01/02/2025 - 15:00
A Petrobras anunciou uma expansão dos serviços oferecidos pelo plano de saúde da empresa a beneficiários trans. O convênio médico abrange empregados na ativa, dependentes e ex-funcionários, e inclui procedimentos como a readequação da genitália.
A medida batizada de “Transcuidar” busca dar um apoio completo e interdisciplinar de saúde ao grupo minoritário. Foi anunciada na última quarta-feira, 29, data em que se celebra o dia da visibilidade trans no país. O comunicado ocorre no mesmo mês em que grandes empresas estadunidenses encerram ou reduzem programas de diversidade.
+ Grupos que reúnem 500 empresas publicam manifesto pró-diversidade em reação a Trump
+ Por que Walmart e outras empresas estão abandonando políticas de inclusão
Segundo a petroleira, há hoje 262 mil assistidos por seu plano entre funcionários, ex-funcionários aposentados e dependentes.
A Petrobras mapeou 20 pessoas trans entre eles, dos quais cerca de metade ainda está na ativa. Segundo a assistente social da Gerência de Diversidade, Equidade e Inclusão da empresa, Isabel Cristina de Melo Souza, o número pode crescer conforme mais pessoas busquem os tratamentos ou passem a trabalhar na petroleira. “É uma maneira também de atrair, dizer à sociedade, às pessoas trans: ‘vocês são bem-vindos em outros concursos que virão’”, diz.
IBM, Mondelez e Salesforce também apoiam políticas para trans
Especialistas e consultores de diversidade defendem o apoio à população trans como forma de promover a produtividade, para além da igualdade. “Se a pessoa não está bem, com uma saúde mental, física, como vai render bem?”, questiona Maite Schneider, fundadora da Transempregos. “A saúde deveria ser um direito básico.”
Nos últimos anos, grandes empresas ampliaram a atenção à população trans. A gigante de informática IBM foi uma das pioneiras ao lançar em 2017 o Programa de Assistência à pessoa Trans (PAT), que disponibiliza uma equipe médica multidisciplinar para auxiliar pessoas em transição.
“Ambientes acolhedores permitem que pessoas trans trabalhem sem medo de discriminação ou assédio”, diz a líder de Diversidade e Inclusão da IBM na América Latina, Stephanie Felipe Stolfo. “Faz parte de nossa cultura de mais de 100 anos promover um ambiente onde todos se sentem respeitados e valorizados.”
Outras empresas chegam a oferecer subsídio para a terapia hormonal, caso da Mondelez, dona de marcas como Tang e Lacta. A empresa ampliou seus benefícios para pessoas trans em 2022, e desde então paga 100% dos medicamentos necessários para a transição de seus funcionários.
Fornecedora de computação em nuvem, a Salesforce também reembolsa os medicamentos dos funcionários trans e oferece uma ampla cobertura médica. Com um dos programas mais completos do mercado, desde 2021 a empresa disponibiliza ainda uma licença para o processo de transição, auxílio financeiro para compra de roupas, serviços de aconselhamento e suporte interno.
A frente da Transempregos, Maite Schneider trabalha há mais de 10 anos para, através de treinamentos e parcerias com empresas, ampliar a empregabilidade de pessoas trans. Segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), apenas 4% desta população tem acesso hoje a trabalho formal.
Schneider destaca que iniciativas empresariais de apoio às pessoas trans começaram a surgir recentemente e celebra as conquistas. Afirma porém que os programas ainda são insuficientes para o tamanho da marginalização deste grupo. “A gente já teve zero absoluto. Mas lógico que ainda são muito poucas em função do que deveria.”
Obstáculos para transição de gênero
Apesar de uma decisão do STJ no final de 2023 determinar que planos de saúde devem oferecer suporte para pessoas em processo de transição de gênero, muitos planos ainda aguardam a judicialização para oferecer suporte adequado.
“As empresas anunciam esse ‘bônus’ como uma certeza de que a pessoa terá acesso aos procedimentos sem a necessidade de judicialização”, explica a presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB Nacional, Amanda Souto Baliza.
O Transcuidar, da Petrobras, prevê ainda a disponibilização de serviços que, segundo a decisão do STJ, não são obrigatórios para os planos de saúde, como a prótese de mama.
Para além da resistência de algumas operadoras médicas em prestar os serviços, outro obstáculo comum para a população trans é a falta de profissionais habilitados na rede credenciada, sobretudo para tratamento de homens trans, explica Baliza. “Quando colocamos o interior do país na equação fica mais difícil ainda”, diz.
Tempo de espera na fila do SUS é de 8 a 10 anos
Apesar de sua inclusão no Sistema Único de Saúde (SUS) em 2008, o acesso ao processo transsexualizador no serviço público também é difícil, com poucos centros aptos e longas filas. Em São Paulo, por exemplo, onde dois hospitais realizam a cirurgia de mudança da genitália de pessoas transfemininas, o tempo médio de espera é de oito a dez anos, segundo a Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura. Já a redesignação genital de homens trans é realizada apenas em Hospitais Escola, e não tem informações disponíveis sobre a fila.
Mudança de rota em políticas de inclusão nos EUA
Empresas dos Estados Unidos que tinham dado passos semelhantes em direção a uma maior inclusão da população LGBTQIA+, recuaram de seus compromissos após a última eleição de Donald Trump. Meta, Ford, McDonald’s, WallMart e John Deere foram empresas que encerraram ou reduziram programas de inclusão ou apoio à funcionários de grupos minoritários.
Caso mais publicamente alardeado, a Meta chegou a protagonizar um discurso de seu fundador, Mark Zuckerberg, sobre privilegiar uma “energia masculina”, e anunciou o fim da disponibilização de absorventes em banheiros masculinos, destinados a homens trans.
Na quarta-feira, 29, movimentos empresariais brasileiros ligados às políticas de D&I publicaram um manifesto conjunto em que reforçaram o compromisso com a agenda no Brasil. O documento intitulado “Um compromisso inabalável com o futuro” foi assinado pelas entidades: Movimento Mulher 360, Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, Rede Empresarial pela Inclusão Social, Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, Fórum Gerações e Futuro do Trabalho, Mover, Pacto pela Equidade Racial e Instituto Ethos. As organizações representam 500 companhias associadas de diversos segmentos da economia, entre nacionais e multinacionais.