Presidente que assumir papel de liderança nas negociações globais sobre o clima, na pele de um bem-sucedido protetor do meio ambiente. Seus planos, porém, desmoronam ao serem confrontados com a realidade.O Brasil está em chamas como nunca antes, em quatro biomas diferentes ao mesmo tempo: Amazônia, Cerrado, Pantanal e na região agrícola ao redor de São Paulo.

Há duas razões para isso. Primeiro, a pior seca dos últimos 70 anos e, em seguida, os incendiários que se aproveitam da oportunidade para comercializar as áreas queimadas ou utilizá-las para fins agrícolas.

A catástrofe gerada pelos incêndios é um grave revés às ambições de política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Seu objetivo em seu terceiro mandato como presidente sempre foi colocar o Brasil como modelo global de proteção às florestas e assumir um papel de liderança na defesa do clima.

Em termos estratégicos isso é algo que fazia sentido, uma vez que seu antecessor, Jair Bolsonaro, menosprezava a proteção ambiental e apoiava fazendeiros e garimpeiros na região da Amazônia, o que o deixou amplamente isolado da Europa e dos Estados Unidos.

Lula queria brilhar a partir de janeiro de 2023 com uma política ambiental exemplar que lhe renderia reconhecimento internacional. O governo, inclusive, teve sucesso ao reduzir o desmatamento em seu primeiro ano de mandato.

Êxitos iniciais viraram fumaça

Os êxitos iniciais, porém, viraram fumaça em meio aos incêndios florestais deste ano. Sérgio Leitão, diretor do instituto ambiental Escolhas, exige que o governo adote medidas muito mais amplas de combate às queimadas. Se nada mudar, as chamas destruirão não apenas as florestas, mas também a credibilidade do governo.

Isso, contudo, já aconteceu. No próximo ano, o Brasil receberá a Conferência da ONU sobre o Clima. Lula planejava ressaltar em seu tradicional discurso de abertura na Assembleia Geral das Nações Unidas, na terça-feira (24/09), os progressos na luta contra as mudanças climáticas e convocar o mundo a agir.

Agora, ele não conseguirá mais desempenhar o papel duplo de protetor do clima e admoestador das nações industrializadas do Hemisfério Norte, já que seu governo sequer consegue manter sob controle a situação em seu próprio país.

No final do ano passado já estava claro que a biomassa desmatada na Amazônia durante a longa e intensa temporada de seca iria queimar a partir de agosto. No início deste ano, ficava cada vez mais evidente que a América do Sul, como um todo, sofreria uma seca histórica no inverno. Mesmo assim, o governo se manteve inativo.

Até o momento, ainda não foi apresentada uma estratégia para lidar com os incêndios. O governo provavelmente contava com uma continuação do sucesso inicial na proteção das florestas. O ex-ministro da Justiça de Lula Flávio Dino, agora no Supremo Tribunal Federal (STF), teve de determinar o envio de mais contingentes dos Corpos de Bombeiros para combater as chamas – o que, na verdade, deveria ser trabalho do governo.

Reputação internacional em jogo

Lula apresentou há pouco a ideia de criar um “superministério do Clima”, algo que ele já havia prometido durante a campanha eleitoral, mas que acabou sendo rapidamente esquecido. Como essa autoridade climática sem orçamento próprio poderá gerenciar as atividades entre os ministérios é algo que ainda permanece envolto em mistério.

Ao mesmo tempo, Lula quer reconstruir a BR-319 através da floresta amazônica, já que a seca do rio Madeira não permite que os fazendeiros e comerciantes consigam escoar suas colheitas. Soma-se a isso o fato de o governo manter os planos de explorar petróleo na bacia da Foz do Amazonas.

Lula deve tentar fazer de tudo em seu poder para salvar sua posição como protetor das florestas. É o único papel no qual ele ainda tem chance de preservar sua reputação internacional. Ele já constrangeu a si próprio sob olhares do público mundial ao tentar agir como mediador na guerra entre a Rússia e a Ucrânia e na crise da Venezuela.

====================

Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.