, que poderia pautar o projeto de anistia do 8 de Janeiro quando for conveniente. “Não teria problema nenhum de pautar, porque entendo que houve excessos e que eles só podem ser corrigidos pelo Congresso Nacional, que pode exercer um papel de contrapeso”. Ela indicou não saber se há votos suficientes para aprovar a matéria neste momento e destacou que a decisão da CCJ não é conclusiva, pois o projeto precisa ir a plenário.
Também está na CCJ, aguardando relator, um projeto de lei apresentado pelo deputado Sanderson (PL-RS), com coautoria da própria deputada, que tenta anistiar todos os condenados por ilícitos cíveis eleitorais ou declarados inelegíveis entre outubro de 2016 e a data em que a lei vier a entrar em vigor. A medida beneficiaria diretamente Bolsonaro, que está impedido de disputar eleições por oito anos por conta de uma reunião com embaixadores antes do pleito de 2022 em que atacou o sistema eleitoral brasileiro.
O apelo na pauta de anistia é, naturalmente, maior no PL, que no momento ocupa 13 cadeiras na CCJ. Destes, 10 titulares manifestaram apoio aos projetos, além de nove suplentes. A campeã de publicações é a deputada Júlia Zanatta (PL-SC). “Quantas crianças mais crescerão órfãs de mães vivas, presas por motivação política? Assim como nosso presidente Bolsonaro, defendo anistia já. Tenha certeza de que haverá muita luta na Câmara para amenizar tamanho sofrimento causado a essas famílias”, declara em um de seus posts.
Outros três deputados favoráveis são do Republicanos, partido que ocupa ministérios e outros cargos no governo Lula, mas se declara independente. Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), inclusive, é autor de um dos projetos na CCJ. Ele quer anistiar todos os participantes, organizadores e incentivadores de manifestações políticas após o segundo turno das eleições presidenciais, exceto no caso de crimes contra a vida e depredação de patrimônio, por exemplo. Em um dos posts, diz que “muitos patriotas se viram confundidos com criminosos enquanto lutavam por seus ideais de esperança e justiça”.
Além deles, o deputado Maurício Marcon (Podemos-RS) fez um post conjunto com outros parlamentares defendendo a aprovação de um Projeto de Lei da anistia como “instrumento político” para corrigir uma suposta “falha histórica do Judiciário”. O União Brasil, outro que indicou ministros na Esplanada, tem no deputado Nicoletti (União-RR) um defensor da anistia a Bolsonaro. “Foi injusta a decisão”, opinou o parlamentar em vídeo no Instagram, sobre o julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ambos são titulares na nova configuração da CCJ da Câmara.
Pelo lado de quem critica as propostas de anistia, a maior mobilização parte de membros do PT. A federação, composta ainda por PV e PCdoB, ocupa 10 cadeiras na CCJ. O grupo ganha o reforço de membros do PSOL, Rede, Solidariedade e PSB. A mobilização, grande parte com o mote “Sem anistia”, se deu principalmente em momentos-chave do noticiário, como a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, o “aniversário” do atentado de Brasília e fatos relacionados a Bolsonaro.
A CCJ é considerada a comissão mais importante da Câmara, porque tem a responsabilidade de analisar a validade jurídica de todas as propostas. Ela também decide a admissibilidade das propostas de emenda à Constituição. A distribuição de cadeiras leva em conta o tamanho das bancadas no Legislativo e o cargo de presidente, que controla o ritmo das votações e determina os relatores na comissão, prevê votação entre os membros, mas costuma ser decidido por acordo.
A oposição, que envolve PL, PSDB, Cidadania, Podemos, PRD e Novo, tem 19 titulares hoje na CCJ. Já o núcleo duro do governo, com PT, PSOL, Rede, PSB, PDT, PCdoB, PV, Avante e Solidariedade, tem 18 vagas. O restante está distribuído entre partidos que ocupam cargos em ministérios e, em tese, fazem parte da base aliada do governo (MDB, PSD, União Brasil, Progressistas e Republicanos). Há neles, no entanto, parlamentares que criticam abertamente o Planalto, o que coloca em dúvida o nível de fidelidade.
Segundo parlamentares consultados, a aprovação de um projeto de anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro é considerada improvável. O assunto ganhou fôlego com a manifestação na Avenida Paulista, realizada no dia 25, onde o ex-presidente Jair Bolsonaro fez um apelo ao Congresso. Oposicionistas apontam que não há interesse neste momento no comando da Câmara e do Senado em dar prosseguimento.
A proposta precisa passar, além da CCJ, por outras comissões na Câmara e ser levada a plenário tanto na Câmara quanto no Senado. Mesmo se houver aprovação, também não se imagina que Lula sancione uma legislação do tipo, o que exigiria ainda a derrubada do veto. O andamento da pauta deve entrar em negociação nas disputas pela sucessão de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) no comando das duas Casas, em 2025, mas há também quem acredite que o tema só prosperaria sob outro governo.
Do lado governista, parlamentares rebatem dizendo que nunca foi tão custoso colocar a digital nesse tipo de projeto em um momento em que a Polícia Federal fecha o cerco a Bolsonaro em uma investigação sobre uma suposta trama golpista antes e depois da eleição presidencial passada. Seu ajudante de ordens, Mauro Cid, fechou acordo de delação premiada e declarou que o ex-presidente editou uma “minuta de golpe” que previa a prisão do ministro do STF Alexandre de Moraes e a convocação de um novo pleito.