Por Letícia Franco

RESUMO

• Executiva à frente da operação local da Microsoft afirma que os setores de negócios, saúde e educação podem aumentar a produtividade com o uso de Inteligência Artificial
• Mas alerta que a expansão depende também da formação de mais profissionais no País

 

Apenas 20% dos profissionais de engenharia do Brasil são mulheres. Entre elas está Tânia Cosentino, engenheira eletricista, que lidera a Microsoft Brasil há cinco anos. A executiva não só representa essa pequena parcela de mulheres em uma indústria tradicionalmente masculina, como também faz parte de um movimento de mudança. Neste mês, a operação local da big tech alcançou a marca de mais de 70% de mulheres na equipe de liderança. Em entrevista à DINHEIRO durante o IT Forum, na Bahia, a presidente da Microsoft Brasil analisou as oportunidades e desafios do mercado de tecnologia no País. Além de abordar a desigualdade de gênero, ela destacou que a adoção de tecnologias emergentes, como a Inteligência Artificial (IA), tem uma correlação direta com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Para a executiva, a IA, combinada com outras tecnologias como a nuvem, IoT e cibersegurança, pode aumentar a produtividade de diversos setores da indústria nacional. Tânia Cosentino foi vencedora nas categorias de Software e Social do ESG, no segmento de Indústria de TI, no Prêmio Executivo de TI 2024, do IT Forum.

DINHEIRO — Qual é a importância da adoção e do uso responsável das tecnologias emergentes, como a nuvem e a Inteligência Artificial, para o desenvolvimento do País?
TÂNIA COSENTINO — É fundamental, porque essas tecnologias trazem índices altíssimos de produtividade. A indústria brasileira enfrenta dificuldades em comparar sua produtividade com a de seus pares globais. Estamos sempre em desvantagem, o que reduz nossa capacidade de competir em escala global. Portanto, o aumento da produtividade nas empresas, permitindo que elas expandam seu mercado, já contribui para o crescimento do PIB. Além disso, a IA, por exemplo, pode ser uma aliada no diagnóstico precoce de doenças. Aplicada ao SUS, isso pode gerar menos custos para o governo e melhorar a qualidade do serviço. A IA também pode trazer avanços com a hiperpersonalização na educação, resultando em profissionais mais qualificados e, consequentemente, em maior produtividade, o que expande os negócios. Outro aspecto importante é a questão ambiental. Novas tecnologias aplicadas nessa área podem monitorar desmatamentos e melhorar nossa abordagem nesse sentido. A adoção da IA vai impactar no crescimento do PIB. Tem uma correlação direta com o desenvolvimento do País.

Recentemente, foi lançado o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA). Como você avalia isso?
Quando se regulamenta, traz-se credibilidade e estabilidade. Sem isso, o desenvolvimento pode se direcionar para um futuro com problemas. Portanto, do ponto de vista da estabilidade para as empresas, isso é muito importante. Já tivemos avanços antes desse evento, como a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que trata da privacidade de dados. Agora, o próximo passo é monitorar o uso da IA. O Brasil está realmente trabalhando na criação de penalidades e já se discute a criação de uma agência de controle de IA. No caso da LGPD, temos a ANPD para isso. Assim como em qualquer outra área, a regulamentação da IA deve ser aprimorada ao longo do tempo para garantir que ela não iniba o avanço tecnológico, mas sim fomente um ambiente saudável de uso da tecnologia. É isso que esperamos e para o que estamos trabalhando junto ao governo. Vamos acompanhar esse desenvolvimento.

“Não dá para pensar em IA se não criarmos base sólida de cibersegurança. É um dos maiores processos de negócios para qualquer país’’

Como a companhia contribui para o desenvolvimento econômico e tecnológico do Brasil?
Trabalhamos com a regulação, o governo, os órgãos legislativos e o judiciário para que o ambiente de tecnologia avance, ao mesmo tempo em que promovemos inclusão. Na regulação, é preciso agir de forma a não bloquear o avanço tecnológico. Nos casos de uso sensíveis, temos um framework que funciona como um manual de uso responsável da IA. Antes, criar um algoritmo estava nas mãos do desenvolvedor. Agora, com o Copilot [assistente de IA da Microsoft], a IA está chegando às mãos de cada um de nós, e todos podem criar seu próprio Copilot. Então, como garantir que sua IA seja responsável? Para isso, criamos um manual ou framework de IA responsável para ajudar nossos clientes nessa jornada. Além disso, desenvolvemos soluções relevantes para o Brasil, como cursos de capacitação para o uso de tecnologias, predição de desmatamento florestal e para o setor financeiro, que caminha cada vez mais para o digital.

Quais são as tecnologias para soluções financeiras?
O Brasil tem um dos sistemas financeiros mais avançados do mundo, totalmente alavancado por tecnologia. A Microsoft está presente nesse setor, inclusive no Banco Central, nas iniciativas do Pix e Drex [projeto de moeda digital], o que nos diferencia como provedores de soluções. Em relação ao Drex, estamos desenvolvendo uma solução complexa que consiga combinar escalabilidade com privacidade, o que é essencial.

Há uma crescente demanda por ferramentas de Inteligência Artificial no País. Quais são as estratégias para atendê-la?
As estratégias envolvem investimentos em infraestrutura, otimização contínua de algoritmos e capacitação de pessoas para usarem a tecnologia. Este último ponto é muito importante, pois precisamos acelerar a formação e qualificação de profissionais aptos a atender essa demanda. Quando falamos de infraestrutura, é necessário suprir o desenvolvimento e as atualizações de algoritmos. Na Microsoft, ao mesmo tempo que construímos infraestrutura para atender à demanda dos clientes, buscamos garantir uma solução técnica adequada ao desafio apresentado. Não precisamos usar o algoritmo mais potente para todas as soluções. Além disso, os chamados small language models [SLMs], que são algoritmos alimentados por menor volume de dados e, consequentemente, exigem menor capacidade computacional, estão sendo usados estrategicamente.

Não dá para falar de IA sem falar de cibersegurança…
Este é um dos maiores processos de negócios para qualquer empresa e para qualquer país. Não dá para pensar em IA se não criarmos uma base sólida de cibersegurança. A Microsoft está investindo fortemente nisso. Hoje, somos a maior empresa de cibersegurança do mundo e estamos apoiando empresas e usuários no desenvolvimento de casos de uso. Temos especialistas por setor para apoiar e superar os desafios de segmentos como energia, manufatura, varejo, entre outros.

“Não acredito que um país possa se desenvolver com poucos engenheiros. No Brasil, o número de graduados é muito menor do que nossos pares’’

Qual é a responsabilidade das big techs, como a Microsoft, em relação à IA generativa, que se torna cada vez mais popular?
Há dois pontos de vista diferentes. Primeiro, a responsabilidade das empresas desenvolvedoras do algoritmo na construção de um arcabouço de IA responsável. Aqui, temos o manual de IA responsável, que busca trazer perguntas para compreendermos o caminho que o algoritmo está seguindo: ele está sendo inclusivo ou excludente? É responsável e transparente? Tudo isso para garantir a segurança dos usuários. O segundo ponto é o aspecto cibernético, que precisa respeitar a privacidade de dados e evoluir junto com os avanços da IA, solucionando seus problemas. Na Microsoft, por exemplo, não treinamos algoritmos com dados de clientes. É fundamental que a sociedade entenda o poder dos dados de cada pessoa. Se uma big tech deseja treinar seu algoritmo com seus dados, você precisa permitir isso e ser remunerado por isso, pois estão enriquecendo produtos com informações de terceiros. Também é necessário promover educação contínua sobre privacidade de dados e uso seguro da tecnologia, já que os golpes cibernéticos afetam tanto empresas quanto cidadãos comuns.

O futuro da IA depende de mais combinações tecnológicas?
Hoje, fala-se muito sobre IA, mas é algo que já existe há mais de 50 anos. O que é novo é a IA generativa como a conhecemos, mas ela sozinha não tem poder para fazer nada. Então, que combinações tecnológicas temos? Primeiro, a nuvem, que permite uma grande capacidade computacional para qualquer empresa, de qualquer tamanho. No passado, seria necessário construir seu próprio data center, o que era uma barreira de entrada para pequenas empresas. Isso já faz uma grande diferença. Também temos o poder dos dados, os diferentes modelos de Inteligência Artificial, o blockchain, IoT, conectividade e soluções de cibersegurança. A combinação de todas essas tecnologias é o que cria um ambiente propício para a adoção tecnológica e transformação digital. Uma tecnologia isolada não fará grandes transformações.

Como a diversidade e inclusão são importantes para a IA e para todo o mercado de tecnologia no Brasil?
Estamos em um mercado extremamente masculino, porque, infelizmente, as mulheres não são incentivadas ao longo da vida a seguir para a área de tecnologia. Enquanto esses estereótipos forem perpetuados, não teremos mulheres interessadas neste mercado tão promissor. A educação e o setor privado precisam ter intencionalidade para mudar esse cenário. Outro ponto é que não acredito que um país possa se desenvolver com poucos engenheiros em geral. No Brasil, o número de graduados em engenharia é muito menor do que o de nossos pares emergentes. Há um afastamento do Brasil em relação ao crescimento econômico quando comparado com outros países. Não há como ser um país desenvolvido e próspero sem formar técnicos, engenheiros e cientistas de dados, e tudo isso com igualdade de gênero, pois eles são a base para o desenvolvimento econômico do País.

E a importância da sustentabilidade?
Acredito que o setor de tecnologia está no caminho certo quando se trata de sustentabilidade. Além de as empresas adotarem práticas sustentáveis internamente, há também um movimento para levá-las aos clientes. Na Microsoft, um exemplo disso é a criação de tecnologia para ajudar o cliente a monitorar suas emissões. Dentro de uma plataforma de software, que é a nuvem para sustentabilidade, começamos a fornecer insights para os clientes sobre o que está funcionando para a mitigação. A sustentabilidade também se torna uma fonte de receita e um novo pilar de negócio para as organizações.

Quais outros fatores são necessários para o crescimento do Brasil no setor?
O Brasil já é um mercado representativo e estratégico para os negócios. O crescimento é uma combinação entre regulação, educação, iniciativas do setor privado e transformações em diversidade, inclusão e sustentabilidade como um todo. No caso da Microsoft, que atua em cerca de 200 países levando tecnologia e ações de impacto, a operação brasileira, que existe há 35 anos, já acumula investimentos em data centers e infraestrutura. Agora, o futuro aqui é otimista quando falamos de IA generativa. Temos uma nova onda de investimentos no País para atender a todas as necessidades. É um mercado com grande potencial.