22/06/2024 - 9:22
“O pior passou e já estamos em franca recuperação. Sua velocidade depende dois fatores: da aprovação da ‘Lei Bases’ e de que possamos convencer a gente: ‘A recuperação depende muito mais de vocês do que vocês creem'”, afirmou recentemente o ministro argentino da Economia, Luis Caputo, na abertura de um fórum econômico em Buenos Aires, referindo-se à Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos, aprovada em 12 de junho.
Enquanto a central sindical Confederação Geral do Trabalho (CGT) falou de um “ajuste brutal”, o governo do presidente Javier Milei celebrou seus primeiros seis meses afirmando que “os resultados foram excelentes e absolutamente extraordinários”.
Contudo, nem todos os indicadores são positivos na Argentina: tanto o emprego quanto a produção industrial e a atividade de construção estão em queda. A euforia oficialista se sustenta, basicamente, com a desaceleração inflacionária e o superávit fiscal obtidos.
Em maio, a inflação estava em 4,2%, após ter alcançado 25,5% em dezembro de 2023. Mas há dúvidas de a tendência de queda seja sólida. “Creio que ainda não se pode dizer que esteja sendo possível controlar a inflação, dado que a redução desses últimos meses é em relação ao forte salto gerado pela desvalorização determinada pelo governo em dezembro passado”, ressalta o economista argentino Franco Fugazza, especialista em regulação econômica.
“Há bastante consenso sobre a necessidade e a falta de alternativa a uma desvalorização, mas não há consenso quanto a se a magnitude foi a ideal.” Para ele, “é necessário esperar vários meses mais, para alcançar alguma conclusão sobre o êxito no combate à inflação no médio prazo. A taxa de inflação mensal segue muito alta”.
Parece inegável que a pressão inflacionária não se desfez. Porém, o economista Sebastián Auguste, diretor do Centro de Pesquisas em Finanças (CIF) da Universidade Torcuato Di Tella (UTDT), de Buenos Aires, tem uma explicação para a tendência atual.
“O principal fator de inflação acaba sempre sendo a emissão monetária. E nisso o governo mostrou uma decisão muito forte de não usar o Banco Central como prestamista, o que começa a se refletir na taxa de inflação.”
A “motosserra” e o “liquidificador” de Milei
Outro objetivo declarado do governo Milei era controlar a todo custo o déficit fiscal. Ele conseguiu um superávit no primeiro quadrimestre de 2024, mas há dúvidas quanto à sustentabilidade dessa situação.
“O superávit do setor público nacional, que é o que o governo controla, foi alcançado, em grande medida, via ‘liquefação’ do poder aquisitivo das aposentadorias, e adiamento dos pagamentos a empresas do setor elétrico”, especifica Fugazza. “Essa política não parece ser sustentável nem corrigiu os desequilíbrios fiscais profundos da Argentina.”
Na Argentina, o termo “liquefação”, também empregado por Auguste, do CIF, alude a um gasto que, embora se mantenha em termos nominais, se reduz devido à inflação. Outro instrumento-chave tem sido a “motosserra”, tantas vezes mencionada pelo presidente.
“Na medida em que o governo não dispunha de ferramentas para realizar uma reforma estrutural do Estado, o que fez – e é o que podia fazer – foi reduzir o gasto público onde pôde. Houve forte redução das obras públicas”, aponta Auguste.
O professor da UTDT identifica um aspecto problemático: “Claramente é necessário investimento público. Ter parado de investir em estradas, em portos, não é bom, no longo prazo.” Por isso ele considera importante que se aprove a Lei Bases para realizar mudanças estruturais e acabar com o déficit fiscal, o que vai “motorizar o investimento”. Apenas se a economia voltar a crescer poderá haver um superávit fiscal sustentável, diz. “Por ora, o que se obteve é frágil.”
Nas garras da recessão
No curto prazo, porém, o retorno à trilha do crescimento ainda não se delineia. Tanto o Fundo Monetário Internacional (FMI) quanto a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) corrigiram para baixo seus prognósticos para a Argentina. No início de maio, a organização projetou para 2024 uma contração da economia nacional em 3,3%.
“A queda da economia foi muito profunda nesses últimos meses, em parte devido às medidas corretivas do governo, em parte pela situação herdada”, observa Fugazza. Contudo ele estima que haverá recuperação da economia se não houver choques externos negativos – “outra seca forte, alta das taxas nos Estados Unidos, outro conflito bélico etc” – e se o governo não cometer erros grosseiros. “O que não está claro é se ela será suficientemente rápida e forte para ser percebida pela população.”
Auguste também estima que o país sul-americano precisará de muito tempo para se recuperar totalmente. “Ainda não há uma saída clara da recessão. A Argentina não cresce há 15 anos, e há recessão desde maio do ano passado. Apesar de toda a emissão [monetária] do governo anterior, a economia estava em queda”, diz.
Ainda assim, ele percebe alguns raios de esperança. “Está se vendo que a recuperação já começou em alguns pequenos índices de produção e consumo. Ainda são pequenas luzes que estão se acedendo, não é algo generalizado nem forte, que diga que chegamos ao fundo e que uma etapa expansiva começa. Ainda não.”