O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, está em meio a um turbilhão nos últimos meses. Seca prolongada, risco hidrológico, bandeira vermelha nas contas de energia, discussões acaloradas sobre o possível retorno do horário de verão e os lançamentos de políticas públicas no setor — uma agenda positiva que o governo gostaria de emplacar em meio à crise.

Silveira garante que o Brasil tem segurança energética para enfrentar a estiagem e defende o retorno do horário de verão. Um estudo do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) apontou uma economia de até R$ 1,8 bilhão a partir de 2026 com o retorno regular do horário de verão.

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Ele também é a favor da exploração de petróleo na Margem Equatorial, pois o Brasil, apesar de ter uma matriz limpa e diversificada, não pode abrir mão da riqueza que os combustíveis fósseis ainda podem oferecer.

Confira a entrevista:

Já estamos em setembro. O horário de verão vai retornar ainda em 2024?

Isso será decidido no máximo até o começo de outubro. Estamos fazendo inúmeros debates no setor elétrico e um acompanhamento diário da situação dos reservatórios e projeções de chuvas. Adianto que não há risco energético, nem mesmo se o período de seca for estendido. Então, o horário de verão seria útil para melhorar o planejamento para 2025.

O horário de verão vai gerar de fato uma economia de energia relevante?

Existem muitos especialistas, que ainda não estão atualizados, que dizem que o setor elétrico mudou e que o horário de pico de consumo não é mais a noite, mas durante a tarde, entre 14h e 16h. Isso é uma verdade. No entanto, o que eles não estão olhando é que, durante a tarde, temos pico de produção de energia com a geração solar, enquanto que entre 18h e 20h, a geração solar está zerada e o consumo segue alto, só que agora com a utilização de usinas termoelétricas, mais caras e mais poluentes. Essa é a diferença.

Nossa determinação é manter a segurança energética em primeiro lugar, temos de estar o tempo todo com a rede resiliente. Se for para implementar essa mudança no horário e gerar uma otimização do uso da energia, eu defendo que seja implantado.

O sr. garante que não existe risco de faltar energia?

Não existe esse risco, nem mesmo se a seca se prolongar. Mas é claro que nenhum ministro responsável vai criar expectativas de que problemas pontuais não possam ocorrer. Mas, como eu disse antes, temos um sistema resiliente e estamos preparados para dar respostas rápidas.

O que está sendo feito em prol da segurança energética do País?

A primeira coisa que fiz quando eu assumi foi montar um comitê de monitoramento com reuniões frequentes para que a gente pudesse melhorar a sinergia e a governança do ecossistema elétrico, que inclui a ONS, Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) e ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis), e o primeiro tema foi a segurança energética. Graças a isso, a gente conseguiu um acordo em que diminuímos a vazão das usinas hidroelétricas de Jupiá (SP) e de Porto Primavera (SP), que permitiu que a gente mantivesse o reservatório mais cheio.

Mesmo a gente vivendo o menor índice pluviométrico dos últimos 94 anos, os reservatórios estão em situação de nos dar o conforto de afirmar que não teremos crise energética. Além disso, mantivemos a conta de escassez hídrica, que disparou no governo Bolsonaro, e hoje temos R$ 9 bilhões que nos permite ter tranquilidade para não elevar ainda mais a bandeira tarifária.

A bandeira tarifária está sendo subsidiada?

Se o volume de chuvas que está previsto para começar no final de novembro não for suficiente, aí sim podemos utilizar esse recurso para subsidiar bandeiras tarifárias. E é muito importante ressaltar que fomos muito cuidadosos nesse sentido, porque uma boa parte dos reservatórios não serve só ao setor elétrico, eles são de uso múltiplo, servem ao turismo, agricultura familiar, agronegócio e até uso de água potável, como o caso de Furnas. Então, estamos conseguindo manter uma compatibilidade entre esses lagos e o setor elétrico.

Há subsídios em excesso? Qual proposta o ministério está elaborando para o projeto de reforma do setor elétrico?
Nós estamos criando uma reforma sob três pilares fundamentais. Justiça tarifária, com uma tarifa mais equilibrada entre os consumidores regulados e os do mercado livre. Liberdade do consumidor, com a digitalização da rede distribuidora até 2028 e 2030, para o consumidor optar de onde quer comprar energia.

E a outra questão é o equilíbrio do setor, se a gente não sinergizar as diversas matrizes e modernizar o setor como um todo, ele vai colapsar do ponto de vista tarifário. Nós queremos apresentar até o fim do ano um PL ao Congresso para ser debatido, para que os parlamentares se sensibilizem e apoiem essa reforma tão fundamental, que não tem desde 2004, com a Dilma Rousseff à frente do Ministério de Minas e Energia.

Os distribuidores de energia do mercado regulado têm reclamado que o mercado livre recebe muitos subsídios, o que o senhor tem a dizer?

Sim, é um problema que vai ser regularizado com a reforma do setor. A energia de segurança — que é a energia que as distribuidoras convencionais são obrigadas a comprar por contrato, como Itaipú, termoelétricas e nuclear — é paga por todos os consumidores do regulado, que garantem a segurança energética. As classes mais baixas, a classe média, todo mundo paga. É uma regulação ‘Robin Hood’, que cobra dos consumidores domésticos e isenta os do mercado livre.

Qual a projeção para a abertura do mercado livre de energia para os consumidores de baixa tensão?

Com o decreto de antecipação das distribuidoras, se elas cumprirem a digitalização do sistema, e com as novas leis da reforma, o prazo que a gente quer é até 2028, garantindo a liberdade de escolha para os consumidores.

Qual a sua opinião sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial?

Eu estou muito confiante que possamos explorar aquele potencial energético. Acredito que o Brasil não pode abrir mão de suas riquezas e amanhã ser obrigado a importar combustível fóssil. A gente trabalha para substituir esses combustíveis, mas é uma troca gradual.

Além disso, somos grandes exportadores e esse produto vai gerar muita riqueza, que será importante no combate à fome, desigualdade. Vejo isso como uma questão pragmática mesmo, não dogmática. Nós temos uma das maiores petroleiras do mundo, que é uma das mais seguras na exploração de águas profundas, sem nenhum histórico de acidente ambiental.

Em termos de políticas públicas, quais ganhos serão obtidos com o programa Combustível do Futuro, recém-aprovado?

Quando eu assumi o ministério, os três primeiros meses eu me dediquei a me aprofundar e montar equipe, especialmente nas três grandes áreas de importância nacional. Uma das coisas que logo me veio de forma muito clara foi a necessidade de fortalecer a comunhão entre as políticas energéticas e o agronegócio nacional.

É evidente que, pela vocação que tem o Brasil, sua dimensão territorial e o clima tropical, devemos utilizar as áreas de plantio, principalmente as áreas degradadas e recuperadas, para além da produção de alimentos e energia conjugada, pois as coisas podem ser combinadas.

Começamos a construir um projeto mais ousado de descarbonização de matrizes de alta emissão de gases de efeito estufa e o primeiro projeto foi o Combustível do Futuro, que basicamente cria uma nova indústria nacional. É importante falar sobre todas elas.

Como a produção do SAF?

Sim, com o Combustível Sustentável de Aviação (SAF) criamos um mandato para o SAF, obrigando que todo o setor aéreo passe a utilizar, gradualmente, entre 2027 a 2037, de 1% a 10%. Quando a gente fala em mandato, estamos falando em ancorar os investimentos imediatamente em uma nova indústria. E a gente atende uma demanda que existia, porque a gente fazia parte do acordo internacional para empresas aéreas que exigia a utilização dessa mistura. Então, ou a gente começava a produzir ou a gente teria de ser importador.

Além disso, também temos o Diesel Verde, produto que nós estamos ancorando a produção, que é a mistura no diesel fóssil. Hoje, nós já temos a mistura do biodiesel, que é B15, mas no Combustível do Futuro a mistura vai para B25, conforme a resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), para que ele acompanhe o aumento da produtividade do Brasil e não tenha impacto no preço do diesel na bomba. Essa política fortalece uma indústria que o País investe há décadas, que é a do etanol.

Hoje, o limite é de 18% a 27%, mas nós estamos ampliando para 22% a 35% na gasolina, conforme estudos a serem apresentados pelo MME. Nós também criamos a regulação da captura e estocagem de carbono, para que a gente busque indústrias de impacto zero ou impacto negativo.

Com isso, estamos prevendo uma nova indústria que vai com certeza fazer investimentos em novas fábricas, plantações e toda cadeia produtiva, em descarbonização, entre R$ 200 bilhões e R$ 300 bilhões nos próximos cinco anos, gerando em torno de 700 mil a 800 mil empregos diretos até 2028.

E quais os próximos passos do ministério?

Temos uma boa nova. Vamos inaugurar em Sinop (MT) a maior fábrica de etanol do mundo, da Inpasa, que vai produzir 6 milhões de litros de etanol de milho por dia, graças à ancoragem do Combustível do Futuro. O presidente Lula se entusiasmou tanto que fez um evento com mais de 1 mil pessoas do setor, o que impulsionou e deu celeridade para a aprovação desse desse projeto nas duas casas do Congresso.

A gente está marcando a data para a sanção presidencial e queremos que ela seja feita durante o evento do G20 de Energia, de 1º a 4 de outubro, com a presença de 46 ministros de energia do mundo inteiro presentes, em Foz do Iguaçu (PR). Agora que o Brasil voltou a ter um diálogo com o mundo, centenas de investidores estarão no G20, já confirmados.

É muito importante falar dessas políticas públicas de energia, pois elas além de fortalecerem a cadeia de proteína, o subproduto dessa cadeia, agora literalmente se torna uma energia que descarboniza, facilitando o cumprimento das metas do Brasil no acordo de Paris e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.