Em semana de reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), o foco da expectativa do mercado costuma ser a Selic, a taxa básica de juros. Mas nesta semana outro tema domina o noticiário econômico: a questão fiscal do país e a expectativa por medidas de contenção dos gastos públicos. Para o economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, Felipe Salto, no entanto, o mercado exagera no mau-humor.

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Na sexta-feira, 1º, o dólar bateu R$ 5,87, o maior valor desde maio de 2020. O mercado, incluindo analistas, economistas e especialistas, vêm reforçando – e pressionando – o quanto o governo precisa se debruçar sobre as contas do país e reduzir o tamanho da dívida. O tema ganhou tamanha proporção que motivou o cancelamento de uma viagem à Europa que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, faria esta semana, para se dedicar ao tema junto ao presidente Lula e outros ministros.

Em entrevista ao site IstoÉ Dinheiro, Salto diz que ajustes são necessários, mas avalia que é exagero falar em crise fiscal.

“Há um certo exagero de parte do mercado em relação ao quadro fiscal. Isso está muito claro. Isso de crise fiscal ou de insolvência, não tem nada disso no radar. O Tesouro tem um caixa elevado, a demanda por títulos públicos é bastante robusta, apesar dos juros elevados. De modo que isso são sinais de saúde financeira”.

Salto tem passagens por diversas instituições como conselheiro fiscal, incluindo a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, a ACSP (Associação Comercial de São Paulo), a Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo) e a IFI (Instituição Fiscal Independente), do Senado.

Aumento da dívida pública

Segundo ele, apesar de a situação fiscal não ser dramática, a reação do mercado teve de positivo fazer com que “atores relevantes saíssem do lugar”.

“Tem uma situação frágil, de um lado, que é a dívida pública muito alta, se aproximando de 80% do PIB, bem mais elevada que a média dos emergentes. E com as projeções do FMI apontando aumento. E isso leva à conclusão que é preciso ter medidas para além das que já foram tomadas”, aponta Salto.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) projetou que a dívida bruta brasileira pode chegar a 94,7% do PIB, em 2026, final do governo Lula. O economista destaca que o governo tem um grande desafio, principalmente porque vai ter que cortar gastos, negociar com um Congresso menos amigável e sem mexer drasticamente em políticas públicas.

“Precisa de medidas que possam ajudar a controlar o crescimento do gasto ao longo do tempo, e permitir que a gente volte a gerar resultados primários positivo”.

Ele avalia que o ministro Haddad tem avançado em medidas que elevaram a arrecadação, como a tributação de fundos fechados, a revisão de alguns benefícios fiscais. “Tem que cuidar do lado das despesas. E aí o pacote fiscal é esperado por conta disso”, diz.

Onde cortar?

Entre os caminhos apontados está mexer em benefícios como abono salarial, seguro-desemprego e BPC. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, já declarou que nunca foi consultado por outros integrantes do governo sobre a agenda de revisão de gastos. Segundo ele, não existe debate no Executivo sobre cortar recursos de benefícios como seguro-desemprego e abono salarial. “Se nunca discutiu comigo, essas medidas não existem. Se eu sou responsável pelo tema trabalho e emprego (esse debate não existe), a não ser que o governo me demita”, disse Marinho.

Segundo Salto, “não tem medida fácil” e elas passam por alguém perder algum benefício.

“A questão é escolher onde tem gordura de fato. O abono salarial, será que este é um gasto prioritário? Perguntas como essa é que levam a resposta sobre quais as prioridades na hora de ajustar a despesa. Por isso o abono é ‘um dos eleitos'”, diz.

Ele explica que o abono salarial e o seguro-desemprego, juntos, representam uma conta de R$ 85 bilhões em 2025. Um ajuste de cerca de 15% já representaria quase R$ 13 bilhões. A extinção do abono salarial, para ele o mais questionável dos programas assistenciais, por conta de seu custo e problemas de focalização, traria um espaço fiscal próximo de R$ 29 bilhões.

Outros, como o BPC (Benefício de Proteção Continuada), o piso da saúde e da educação e o Fundeb, foram listados pelo economista.

“Uma série de coisas são de fato sensíveis, social e politicamente, mas podem, se for feito um ajuste bem calibrado, produzir um ajuste fiscal relevante sem prejudicar o financiamento das políticas públicas. Ao contrário, até melhorando a eficiência e eficácia desse financiamento. Precisa avançar do lado do gasto, porque tem muito gasto ineficiente”, acredita.

Expectativa de corte de aos menos R$ 40 bi

Nos cálculos de Salto, o esperado é que o governo anuncie, nos próximos dias, medidas que levem a um corte de ao menos R$ 40 bilhões nas despesas de 2025. “Em razão de nossas projeções para receitas e despesas, acreditamos que seja necessário um corte de R$ 44,1 bilhões para que se cumpra a meta fiscal”, apontou a Warren em relatório.

Segundo o documento, o montante não garante a sustentabilidade do endividamento. “Calculamos ser necessário um ajuste fiscal estrutural de cerca de dois pontos percentuais do PIB para estabilizar a dívida pública. Os R$ 40 bilhões, quando muito, serviriam como a primeira etapa de um plano crível de ajuste gradual para chegarmos eventualmente aos referidos dois pontos de PIB”.

Mais do que conseguir cortar R$ 40 bilhões, o desejável, avalia, seria conseguir adotar medidas estruturais, como forma de reduzir os gastos permanentemente. “Assim, além de se cumprir a meta do ano que vem, seria conferida credibilidade à sobrevivência do Arcabouço como âncora fiscal.”

O que todo mundo quer, diz Salto, é que se tenha um ajuste fiscal que leve à sustentabilidade da dívida pública.

“Acredito que aí tenha juros menores e mais crescimento. Então não é um fiscalismo que tenha que cortar gastos porque alguém tem prazer com isso. Mas é que se chegou num momento em que a dívida cresce e que do lado da receita a arrecadação já está crescendo bastante por conta das medidas que foram tomadas. Portanto, as partes mais evidentes agora para fazer o ajuste fiscal é do lado do gasto. Em benefício do próprio crescimento econômico. Então precisa avançar nessa agenda, mesmo que seja difícil, e não palatável politicamente”