A reunião principal do G20 — o grupo das maiores economias do mundo — começa oficialmente nesta segunda-feira, 18, em meio a tensões geopolíticas e expectativas altas sobre o Brasil, país em posição geopolítica privilegiada, pois também sediará o próximo encontro do grupo do Brics (grupo dos emergentes) e a Conferência do Clima (COP30) em 2025.

Ao longo de dois dias no Rio de Janeiro, chefes de estado de 19 países, líderes da União Europeia e da União Africana e outros convidados devem focar suas conversas — e suas habilidades diplomáticas — em três pontos principais: combate à fome, taxação global de super-ricos e desenvolvimento sustentável. Pode ser que um quarto item ganhe espaço na pauta, a questão dos juros.

“Acredito em alguns avanços sobre o fundo contra a fome — e Lula é campeão em falar sobre isso — e a questão da tributação dos super-ricos”, diz Carlos Primo Braga, professor na Fundação Dom Cabral (FDC) e ex-diretor de Política Econômica e Dívida do Banco Mundial.

A tributação dos super-ricos, lembra Braga, é debatida desde fevereiro, com encontro dos ministros da Fazenda (ou equivalente) dos países em outubro, quando emitiram um documento abordando a tributação. “Pode vir um consenso sobre uma tributação multinacional mínima. Mas, como implementar isso, vai depender do sistema tributário de cada país, que vai colocar as exceções e a forma de se aplicar isso.”

“O G20, em geral, trabalha com consenso. No momento atual, está muito difícil alcançar o consenso. Por isso também será muito positivo se conseguir se avançar nessas questões”, diz Braga.

O cientista político Leonardo Neves Paz, do Ibmec, pondera que este tipo de taxação encontra dificuldades no debate em qualquer país. “O Brasil está defendendo isso no G20, mas não conseguiu passar no próprio Congresso uma taxação de ricos”, diz em referência à derrubada de um Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) pela Câmara no final de outubro.

“Taxação de super-ricos muita gente fala, mas é uma coisa que pouca gente tem força para levar ao próprio parlamento para discutir. É altamente impopular com as elites dos países”, conclui.

Antes do G20, já são reunidas listas de propostas e temas em debates, lembra a economista Lia Valls, professora da UERJ e pesquisadora associada do FGV Ibre. Ela destaca que há projetos para a transição energética, protecionismo e combate à pobreza. “Então é muito rico de proposição. Se elas serão devidamente implementadas ou não é uma segunda etapa, que considera se vai sensibilizar os governos”.

EUA: elemento de tensão

Todo o debate sobre economia global — que é a origem da criação do G20 — ocorrerá sob a sombra do recém-eleito presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que assume em janeiro de 2025. Vai pairar a dúvida se o que for decidido na participação dos Estados Unidos agora terá validade no governo Trump, que já anunciou, por exemplo, a saída do país do Acordo de Paris, firmado em 2015.

Entre os aspectos econômicos, Leonardo Paz, do Ibmec, destaca que deve haver encontros de diretores de política monetária para discutir preocupações com juros e inflação ao nível mundial. “Mas de novo: tudo com essa discussão de economia global eu acho que está em suspenso. Tenho poucas expectativas na realidade de compromisso, em função da eleição do Donald Trump.”

A geopolítica também será inevitável quando se fala em mercados globais impactados por duas grandes guerras em curso no mundo, no Leste Europeu, entre Ucrânia e Rússia, e no Oriente Médio, envolvendo diretamente Israel e Palestina. A economista Lia Vals, no entanto, acredita que estes temas devem ter menos destaque devido a dificuldade maior de consenso sobre eles.

Brasil: posição privilegiada na governança global

O G20 no Brasil também terá outro grande destaque positivo para além da economia. Se as confirmações de presença se concretizarem, a edição carioca vai reunir lideranças de todos os países.

“O México nunca foi aos encontros do G20. Ano passado, Xi Ji Ping não foi por tensões entre China e Índia. E este ano, em termos de poder político, teremos pessoas também com longa experiência com o G20, com algumas exceções como Milei [presidente da Argentina], a presidente do México, Claudia Sheinbaum [do México], e do primeiro-ministro japonês, Shigeru Ishiba. Mas o Lula é um dos que mais participaram desses eventos. Quando saiu em 2010 era considerado um dos líderes de maior reconhecimento do grupo”, aponta Braga, da FDC.

Braga também avalia que o sistema “troika”, em que os países anfitriões se revezam e dão continuidade a decisões tomadas ao longo das reuniões anteriores, tem se dado com sucesso, com uma interação positiva entre eles. Inclusive, esta é a primeira vez que a “troika” envolve uma sequência de países do sul global: a edição anterior foi realizada na Índia, em 2022 ocorreu na Indonésia, esta no Brasil, e a próxima será na África do Sul, que já se comprometeu a dar seguimento ao G20 Social, uma criação brasileira neste ano.

O que é o G20?

G20 é uma coligação que junta as vinte maiores economias do planeta — daí vem a origem do nome, que significa “Grupo dos Vinte”. Os países membros formam uma liga de cooperação internacional a fim de promover melhorias no desenvolvimento econômico, social, político e sustentável em escala global. Eles discutem as propostas ao longo do ano para, no último dia da Cúpula, assinar uma declaração conjunta e, em alguns casos, acordos.

A nomeação “cúpula” é uma referência ao termo em inglês “Summit”, que diz respeito ao ponto mais alto de uma montanha. Desse modo, a Cúpula seria o ápice dos debates realizados durante os 12 meses.

A relevância do G20

O encontro não é um espaço de deliberação formal, mas sim um palco para discussões, que podem ficar mais enfraquecidas pela mudança de governo de um de seus principais atores. Mas, ainda que seja apenas um fórum de discussão, os especialistas consideram que o G20 guarda enorme importância pela qualidade dos debates construídos.

“Vai muito além desses dois ou três dias que os chefes de estado se encontram. Se você chegar aqui no Rio de Janeiro, que tem a oportunidade de sediar o G20, ao longo de todo ano você tem reuniões”, diz Paz. “Você tem o U20, O20… Quer dizer: o U é de urbano, O é de oceano, tem o W de mulheres, tem C de cidades, tem de Universidades, tem o T de Think Thanks”, exemplifica. Os encontros reúnem, em geral, membros da sociedade civil de diversas nações, que formulam as propostas conjuntas para seus respectivos setores.

“Tem importância porque estamos numa época de muita fragmentação, de muita dificuldade de avançar qualquer coisa dos órgãos multilaterais, então na área econômica você tem empresários, grupo do trabalho, do comércio, do clima, todos fizeram propostas”, concorda Valls. “A gente está numa época de fragilidade das instituições multilaterais, como a OMC. Então, os países, os grupos dentro dos governos, conseguirem chegar em coisas importantes para mudar já é relevante.”

Quais países fazem parte do G20?

As nações integrantes da Cúpula são: Brasil, África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia, além da União Europeia e União Africana.

Como funciona?

A presidência da Cúpula é rotativa e cabe ao país-sede do ano definir os principais assuntos que pautam a reunião. A organização do G20 é dividida em dois âmbitos de atuação: trilha de Sherpas e trilha de Finanças.

Sherpas são representantes dos líderes integrantes do grupo, que participam das negociações e debatem sobre as pautas da reunião. “Sherpa” é um termo usado para denominar o ajudante que, no alpinismo, auxilia o escalador a chegar até o topo da montanha.

Já a trilha de Finanças trata de temas macroeconômicos e é conduzida por chefes de Bancos Centrais e Ministérios de Economia.

Qual o poder do G20?

O grupo de vinte países não detém nenhum tipo de poder legislativo – ou seja, não tem autoridade para formular e aprovar leis.

A competência da Cúpula consiste em assumir compromissos políticos, econômicos, sociais ou qualquer outra esfera de interesse internacional. Os acordos, por sua vez, residem na confiança de que os governos cumprirão as metas estabelecidas.