14/06/2024 - 16:50
A conta de dois mais dois, teoricamente, é invariável. O resultado é sempre quatro. Ou pelo menos deveria ser. Quando o assunto são as finanças públicas, a flexibilidade se sobressai aos ensinamentos de Pitágoras, pai da matemática. No Brasil, a equação é a seguinte: há alguns meses o governo federal perdeu a queda de braço com o Legislativo e com a cadeia produtiva, e precisou engolir a desoneração da folha, iniciativa que reduz em R$ 26,3 bilhões a arrecadação pública. A cifra era essencial para que o governo conseguisse cumprir a âncora fiscal que propôs, e que visa o equilíbrio entre as colunas de arrecadação e gastos.
Munido apenas da lógica da matemática, Fernando Haddad, ministro da Fazenda, propôs uma alteração tributária no PIS/Cofins, que resultaria em uma arrecadação extra de R$ 29,2 bilhões, suprindo, assim, o buraco da desoneração. Perfeito na teoria. Uma derrota para o governo na prática. O levante dos setores de agronegócio, serviços e indústria, juntamente com a falação parlamentar e a sinalização do STF de que a mudança na incidência do imposto seria inconstitucional, terminou com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, devolvendo parte da Medida Provisória 1227/2024 para o Palácio do Planalto, com a mensagem de que, na aritmética sugerida pela Fazenda, a conta de dois mais dois não será quatro.
Pode até parecer um detalhe pouco relevante em uma dinâmica republicana, em que derrotas são comuns e o diálogo faz parte do avanço. Mas, no cenário atual, a devolução da MP deixa o governo com menos capital político para negociar, e menos opções para atingir os R$ 76,5 bilhões estimados pelo Prisma Fiscal, do Ministério da Fazenda, de déficit para 2024.
• O plano inicial do governo com a MP enviada no dia 7 de junho era fazer um movimento similar ao que aconteceu nas MPs 1185 e 1202, de 2023.
• No primeiro caso, o texto acabava com as isenções de tributos federais aferidas pelos governadores.
• No segundo, impôs um limite de compensação tributária para grandes empresas.
• Ambos os textos tinham forte resistência do empresariado e do Legislativo e, nas duas oportunidades, a solução foi negociada, amenizada e aprovada. Desta vez, o corte foi seco.
Para o ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi, faltou tato do governo de entender que não é possível fazer uma movimentação desta, visando apenas arrecadação, sem olhar os efeitos práticos na economia real. “Não foram consideradas as consequências perversas para a competitividade das empresas”, disse.
E de fato a MP era dura. Uma aposta alta, mas foi a única solução encontrada por Haddad. Segundo o ministro, “Não há plano B”. Para ele, há uma preocupação grande porque a equipe econômica identificou fraudes nas compensações de PIS/Cofins. “Então, vamos ter de construir também uma alternativa para o combate às fraudes, mas eu já estou conversando com alguns líderes para ver se a gente encontra um caminho”, disse Haddad a jornalistas.
Ao tentar minimizar a devolutiva do senado, o chefe da política econômica afirmou que há espaço para negociar a MP. “O Senado assumiu parte da responsabilidade de construir uma solução.” De acordo com ele, o Executivo colocará toda a equipe da Receita Federal à disposição “para construir uma alternativa, uma vez que tem um prazo exíguo e que precisa ser resolvido”.
Racional, Haddad sabe que, se não houver compensação, a saída será corte de gastos. Para julho está prevista a apresentação de um plano de contenção. Ele também tem falado de uma nova forma de vinculação dos pisos de Saúde e Educação, saídas que diminuam o volume dos gastos do governo, sem aumentar impostos.
Tal solução também foi apontada pelo professor de gestão tributária da Fipecafi Arthur Pitman. “Seria mais produtivo começar a apresentar soluções na ponta do gasto, ao invés da ponta da arrecadação”, disse.
No entendimento do acadêmico, as justificativas do governo federal de que a revisão do PIS/Cofins seria uma forma de consertar as distorções do sistema tributário não se sustentam. “Isso porque trata-se de um cenário em que os setores mais afetados são justamente aqueles que passam a ser prejudicados pelo risco de cumulatividade, aumento relativo dos preços e prejuízo ao fluxo de caixa das empresas”, afirmou.
PRESSÃO
Liderando uma das frentes de pressão ao governo após o envio da MP estava o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Alban. De acordo com ele, Lula entendeu que a proposta era muito agressiva e teria aceitado encerrar a discussão neste momento.
Alban fez uma reunião, na terça-feira (11), com Lula, e um dos temas centrais foi a tramitação do texto. O receio era que, além do encarecimento da produção, a alta nos preços da ponta contribuísse também para elevar a inflação, um tema sensível para um governo que busca redução da taxa básica de juros.
“Não há plano b. Agora vamos precisar construir uma alternativa para o combate às fraudes tributárias.”
Fernando Haddad, ministro da Fazenda
Nesse sentido, quem mensurou o impacto financeiro foi o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), que estima R$ 10 bilhões extras para o setor de distribuição de combustíveis. Pelos cálculos do IBP, a gasolina poderia apresentar aumentos de 4% a 7%, ou 0,20 a 0,36 real por litro, enquanto o diesel pode encarecer 1% a 4%, ou 0,10 a 0,23 real por litro com a medida. Não foram computados nesses valores impactos nos elos anteriores da cadeia, como o custo do produto.
O IBP representa empresas como Raízen, Ipiranga, do grupo Ultra, e Vibra Energia, as três maiores distribuidoras de combustíveis do Brasil. Também de grande representatividade econômica, as mineradoras fizeram os cálculos e estimaram que, se levado adiante o projeto, o custo seria da ordem dos R$ 11 bilhões. O calculo foi feito pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).
E se não bastasse a pressão dos empresários, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o governo e o Congresso têm 60 dias para encontrarem uma fonte de receita para compensar o prolongamento da desoneração da folha de pagamento a 17 setores da economia. Os Poderes Executivo e Legislativo também precisam compensar a redução, de 20% para 8%, da contribuição à Previdência pelas prefeituras de cidades com até 126 mil habitantes.
FRAUDES
Para justificar as mudanças tributárias, Haddad tem defendido que a Receita Federal detectou até R$ 25 bilhões por ano em suspeitas de fraude no uso de compensações de PIS/Cofins.
• As compensações tributárias são um mecanismo por meio do qual as empresas obtêm descontos em tributos pagos a mais ao longo da cadeia produtiva.
• No entanto, brechas e exceções na legislação permitem que as companhias, por exemplo, usem créditos de PIS/Cofins para abater o pagamento de Imposto de Renda.
• “Vários empresários fazem uso indevido das compensações ao declarar créditos ilegítimos não reconhecidos pela Receita Federal”, justificou o ministro.
• Ele, no entanto, lembrou que nem todos os casos são fraudes. “Vamos responsabilizar criminalmente quem frauda dolosamente. Não o sujeito que, por falta de dinheiro, não conseguiu recolher imposto ou porque se enganou, não estamos falando disso”, acrescentou.
“O governo não considerou as consequências perversas para a competitividade das empresas.”
Blairo Maggi, ex-ministro da Agricultura
No entendimento de Haddad, ainda que Pacheco tenha devolvido ao governo o trecho que restringia as compensações de PIS e Cofins, foi bom ter mantido a determinação para que as empresas declarem, num sistema informatizado, os incentivos fiscais que recebem. “Essas medidas já servem para os contribuintes explicarem o que estão fazendo, dizerem qual lei está fundamentando a prevenção, o que facilita a fiscalização.”
A fala otimista do ministro, no entanto, ignora uma prática comum dentro do emaranhado tributário brasileiro. Aquela em que a equação de dois mais dois (à moda Roberto Carlos) são cinco.