O Banco Central tem tomado as devidas providências para que a inflação atinja a meta estabelecida, disse nesta sexta-feira o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, após descumprimento do alvo em 2024.

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Em carta aberta ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Galípolo afirmou que os principais fatores que contribuíram para o rompimento do teto da meta foram a inflação importada, a inércia do ano anterior, o hiato do produto e as expectativas de inflação.

A inflação no país fechou 2024 em 4,83%, informou nesta sexta-feira o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), confirmando o estouro do teto da meta de inflação, uma possibilidade que o Banco Central já projetava em dezembro como próxima a 100%.

A meta de inflação é de 3%, com uma banda de tolerância até o limite inferior de 1,5% e teto de 4,5%.

Na carta, Galípolo afirmou que o principal fator a levar ao rompimento do teto da meta foi a inflação importada, que contribuiu com 0,72 ponto percentual para o desvio do índice de preços.

Dentro desse componente, a desvalorização do real teve efeito de alta de 1,21 ponto, seguida das cotações das commodities em geral, com efeito de 0,10 ponto. Por outro lado, a queda do preço internacional do petróleo, com efeito de -0,59 p.p., contrabalançou parcialmente esses impactos.

“A significativa depreciação cambial decorreu principalmente de fatores domésticos, complementada pela apreciação global do dólar norte-americano”, afirmou.

Galípolo também citou como fatores que colaboraram para o estouro da meta a inércia do ano anterior (0,52 p.p.), o hiato do produto (0,49 p.p.) e as expectativas de inflação (0,30 p.p.).

Em relação aos preços à frente, a carta ressaltou que as projeções do cenário de referência do BC apontam que a inflação ficará acima do teto da meta até o terceiro trimestre de 2025, entrando depois em trajetória de declínio, mas ainda permanecendo acima do centro do alvo.

Esta foi a oitava vez que a evolução dos preços ao consumidor no país rompeu os limites de tolerância estabelecidos para o ano. Em 26 anos do regime de metas de inflação no Brasil, o estouro ocorreu em 2001, 2002, 2003, 2015, 2017, 2021, 2022 e 2024.

O BC acelerou o ciclo de alta nos juros básicos no fim do ano na tentativa de debelar a inflação, diante de uma persistente desancoragem das expectativas de mercado para os preços à frente, em um cenário com atividade aquecida, incertezas externas e dúvidas sobre a política fiscal.

Em dezembro, a autarquia elevou a taxa Selic em 1 ponto percentual, a 12,25% ao ano, prevendo mais duas altas equivalentes em janeiro e março deste ano, nas primeiras reuniões do Copom com Galípolo na presidência do BC e uma diretoria que passou a ter maioria de indicados pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva.

Esta foi a última carta feita pelo BC para explicar o descumprimento do alvo para a inflação no regime que considerava o ano calendário para avaliar se o objetivo foi cumprido.

A partir deste ano, passa a vigorar no Brasil a avaliação do cumprimento da meta num horizonte contínuo. No novo sistema, a carta aberta será produzida se a inflação acumulada em 12 meses ficar por seis meses consecutivos fora do intervalo de tolerância.

Explicações

Presidente do Banco Central há apenas dez dias, Gabriel Galípolo começou sua gestão tendo que escrever uma carta aberta ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para explicar o descumprimento da meta de inflação de 2024. É a oitava vez que a autoridade monetária falha em cumprir a meta desde o início do regime, em 1999.

No ano passado, o BC ainda era comandado por Roberto Campos Neto. Mas, como o IPCA de dezembro só foi divulgado nesta sexta-feira, cabe a Galípolo assinar o texto.

Ele se torna o primeiro presidente da autoridade monetária a explicar o descumprimento do alvo por um predecessor desde Henrique Meirelles. Em 2003, o então recém-empossado chefe da autarquia escreveu uma carta sobre a perda da meta de 2002, na gestão de Arminio Fraga.

Campos Neto foi presidente que mais descumpriu meta

Os dados de inflação divulgados na manhã desta sexta pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmam que Campos Neto foi o presidente do BC que mais descumpriu a meta na história do regime.

Desde o início da gestão dele, em 2019, o IPCA superou a meta três vezes: em 2021, quando escalou até 10,06%, a terceira maior taxa do Plano Real; em 2022, quando ficou em 5,79%; e, agora, em 2024.

Entre os quatro predecessores de Campos Neto que trabalharam sob o regime de metas, Fraga (1999-2002) perdeu o alvo duas vezes. Meirelles (2003-2010), Alexandre Tombini (2011-2016) e Ilan Goldfajn (2016-2019), uma vez cada.

Descumprimento já era aguardado

O descumprimento da meta de inflação de 2024 era amplamente esperado pelo mercado financeiro e pelo próprio BC. Desde outubro, a mediana do relatório Focus indicava que o IPCA do ano passado superaria os 4,50%. Na edição da última segunda-feira, 6, indicava inflação de 4,89%. A autoridade monetária previa um IPCA de 4,9% e considerava haver 100% de chance de estouro do teto no ano passado, conforme o último Relatório Trimestral de Inflação (RTI).

Esta é a última vez que o cumprimento do alvo de inflação foi feito de acordo com o regime original de metas, adotado no Brasil em 1999. Esse sistema considerava o IPCA acumulado no ano-calendário.

Se a inflação ficasse acima ou abaixo do intervalo de tolerância, o presidente do BC deveria escrever uma carta aberta ao ministro da Fazenda para explicar as razões do descumprimento, as providências para garantir a convergência e o prazo para que isso acontecesse.

A partir deste ano, passa a valer um novo sistema de meta contínua, com centro de 3%, apurada com base na inflação acumulada em 12 meses. Se ela ficar acima ou abaixo do intervalo de tolerância (1,5% a 4,5%) por seis meses consecutivos, considera-se que o alvo foi perdido. Nesse caso, também caberá ao BC divulgar as razões para o descumprimento, as providências e o prazo para a convergência, também por meio de carta aberta.

Nas duas últimas vezes que o BC descumpriu a meta de inflação, a carta aberta do presidente da autarquia ao ministro da Fazenda foi publicada no mesmo dia da divulgação do IPCA de dezembro. O Broadcast consultou a autarquia para saber quando o documento seria tornado público este ano, mas não obteve resposta.

Credibilidade

Economistas ouvidos pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) consideram que o descumprimento do alvo em 2024 tem poucos impactos para a credibilidade do BC ou do regime de metas.

O IPCA do ano passado sofreu efeitos de eventos climáticos extremos, valorização de mais de 27% do dólar ante o real e robustez da atividade econômica.

“O BC reagiu a esse desafio, interrompeu um processo de corte de juros e passou a elevar a Selic. Não havia muito o que fazer. A inflação ficou acima da meta em parte por causa desses choques, e o BC tem de atuar para evitar efeitos secundários, o que ele está fazendo agora”, diz o estrategista-chefe e sócio da EPS Investimentos, Luciano Rostagno.

A autoridade monetária iniciou o ano no meio de um ciclo de corte de juros e chegou a reduzir a Selic a 10,50% em maio. Depois, voltou a elevar a taxa básica, que chegou a 12,25% em dezembro. Diante do aumento das expectativas de inflação, o BC indicou dois aumentos de 1 ponto porcentual este ano, que levariam os juros a 14,25% até março.

Para Rostagno, a postura do BC ao longo deste ano vai determinar ganho ou perda de credibilidade. Como mostrou o Broadcast, o mercado já espera que a nova meta contínua seja descumprida em julho deste ano, com uma sequência de seis meses do IPCA acumulado em 12 meses acima de 4,50%. Com as expectativas de inflação para os próximos anos desancoradas, a autoridade monetária terá de reforçar seu compromisso com a convergência, diz o analista.

A economista-chefe para o Brasil da Galapagos Capital, Tatiana Pinheiro, considera que o comportamento das expectativas de inflação será o principal termômetro da credibilidade este ano. As medianas do relatório Focus para o IPCA de 2025, 2026 e 2027 têm subido continuamente, distanciando-se do centro da meta perseguida pelo BC, apesar da sinalização de uma política monetária mais dura.

Ela lembra que, a partir de agora, o BC terá de publicar trimestralmente, no novo Relatório de Política Monetária, uma avaliação sobre o processo de convergência. Se as projeções de inflação da autarquia para o seu horizonte relevante continuarem subindo, isso pode trazer impactos para a credibilidade, destaca a economista.

“Se vier o relatório do primeiro trimestre e ficar mais distante da meta do que em dezembro, e chegar o segundo trimestre e você tiver uma revisão constante da inflação para cima… é com base na revisão da expectativa, seja do mercado, seja do modelo do BC, nesse intervalo relevante, que podemos falar de um ganho ou perda de credibilidade”, diz Pinheiro.