No dia 8 dia de novembro de 2024, foi batido o martelo em um leilão feito em Genebra, na Suíça, que quebrou um novo recorde. Por 6 milhões de francos suíços (US$ 8,3 milhões), o vencedor do leilão levou o 15º relógio feito à mão por François-Paul Journe, um relojoeiro independente, em 1993. Esse foi o maior valor já pago em um leilão por uma peça feita por um relojoeiro independente – aquele que não integra as grandes marcas, como Rolex, Patek Philippe, Cartier ou Omega.

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A venda da peça –  chamada de F.P. Journe Tourbillon Souverain à Remontoir d’égalité – foi em um leilão da Phillips, e mostra um mercado de relógios de luxo aquecido, se somando às outras às dezenas de milhões em leilões feitos pela Phillips, Sotheby’s e Christie’s.

São negócios envolvendo peças raríssimas e escassas, que estão no topo da cadeia de um mercado que, na verdade, é movimentado todos os dias e que tem atraído muito mais gente.

Mercado secundário

Sendo um mercado exclusivo, as compras nem sempre vão ser na loja em si. Assim, o mercado secundário é extremamente movimentado, sendo comum a compra de relógios de conhecidos ou em marketplaces ou até mesmo Instagram.

Em plataformas como a Chrono24, donos de relógio negociam peças que possuem mais liquidez e, em alguns casos, funcionam como reserva de valor.

Em plataformas de markeplace, relógios de marcas de luxo são negociados entre colecionadores de vários países. Preços vão dos milhares às dezenas de milhões.
Em plataformas de markeplace, relógios de marcas de luxo são negociados entre colecionadores de vários países. Preços vão dos milhares às dezenas de milhões. (Crédito:Reprodução/Chrono24)

Dentre os modelos de relógios que mais se valorizaram em 2024 estão, por exemplo, peças como o Rolex Oyster Perpetual Turquoise Celebration. O modelo tem um preço sugerido pela fabricante na casa dos US$ 7,1 mil, contudo a valorização fez com que ele fosse negociado no mercado secundário a US$ 18,8 mil.

Na mesma toada, o Audemars Piguet Royal Oak Double Balance Wheel Openworked é negociado a cerca de US$ 275 mil, acima dos US$ 109 mil sugeridos pela fabricante – representando uma valorização de mais de 150%.

No mesmo ano, outras peças em específico também tiveram valorização de 100% ou próximo disso – Patek Philippe Aquanaut, Patek Philippe Nautilus, Rolex Daytona Branco, A. Lange & Söhne Odysseus e Rolex Yacht-Master 42.

Relógio é hobby, mas pode ser investimento

Especialistas – tanto em investimentos quanto em alta relojoaria – são uníssonos em citar que comprar relógio não é visto como um investimento, mas pode render lucros, a depender de como o comprador se comporta.

Na esmagadora maioria das vezes, o comprador compra uma peça para tê-la na coleção, para uso pessoal e para outros fins que não financeiros – diferentemente de quem compra ativos em bolsa, renda fixa ou títulos, cujo fim é prioritária o lucro.

“Os colecionadores que eu conheço não encaram isso como investimento, encaram como hobby que eventualmente funciona como reserva de valor, assim como vinho ou arte. Você tem casos de gente com adegas grandes, de 5 mil garrafas, em que o dono comprou o vinho para beber, tem paixão por aquilo, mas ele conseguiria liquidar aquilo como uma alternativa rápida se ele precisasse de patrimônio”, explica Bernardo Britto, conhecido nas redes sociais como ‘Bernardo Entusiasta’.

No Instagram, onde soma mais de 320 mil seguidores, Bernardo faz o ‘spotted’, quadro em que analisa os modelos e valores de relógios de celebridades. Na edição que mais somou visualizações (mais de 3 milhões), o entusiasta de alta relojoaria mostrou modelos como um Cartier Ballon Bleu usado por Ana Maria Braga, que custa cerca de R$ 29 mil, um Richard Mille 011 Felipe Massa em ouro usado por Boninho, ex- Rede Globo, que custa R$ 1,1 milhão, e um Patek Philippe 5726 de R$ 400 mil.

Instagram will load in the frontend.

Por que tanto dinheiro em um relógio?

Os motivos que levam um relógio a ser tão caro são vários, podendo incluir escassez, dificuldade na aquisição, máquina com muitas complicações, materiais caros (outo, platina) e vários outros.

Além disso, é claro, há o branding praticado pelas marcas que também influencia fortemente na demanda e no desejo de consumo.

A Rolex – talvez a marca mais célebre desse mercado nos tempos atuais – investiu seu marketing em associar seus relógios a pessoas. A publicidade da companhia, há décadas, deixou de focar em mostrar que sue produto era luxuoso e de qualidade e passou a associá-lo a vitória.

A questão deixou de ser o que é um Rolex, mas quem usa um Rolex.

Propagandas da Rolex passaram a atrelar os produtos a pessoas de poder e renome - Foto: Reprodução/Rolex
Propagandas da Rolex passaram a atrelar os produtos a pessoas de poder e renome (Crédito:Reprodução/Rolex)

“No caso da Rolex, você chegou a ter uma campanha publicitária em que mostrava que todas as pessoas relevantes, que tomavam decisões ao redor do mundo, utilizavam um Rolex no pulso. Eles saíram do produto e miraram nas pessoas que usam o produto”, explica Flávio Maia, procurador de justiça que é entusiasta de alta relojoaria e é dono do blog Relógios Mecânicos.

Um dos modelos mais líquidos desse mercado, aliás, é o Rolex Submariner. É um relógio de mergulho – portanto, mais robusto, com numerais maiores, estanquidade e bezel rotativo.

Um modelo que mostra a data – Submariner Date – em aço e com mostrador preto é vendido por cerca de R$ 40 mil em plataformas de marketplace. Em meados de maio de 2022, o preço chegou a bater R$ 70 mil. Há cerca de uma década atrás, era vendido  abaixo dos R$ 30 mil.

A liquidez mais alta se dá por ser um modelo muito conhecido e com uma demanda alta.

“O submariner tem muita liquidez; Rolex de um modo geral tem muita [liquidez], a exceção são modelos com muitos diamantes ou alguns específicos que tem menor procura. Olhando para os mais baratos você tem liquidez grande em relógios Swatch, que são vendidos por menos de 300 francos suíços. Preço menor, mas liquidez bastante alta”, diz Maia.

Momento atual é de desaceleração

Os especialistas comentam que, como outros mercados, a alta relojoaria é cíclica. O momento atual é de desaceleração nos preços dos principais modelos de relógios de luxo. Um Rolex Daytona Cosmograph em platina com mostrador azul, por exemplo, vem em franca queda nos últimos 12 meses, com desvalorização de mais de 5% no período, sendo vendido na casa dos R$ 620 mil atualmente.

Evolução do preço de um Rolex Daytona ao longo do tempo
Evolução do preço de um Rolex Daytona ao longo do tempo (Crédito:Chrono24/Reprodução)

No comparativo com janelas mais longas, a desvalorização é ainda maior, considerando que em meados de março de 2022 a peça era vendida acima de R$ 1 milhão.

“Começamos a ver que do fim de 2023 para o começo desse ano temos uma desaceleração de preços e até um declínio. O ciclo da indústria relojoeira é algo de médio e longo prazo. Muitas questões fizeram o ‘bear market’ dos relógios. Os gostos vão mudando ao longo do tempo, relógios muito demandados vão perdendo o interesse. Outro ponto é que antigamente víamos uma baixa disponibilidade, entre 2019 e 2023, e agora vemos a marcas ofertar mais modelos”, analisa Mazer, da Horollogica.

Ostentação e erudição

Apesar de ser um mercado vinculado ao luxo, altos preços e um lifestyle regado à exclusividade, não necessariamente os gostos estão atrelados aos preços. Os entrevistados pela reportagem, na sua totalidade, relataram que com o tempo passaram a estudar mais a ciência por trás das máquinas de marcar tempo.

Maia, da Relógios Mecânicos, descreve que passou a dedicar mais tempo a estudar o tema, comprar livros sobre, e até aplicou métodos de estudo da sua área – o direito.

Segundo ele, o fato de esse mercado ter nascido foi o motivo para a alta relojoaria ter sobrevivido.

“O posicionamento do relógio mecânico como luxo não é novidade, foi planejado no grupo Swatch nos anos 83, que foi originado pela fusão dos grupos SSIH e ASUAG. Até os anos 80 relógios não eram luxo, e uma das estratégias do Nicolas G. Hayek para a indústria sobreviver, era o posicionamento, através de marketing, desses produtos como luxo, porque eles não conseguiriam competir com produtos de escala, de massa, de preço barato”, explica.

“Eu não sou desfavorável da alteração do relógio para útil como luxo, se isso não tivesse acontecido, não teríamos o relógio suíço como conhecemos hoje, seria algo extinto assim como a máquina de escrever. Mas eles mantiveram 700 anos de tradição e de história através de uma conquista de um mercado”, completa.

Falsificação é inimigo comum

Sendo um mercado de bens, a falsificação de relógios é um problema quase que inevitável. A quantidade de casos não é pequena, e alguns ganharam mídia. Em 2022, dois turistas suíços foram roubados no Monidee Café, em Nápoles, na Itália. Minutos após o criminoso executar o roubo a mão armada, voltou e devolveu o relógio pela peça ser falsa.

“Tem artimanhas para saber se é original, sendo a primeira delas a documentação. Temos gente comprando no eBay manual da china, embutindo mais valor. É uma situação difícil porque tem falsificação, mas é uma forma de você ter um mínimo de controle para fins de autenticidade. Antes de comprar também perguntar se a pessoa tem certificado de autenticidade da própria marca, ou até da assistência técnica autorizada. A própria marca coloca um custo na certificação, mas é uma forma de contornar o problema”, explica Mazer, da Horollogica.