30/09/2024 - 7:00
Os dados de emprego divulgados na sexta-feira, 27, pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) reforçaram o cenário de um mercado de trabalho forte, com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) registrando 6,6% de taxa de desemprego no país, a menor taxa para um trimestre encerrado em a agosto na série histórica, iniciada em 2012.
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O desemprego em patamares mínimos é sempre uma boa notícia. Mas, por outro lado, traz um desafio econômico, especialmente no cenário atual, em que se tem uma economia aquecida, um horizonte de pressão inflacionária e juros em alta. Na semana passada, o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy chegou a citar o baixo desemprego como “o bom problema” da economia”.
“Claro que é boa notícia ter um desemprego tão baixo. Mas temos pessoas mais ocupadas e ganhando mais. E isso acaba aumentando inflação”, diz Renan Pieri, professor de Economia da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (EAESP-FGV), em São Paulo.
A inflação é a principal preocupação. Isso porque, não só temos um recorde de 102 milhões de trabalhadores com emprego, mas também porque o rendimento real médio cresceu 5,1% em um ano, chegando a R$ 3.228, e com a massa salariam com aumento de 8,3% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master, lembra que além dos dados Pnad, o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), compilado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, também veio forte, com a criação de 232 mil vagas em agosto. “O Caged está acima das 200 mil [vagas criadas] faz tempo. Mais um sinal do mercado muito aquecido, e com os salários subindo. Isso preocupa o BC”.
Na quinta-feira, o Banco Central divulgou o Relatório Trimestral de Inflação, e Gala destaca o ponto do documento dizendo que a desinflação nos núcleos parou, ao mesmo tempo em que a política monetária está no campo contracionista, ou seja, em trajetória de aumento de juros.
Juros em alta
Inflação – ou o risco dela – acende o alerta para os juros. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse na quinta-feira, 26, que três fatores motivaram, essencialmente, o aumento dos juros, ocorrido em 18 de setembro: o mercado de trabalho apertado, a revisão para cima no ritmo de crescimento da economia e a piora das expectativas de inflação.
“Mercado de trabalho apertado” é como os economistas se referem a um mercado sem sobra de mão-de-obra, com grande parte da população em idade produtiva com ocupação. Com a disputa maior por trabalhadores, são grandes as chances de aumento do salário médio pago pelos empregadores. E, mais uma vez, com impacto sobre o consumo e, por consequência, a inflação.
“Os dados mostram que a economia brasileira está aquecida e, ao mesmo tempo, que teremos mais pressão na inflação, juntamente com o preço da energia elétrica. Será inevitável o Banco Central subir os juros”, acredita João Kepler, CEO da Equity Fund Group.
Alexandre Pletes, head de Renda Variável da Faz Capital, aponta para o grande desafio que um mercado de trabalho forte traz neste momento para a economia brasileira. “Esse aumento na renda e na atividade econômica funciona como um motor para a inflação, algo que o Banco Central tenta controlar. O grande desafio agora é conter o consumo, tanto o dos trabalhadores que estão ganhando mais, quanto o do governo, que tem aumentado seus gastos em comparação a ciclos passados.”
Vale lembrar que um dos motivos para o Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, começar a reduzir seus juros foi justamente um mercado de trabalho aquecido. Operadores do mercado financeiro passaram a apostar em uma redução de 0,50 ponto percentual na decisão de setembro depois que um relatório do governo mostrou que os empregadores contrataram menos funcionários do que os economistas esperavam tanto em agosto quanto em julho.
Contas públicas
A cobrança para que o governo se acerte com a questão fiscal ganhou reforço com o mais recente dado sobre o mercado de trabalho. Uma das formas de “ajustar a rota” inflacionária, acreditam os especialistas consultados por IstoÉ Dinheiro, é missão do governo federal.
“A inflação está longe de ter uma perda de controle, mas o cenário levanta sinal de alerta. E aí, entra a lição de casa do governo, combinar desemprego baixo com inflação controlada implica avançar com a reforma fiscal”, diz Renan Pieri, da FGV.
Isso porque, afirma Piero, o ponto central desse momento deve ser uma boa coordenação entre a política monetária e política fiscal. “Quanto mais o governo fizer a parte dele no fiscal, menos o BC tem que usar o remédio amargo dos juros. Na ata do Copom, fica bem claro a relevância da política fiscal, para que o juros possam voltar a cair”.
Na última quinta-feira,26, a Fitch Ratings jogou “água fria” no mais recente discurso do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendendo que as agências de classificação de risco elevem o Brasil a grau de investimento, batendo na questão fiscal. Segundo relatório da Fitch, a política fiscal atual do Brasil e seus efeitos não estão acompanhando o forte desempenho da economia nacional e que desafios para o governo federal devem persistir e crescer no próximo ano.
Em entrevista à IstoÉ Dinheiro, o ex-ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, também chamou a responsabilidade sobre os juros para o governo. “Não depende só do BC [os juros]. O próprio Lula poderia fazer mais para sinalizar um compromisso do governo para a redução de gastos”. Ricupero completou dizendo ainda que o Brasil precisa desenvolver no campo fiscal a mesma responsabilidade que foi desenvolvida no campo monetário com a criação do Plano Real.