Cândito Bracher atualmente faz parte do Conselho de Administração do Itaú Unibanco, e já atuou como CEO do maior banco da América Latina entre 2017 e 2021. Ele é uma das 59 lideranças empresariais signatárias de um manifesto pelo ‘pacto econômico com a natureza’ e falou com exclusividade ao site IstoÉ Dinheiro sobre sua posição de defensor da agenda verde para o Brasil.

O grupo de empresários se uniu para reforçar a pressão para acelerar o PL do Mercado do Carbono, em tramitação há 10 anos no Congresso. O texto foi aprovado pela Câmara, mas segue em avaliação no Senado.

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“Ficamos muito assustados com o que aconteceu no Brasil este ano. Tivemos uma percepção clara de que o Brasil é um dos países que mais tem a ganhar com um ciclo de baixo carbono. Também é um dos países mais vulneráveis ao aquecimento global”, afirma.

A conversa com a reportagem contou com a participação do produtor rural e pecuarista Pedro de Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira, ex-secretário de Produção e Comércio do Ministério da Agricultura. Bracher e Camargo falaram da importância da regulamentação de um mercado de carbono para o Brasil e como isso pode ajudar nos acordos globais para mitigação das mudanças climáticas.

Leia os principais pontos da entrevista:

Como está hoje o mercado de carbono no mundo? Como os países estão lidando com esse tema?

Cândido Bracher: O mundo passa por um processo de aquecimento global, e hoje se tem três consensos:

1- todo mundo concorda que ele existe, pelo menos todo o mundo científico sério e quem se baseia na ciência;
2- todos concordam que esse aquecimento é causado pela emissão de gases de efeito de estufa, como o dióxido de carbono, o CO2, e o metano. Mas que se convencionou chamarmos esse grupo de gases de carbono equivalente.
3- E todos concordam que a forma de conter o aquecimento global é reduzir as emissões de carbono equivalente. Hoje, temos 55 bilhões de toneladas de emissões por ano. A meta é reduzir a zero até 2050.

O mundo agora tem a oportunidade de reduzir essas emissões. Para isso, precisa criar metas, e metas intermediarias. E precisamos estimular que as empresas emitam menos ou que arrumem formas de capturar as emissões da atmosfera. Para isso que foi imaginado e elaborado o mercado de carbono, para justamente regular esse controle de emissões.

E como funciona esse mercado?

Cândido Bracher: Hoje temos dois mercados operando. O mercado voluntário, que é quando uma empresa não está obrigada a reduzir, mas quer fazer, seja para melhorar imagem ou por preocupação ambiental. Então ela voluntariamente adota medidas de redução ou compra crédito – no mercado de carbono – para compensar enquanto não adota as ações. Isso já existe. Tem suas dificuldades, mas está em andamento.

Outra coisa é o mercado regulado. O maior deles é no bloco europeu, com um sistema conhecido como “Cap and Trade”, em que cada empresa tem sua meta de redução ao longo do tempo e, a partir daí, toma suas iniciativas para redução de emissões ou capturas e, se ela não consegue reduzir essas emissões, ela pode comprar crédito daquelas que estão reduzindo mais que a exigência e transformam esse excedente em crédito que ela vende nesse mercado.

Como seria um mercado de carbono no Brasil?

Cândido Bracher: O Brasil tem um projeto pronto de mercado de carbono nesses moldes.

Existe um projeto de lei (PL) que diz isso, que os maiores emissores terão suas curvas de redução traçadas e em função disso se cria o mercado de carbono. Esse mercado existe na União Europeia, no Japão, Coreia do Sul, Austrália. Mas ainda não há um mercado global. Então isso é ‘uma sopa que vai se tomar pelas bordas’. Ou seja, conforme cada país ou região for formalizando seu mercado, mais próximo de um mercado global ficamos.

Por que é importante a criação desse mercado regulamentado, ou oficial, digamos, já que as empresas podem fazer isso voluntariamente?

Cândido Bracher: Quando se cria um mercado de carbono, você desestimula atividades que emitem carbono e estimula as que emitem menos. Por exemplo, hoje temos várias tecnologias que permitem uso de fontes como carros elétricos, energia eólica, solar, hidrogênio verde, etanol, amônia, etc. Mas isso tudo ainda é caro em relação ao petróleo, ao combustível fóssil mais poluente e os maiores emissores são tipicamente do petróleo. E se não se tem o ônus pelo uso de uma fonte mais emissora, não tem incentivo para deixar de usá-la e passar a usar aquelas mais caras. Se criando esse incentivo, se cria um campo para que essas novas tecnologias possam se tornar mais utilizadas mais depressa. Se se tem uma tecnologia mais limpa e cada vez mais barata, em tese deve ser cada vez mais acessível, né? Mais barata comparativamente a essas que vão pagar o imposto de carbono. Depois de aprovado o projeto, esses maiores emissores terão suas curvas decrescente de emissões traçadas e, em função disso, cria-se o mercado de carbono regulamentado.

E por que vocês iniciaram esse movimento mais forte de pressão neste momento para que o projeto aprovado?

Pedro de Camargo Neto: A ciência demostra os números do aquecimento e já está claro que não é natural. A ciência diz que temos que enfrentar. Os debates já ocorreram, as arestas já foram ajustadas. Não tem oposição clara contra. Então, por que não aprovar? É burocracia, trâmites, eleições… mas passou da hora. Entramos em uma reta final. O projeto amadureceu. Acho que está na hora de aprovar É uma proposta do próprio governo, está no pacto dos Poderes. Existe uma concordância geral de que o Brasil precisa aprovar, pois, se ele (o país) não consegue sequer avançar com uma legislação que os outros já têm, como é que ele vai se posicionar em uma COP, por exemplo. Então está no ponto. E quem é contra? Está todo mundo de acordo. Tem que ter ajustes, lógico que vai ter a regulamentação, mas é uma questão de empurrar para acelerar o andamento.

Pedro de Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira, ex-secretário de Produção e Comércio do Ministério da Agricultura (crédito: Arquivo Pessoal/Divulgação)

Candido Bracher: O que aconteceu este ano com as enchentes no Rio Grande do Sul, os incêndios pelo país, essa seca que nós estamos vivendo, coloca em risco não só a qualidade de vida no Brasil como uma geração de riqueza. Nós dependemos de água, e se o país vai ficando seco – você olha para os rios da Amazônia – realmente tem um impacto econômico sobre a vida no país muito grande. Então eu vou dizer que bateu um sentido de urgência. Se nós já achávamos muito importante antes, agora com os eventos climáticos deste ano despertaram um sentido de urgência no Brasil. Vale dizer que a crise do aquecimento global nenhum país resolve sozinho. Atmosfera não tem fronteira. E com um mercado regulado, a gente se qualifica para um debate global, nos qualificamos como importante player nesse cenário.

O Brasil tem algum diferencial com vantagem competitiva em relação aos outros em relação ao mercado de carbono?

Pedro de Camargo Neto: O Brasil é o país da “geografia do sequestro”. Temos muitas terras prontas para serem preparadas para o sequestro (captura) de carbono, com regeneração vegetal, por exemplo. É o país das alternativas.

Mas o Brasil é um país que não consegue avançar nos acordos políticos, mas vemos como perfeitamente possível. E mais, precisamos estar preparados para a nossa COP [a COP30, que será em Belém-PA em 2025]. Será uma COP muito relevante para o mundo. Há um potencial claro. O Brasil tem essa chance de ganhar. E na inação é perdedor com certeza. A gente precisa chegar com posições claras de união interna.

Candido Bracher: Nada justifica a inação.

Como avaliam a demora da tramitação desse projeto? Por que acham que se arrastou por tanto tempo?

Cândido Bracher: Uma coisa que tem atrasado muito é querer negociar muitos detalhes desse projeto, cada um querendo puxar para o seu lado, provoca atrasos por “interesses paroquias”. Aqui e ali, atrasam a implementação das medidas. O importante agora é votar o que tem e depois, na regulamentação, ter outras discussões. Não pode atrasar mais.

Pedro de Camargo Neto: [um mercado de carbono regulado] nos coloca como parte do processo global. Chegar na COP agora (COP29, no Azerbaijão) e se quer ter resolvido essa questão simples, hoje básica, no processo de negociação internacional.

Foi difícil reunir tantas lideranças empresariais e executivos para se unirem e pautar essa urgência para o projeto sobre o mercado de carbono? 

Candido Bracher: Foi quase um movimento de combustão espontânea. A ideia surgiu de um grupo menor de empresários, éramos poucas pessoas. Não tinha a preocupação de ser um grupo grande, mas tínhamos a preocupação de sermos representativos. E foi muito fácil. E aí vão surgindo outras pessoas interessadas, um fala com o outro, etc. Não deu trabalho, não teve grandes esforços de convencimento. As pessoas se organizaram, e em pouco tempo tínhamos o grupo estruturado.

Pedro de Camargo Neto: É um consenso. O tema tem impacto nos negócios e na vida. Não pode mais esperar. O Brasil é um país complexo, mas precisa tratar temas com calma, com técnica, não se perder em debates inúteis. Esse é um ponto agora, acho que teremos outros no futuro, mas esse é um ponto que a gente precisa virar essa página, sim.

E é importante para os negócios…

Candido Bracher: Claro que os negócios são importantes, mas quando você vê tudo pegando fogo, por exemplo, e olha para seus filhos e netos, tem um impacto. Enfim, bate o sentimento de urgência e de futuro.