23/01/2025 - 19:37
No país líder da exportação do suco, crise nos laranjais encarece o produto, provoca mudança no mapa de produção e ameaça futuro do setor. Calor excessivo e chuvas escassas entre os fatores para as más safras.Problemática desde seu início, a colheita da laranja no Brasil se aproxima do fim. A atual safra, marcada pelo ano mais quente dos últimos 200 anos, acumula perdas e deve render 9,1 milhões de toneladas, uma queda de 27% em relação à anterior.
O impacto da crise não se restringe às fronteiras nacionais. O Brasil é líder produtor da fruta e da exportação do suco. A cada dez copos consumidos pelo mundo, sete são de laranjas brasileiras.
Menos disponíveis nas prateleiras estrangeiras, os preços dispararam. Com base na bolsa de valores de Nova York, a tonelada do suco concentrado custa quatro vezes mais do que há três anos, saltando de 1.700 dólares para 6.600 dólares.
“A demanda está acima da oferta, mesmo com preços altos. Não existe disponibilidade para atender toda a demanda de suco no mundo”, avalia Ibiapaba Netto, diretor-executivo da CitrusBr, iniciativa que reúne as maiores produtoras e exportadoras de sucos cítricos.
De toda a produção industrial em ampla escala de laranja, estima-se que 80% vira suco para exportação.
A semente da crise
O começo da instabilidade está nos pés de laranja do cinturão citrícola brasileiro. A maioria das 260 milhões de árvores está no estado de São Paulo, que concentra 70% da produção nacional, seguido por Minas Gerais e Paraná.
“É uma safra pequena, afetada principalmente pelo clima”, explica Guilherme Rodriguez, engenheiro agrônomo e supervisor de projetos do Fundo de Defesa da Citricultura, Fundecitrus.
Em Aguaí, no interior paulista, e Minduri, em Minas Gerais, o trabalho nos pomares mantidos há 40 anos pela família de Antônio Carlos Simoneti continua. Eles cultivam 1 milhão de pés de laranja, muitos afetados pelas altas temperaturas e chuvas irregulares.
“É uma colheita bastante debilitada. As frutas estão com pouco rendimento quanto ao tamanho e peso. O preço [de venda] até que remunerou, mas não o suficiente para cobrir a baixa produtividade”, explica o produtor, que calcula perda em suas propriedades na casa dos 30%.
Clima interfere no florescimento
Em 2024, as altas temperaturas abalaram os laranjais. A planta começou a soltar flores quando a região produtora registrava calor intenso, de dia e de noite, resultando em o fruto recém-formado ser abortado, explica Rodriguez, do Fundecitrus.
“Nós tivemos quatro picos de calor coincidindo com a florada de frutinhos novos. Essa frutinha que se formava, caía. Passava um tempo, a planta emitia mais uma florada, mas aí vinha calor e caía de novo”, detalha o agrônomo do Fundecitrus.
A chuva também tem seu papel. A área onde fica o cinturão registrou chuvas abaixo da média até meados de 2024, e só chegou em maior volume em novembro. “Quem manda no florescimento é a chuva, quando ela deixa o florescimento mais tardio, ele acontece nesses meses de outubro, novembro, dezembro, que é sempre muito quente e a gente tem esse problema”, complementa Rodriguez.
Nas feiras e mercados brasileiros, a reclamação é sobre o sabor da fruta, menos doce e mais “aguada”. A safra baixa segurou o funcionamento de fábricas do parque industrial em operação no estado de São Paulo, levando muitas a programarem manutenção preventiva enquanto estavam paradas, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, Cepea, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP).
Greening e cancro cítrico: duas sérias ameaças
Além do clima, a doença conhecida como greening reduz a potência dos laranjais. No Brasil, o mal é provocado principalmente pela bactéria Candidatus liberibacter asiaticus, transmitida pelo Diaphorina citri, um inseto branco e cinza que ataca as plantas justamente na hora da brotação. Ao sugar a seiva, ele passa a bactéria, que se espalha rapidamente por raízes, ramos, folhas e frutos.
“É a pior doença que a gente tem na citricultura, e ela não tem cura”, afirma Rodriguez.
Desde o primeiro registro da doença, em 2004, a contaminação se alastrou. Atualmente, estima-se que 44% das árvores da principal região produtora têm greening. Em algumas cidades, como a paulista Limeira, a taxa chega a 78%.
“O greening habita os vasos de condução de seiva e o fruto fica deformado e mais azedo. O inseto vetor evoluiu biologicamente junto com a planta e o manejo integrado é fundamental”, explica Henrique Ferreira, pesquisador da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Seus estudos esmiúçam bem uma outra praga, o cancro cítrico, que chegou ao país na década de 1950 e tampouco tem cura. Transmitido pela bactéria Xanthomonas citri, ele derruba a laranja antes da hora, e a fruta fica “feia” para comercialização.
“Qualquer parte da planta contaminada com cancro passa para outra pelo mero contato. Por isso, nosso foco de estudo é entender a biologia da bactéria e desenvolver moléculas capazes de interferir no desenvolvimento delas”, esclarece Ferreira.
Cultivando laranjas num planeta mais quente
Os prognósticos para a região tradicional do cultivo não são favoráveis. Um estudo recente do Instituto Geológico, extinto pelo governo paulista em 2020, e da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), prevê que a temperatura pode subir até 6°C nos próximos 25 anos.
A análise, encomendada pelo próprio governo, mostra ainda que as ondas de calor podem chegar a 150 dias por ano na região produtora, e as chuvas ficarão mais escassas. A projeção, com base em dados coletados entre 1961 e 1990, levou quatro anos para ser concluída.
“Questões climáticas afetam muito a produção e proliferação de doenças e insetos vetores. O cancro, por exemplo, é mais disseminado por chuva e vento”, comenta o pesquisador da Unesp. Ele cita a Flórida, que teve suas lavouras de laranja praticamente dizimadas por pragas. Nesse estado americano, “o espalhamento do cancro foi associado a tufões”.
Entidades do setor, governo e universidades acabam de criar o Centro de Pesquisa Aplicada em Inovação e Sustentabilidade da Citricultura (CPA) para enfrentar a crise. Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o foco será a pesquisa para lidar com doenças, especialmente o greening.
“Juntos, greening e cancro afetam mais da metade das árvores do cinturão cítrico”, relata Ferreira que, na Unesp, estuda alternativas de controle biológico das doenças, para fugir da aplicação de agrotóxicos tradicionais e de cobre.
“Vamos depender da natureza”
Uma das respostas do setor tem sido mudar o mapa da produção. Segundo o Fundecitrus, famílias tradicionais no negócio têm expandido a fronteira para Mato Grosso do Sul, Bahia e Sergipe.
“Eles têm buscado áreas onde existe um regime favorável de chuva e de temperatura que são adequados para a cultura, ou onde tem água para irrigação”, afirma Rodriguez, mencionando ainda empecilhos como falta de mão de obra especializada e distância do parque industrial, concentrado em São Paulo.
De olho no mercado externo, Ibiapaba Netto diz que a expectativa cresce em torno da próxima safra, se terá capacidade de trazer “refresco” ou não para os consumidores: “Ter uma próxima safra um pouco mais robusta seria importante, principalmente para regularizar a oferta de suco, e para que seja possível abastecer todos os mercados. Vamos depender da natureza.”