31/10/2007 - 8:00
PEDRO RIPPER: ele quis dar a sua versão, mas foi impedido pela matriz
A meia-noite do domingo 21, o executivo Pedro Ripper, presidente da Cisco no Brasil, deixou a cela da Polinter, no Rio de Janeiro, e entrou num Corolla prata de vidros escuros. Depois de passar cinco dias preso, Ripper pretendia falar. Estava indignado e pronto para fazer um desabafo. Aos amigos mais próximos, ele foi enfático. ?Estou sendo apedrejado por coisas que não fiz e nem sabia que existiam?, disse a um deles. Ripper, que se considera injustiçado, também queria retomar a rotina normal de trabalho na Cisco, em São Paulo. Ele, porém, foi surpreendido pelas decisões da matriz. Contra a sua vontade, ficou impedido de conceder qualquer entrevista e surpreso com as notícias de que a Cisco americana mandou instaurar uma auditoria interna na filial brasileira. Além disso, a empresa enviou um interventor de fora. Era o brasileiro Rodrigo Abreu, que morava nos Estados Unidos e atuava como diretor da multinacional na América Latina, em Miami. Abreu chegou a ser treinado para atuar como porta-voz e assumir a gestão da crise, mas sua estréia foi adiada. Aparentemente desnorteada com a Operação Persona, da Polícia Federal, que a acusou de sonegar até R$ 1,5 bilhão, a Cisco comunicou-se apenas por meio de notas oficiais. Numa delas, a empresa informou que Ripper reassumiria o trabalho. No entanto, o executivo, que passou pela Promon e vinha tendo uma carreira brilhante, passou a última semana em casa. Abatido, chegou a emagrecer três quilos e, a pessoas próximas, teria dito que a filial brasileira foi ?abandonada?.
Hoje, a Cisco brasileira, que cresceu como um foguete no Brasil nos últimos anos, é uma empresa perdida e sem comando. Essa apatia pode agravar sua situação. Em Brasília, cidade responsável por 40% das encomendas do mercado brasileiro de tecnologia, que movimenta US$ 20 bilhões ao ano, surgem novos focos de pressão a cada dia. À DINHEIRO, o procurador Lucas Furtado, do Tribunal de Contas da União, antecipou que poderá mover uma ação de inidoneidade contra a empresa e seus diretores. ?Tudo está muito fresco ainda, mas, pelo que se viu, cabe sim uma representação contra a Cisco?, disse o procurador. Se isso vier a ocorrer, as conseqüências seriam devastadoras. Considerada inidônea, a Cisco, que domina as vendas de roteadores, equipamentos usados para garantir a conexão dos computadores à internet, perderia seus contratos com o governo federal e com as estatais, como o Serpro e a Caixa Econômica Federal. Além disso, por não estar mais em dia com a Receita, ela já não pode participar de licitações públicas. Para piorar, técnicos da Controladoria Geral da União também disseram à DINHEIRO que irão se debruçar sobre o caso. Além disso, os clientes privados também têm se retraído. ?Ninguém quer ficar associado a um escândalo?, disse o diretor de uma grande empresa de telefonia.
RODRIGO ABREU: executivo chegou de Miami com poderes de interventor CARLOS CARNEVALI: ex-presidente é suspeito de fazer doações políticas não declaradas
Nesse ambiente, os concorrentes também estão colocando as mangas de fora. Quando Ripper ainda estava preso, uma de suas rivais, a 3Com, enviou uma mensagem oportunista para seus distribuidores, assinada pelo country manager Antônio Gaudêncio. ?Com base nos últimos acontecimentos de mercado, colocamo-nos à disposição para ajudá-los a concluir seus projetos?, dizia o texto. Além da 3Com, empresas como Nortel, Siemens, Alcatel e Huawei também se posicionam rapidamente para ocupar o território da empresa dirigida por Ripper. ?O mercado brasileiro é muito competitivo, os concorrentes tentarão tirar vantagem desse episódio e a Cisco deveria enviar um sinal claro, e com urgência, de que está disposta a se penitenciar, caso tenha cometido algum pecado no Brasil?, avalia o consultor Virgílio Freire, que foi presidente da Lucent no Brasil.
O risco maior que a Cisco corre, segundo especialistas ouvidos pela DINHEIRO, é o de simplesmente sumir do mapa no Brasil e, ao que tudo indica, a grande preocupação da multinacional é a repercussão que o caso poderá ter nos Estados Unidos. Afinal, todas as filiais de empresas norteamericanas estão sujeitas a uma lei chamada Foreign Corruption Practice Act, de 1977. Ela torna as matrizes co-responsáveis pelos crimes e atos de corrupção cometidos por suas subsidiárias. Nessa hipótese, o próprio CEO da companhia, John Chambers, poderia ficar sujeito a ações criminais. Chambers é tido como um dos gurus da tecnologia nos Estados Unidos e foi o primeiro patrocinador da Clinton Global Initiative, o movimento filantrópico lançado pelo ex-presidente americano Bill Clinton. Um escândalo, portanto, não combinaria com a sua imagem pública. Além disso, o Brasil não é um mercado relevante para a Cisco. Representa apenas 5% das vendas globais de US$ 38 bilhões. E, se a auditoria interna apontar que as fraudes foram idealizadas aqui no Brasil, a corda naturalmente irá estourar do lado mais fraco.
O ambiente pesou ainda mais para a filial brasileira quando surgiram indícios, em grampos telefônicos, de que a empresa teria feito uma doação irregular de R$ 500 mil para o PT ? fato que foi negado pelo presidente do partido, Ricardo Berzoini. A Polícia Federal sustenta que o negócio teria sido conduzido por Carlos Carnevali, executivo que foi da Telesp e trouxe a Cisco para o Brasil. Até a noite da quinta-feira 25, ele continuava preso. Para os investigadores, foi Carnevali quem idealizou o esquema de subfaturamento de importações e de simulação de industrialização de equipamentos no Pólo de Ilhéus, na Bahia, que garantia mais isenções fiscais.
?Ele é um sujeito muito esperto, que sempre oferece descontos e é capaz de vender geladeira para esquimó?, disse à DINHEIRO um alto executivo do setor de telecomunicações.
O mais intrigante, na história da Cisco, é a empresa ter escolhido a tática do silêncio. Isso porque muitos analistas contestam a suposta truculência da ação conduzida pela Polícia Federal. Em crimes tributários, o procedimento normal é uma simples autuação fiscal, fato que já ocorreu até com empresas maiores do setor de tecnologia. Ao calar- se, a Cisco torna-se vulnerável aos ataques dos investigadores e ao assédio dos concorrentes. Talvez os diretores da companhia sejam até inocentes, mas o fato é que, acovardados, já se comportam como culpados.
LUCAS FURTADO: procurador do TCU estuda entrar com ação de inidoneidade contra a empresa, que poderia assim perder seus contratos
RICARDO BERZOINI: presidente do PT nega que seu partido tenha recebido doação de R$ 500 mil da Cisco em troca de favores no governo
JORGE HAGE: corregedorgeral da União também promete se debruçar sobre o caso Cisco, o que pode excluí-la de licitações públicas