As debêntures incentivadas de infraestrutura, que no ano passado registraram pouca movimentação, ganharam força em 2024. No primeiro semestre, esses títulos captaram R$ 64,4 bilhões, valor recorde para o período, com os setores ligados à infraestrutura respondendo por 72,4% do montante. O prazo médio dos títulos chegou a 11,4 anos, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). No mercado secundário, o volume negociado somou R$ 120,4 bilhões no mesmo intervalo, e o cenário segue aquecido.

Na segunda-feira (14), o segmento recebeu um novo impulso após a mineradora Vale anunciar a captação de R$ 6 bilhões, amparada pela Portaria nº 689, de 17 de julho de 2024, do Ministério dos Transportes. De acordo com o comunicado à B3, a companhia destinará 100% dos recursos líquidos captados “exclusivamente” para “projetos de investimentos”. A captação será feita em três séries, com valores unitários de R$ 1 mil e vencimentos para 10, 12 e 15 anos, sendo o resgate da última série previsto para 2039. Os valores das séries, dividendos e vencimentos foram aprovados em reunião do Conselho de Administração no dia 11 de outubro.

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Embora o movimento recente tenha sido protagonizado por uma gigante privada, o setor de debêntures incentivadas de infraestrutura também foi beneficiado por ações do governo. O Ministério das Cidades ampliou para 70% o volume de recursos que empresas podem captar via debêntures para financiar o pagamento de outorgas em projetos de concessão na área de saneamento. A mudança foi oficializada por meio de uma alteração na portaria 1.557/2023, que estabeleceu os critérios para a designação de projetos prioritários, garantindo ao mercado o direito de emitir debêntures incentivadas com benefícios fiscais.

Anteriormente, o limite para captação destinada ao pagamento de outorgas era de 50%. A alteração foi feita pouco antes de um grande leilão de saneamento em Sergipe, cujo projeto já poderá utilizar o novo percentual. No leilão, a Iguá Saneamento S.A. venceu com uma oferta de R$ 4,53 bilhões, o que representou um ágio de 122,63% sobre o valor mínimo estipulado no edital, de R$ 2 bilhões. O contrato prevê R$ 6,3 bilhões em investimentos ao longo de 35 anos, abrangendo 74 dos 75 municípios da Microrregião de Água e Esgoto de Sergipe, hoje atendidos pela estatal Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso).

A Vale anunciou a emissão de R$ 6 bilhões via debêntures incentivadas para financiar projetos (Crédito: Divulgação) (Crédito:Estadão Conteúdo)

Christianne Dias, diretora-executiva da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon/Sindcon), comentou que o ideal seria não haver restrições para o uso das debêntures no pagamento de outorgas, mas considerou a mudança positiva. “Esperávamos que o texto não trouxesse qualquer limitação para o pagamento de outorgas com debêntures, mas o fato de ser possível cobrir até 70% desses custos é um bom sinal para o mercado. Isso mostra que o governo está atento à necessidade de segurança jurídica e regulatória no setor de saneamento, que precisa de avanços”, afirma Christianne.

Ela destacou ainda que as debêntures incentivadas de infraestrutura são uma importante fonte de financiamento para o setor e, antes da nova portaria, havia incerteza quanto à possibilidade de utilização desses recursos e ao percentual permitido para cobrir outorgas em futuros leilões.

Anbima lança Boletim

Para fornecer uma visão mais detalhada sobre as debêntures incentivadas pelas leis 12.431 e 14.801, a Anbima lançou neste ano o Boletim de Debêntures Incentivadas de Infraestrutura, que será divulgado mensalmente. Entre 2013 e 2022, a publicação era de responsabilidade da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, mas, como parte de um acordo de cooperação para fomentar o mercado de capitais, a Anbima passou a consolidar os dados a partir deste mês.

“A retomada do boletim, agora com a Anbima à frente, atende a uma demanda do mercado”, afirmou Cristiano Cury, coordenador da Comissão de Renda Fixa da Anbima. “Esse instrumento vem ganhando força como alternativa às fontes tradicionais de financiamento de longo prazo, e é imprescindível ter acesso a informações detalhadas para nortear decisões e traçar cenários.”