07/02/2025 - 13:56
Governado pelo Talibã, país asiático carece de recursos para fornecer serviços básicos a seu povo. Especialistas alertam que um corte permanente da ajuda americana pode ter consequências devastadoras para os afegãos.A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de suspender a assistência americana ao desenvolvimento estrangeiro e, ao mesmo tempo, restringir as operações da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) ameaça ter grande impacto no Afeganistão, que depende de ajuda externa para a manutenção de serviços essenciais.
Apesar de terem retirado suas tropas e outras autoridades do Afeganistão em agosto de 2021, os EUA são o maior doador do país. De acordo com um relatório do Gabinete do Inspetor Geral Especial para a Reconstrução do Afeganistão (Sigar), Washington “destinou ou disponibilizou mais de US$ 21 bilhões [R$ 121,3 bilhões] em assistência ao Afeganistão e aos refugiados afegãos” desde que o Talibã assumiu o controle total do país.
Os EUA afirmam que os fundos humanitários são direcionados ao povo afegão, com salvaguardas para impedir que os fundamentalistas islâmicos no poder tenham acesso a eles.
Talibã “à beira do caos”
O Talibã, porém, tem se beneficiado indiretamente do fluxo de dólares americanos, que ajudaram a estabilizar a moeda afegã e a mitigar o risco de inflação excessiva. A suspensão da ajuda americana ameaça derrubar esse frágil equilíbrio. “A suspensão da assistência americana, incluindo o financiamento da Usaid, provocou caos entre os talibãs,” confirma o ex-diplomata afegão Ghaus Janbaz.
Diversos especialistas argumentam que a assistência estrangeira ao Afeganistão, incluindo as centenas de milhões de dólares fornecidos anualmente pelos EUA, acabaram inadvertidamente ajudando o Talibã a manter seu controle. Com o fluxos de verbas secando, o Talibã pode sucumbir às demandas internacionais ou enfrentar uma oposição mais forte dentro do próprio país.
“Nos últimos três anos, os talibãs não conseguiram estabelecer uma economia autossustentável, o que os tornou altamente dependentes desse tipo de ajuda”, acrescenta Janbaz.
Povo afegão pagará o preço, dizem ativistas
Desde que recuperaram o controle do Afeganistão, os talibãs têm sistematicamente negado às mulheres direitos básicos, como educação e trabalho fora de casa. O regime lhes proíbe mostrar o rosto ou mesmo falar em público. A questão dos direitos femininos continua sendo um grande obstáculo para qualquer país que estabeleça relações oficiais com o regime. Em consequência, nenhum Estado reconheceu formalmente o Talibã como governo afegão legítimo.
O grupo tampouco conseguiu estabelecer um governo inclusivo ou introduzir um processo para que os cidadãos afegãos participassem da vida pública. Embora os apelos por uma pressão maior sobre o Talibã tenham se intensificado, há receios de que cortar a ajuda vital só acarretará mais sofrimento para o povo afegão.
“Segundo relatórios da ONU, 26 milhões de cidadãos do Afeganistão dependem de ajuda estrangeira para sobreviver,” informa a ativista afegã de direitos das mulheres Wazhma Frogh, que mora no exterior e trabalha com organizações humanitárias que ainda operam no Afeganistão. “Se as organizações humanitárias perdem acesso a esses fundos, serão incapazes de fornecer até mesmo a assistência mais básica.”
“Os talibãs não têm nenhuma agenda de apoio ou desenvolvimento para o povo. A única assistência vem da ONU, de agências internacionais e de ONGs afegãs.” Frogh alerta que a decisão de Trump de cortar a ajuda humanitária irá piorar significativamente as condições para o afegão comum.
Nenhum plano de Trump para o Afeganistão?
A diminuição da assistência ao Afeganistão é resultado das ordens executivas abrangentes do presidente americano, que não foram direcionadas especificamente contra o país asiático, mas à ajuda ao desenvolvimento como um todo.
O Afeganistão parece ter ficado à margem da atual agenda de política externa de Trump, com os conflitos no Oriente Médio e na Ucrânia no centro das atenções.
Durante uma coletiva de imprensa conjunta com o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, em 4 de fevereiro, Trump foi questionado por uma jornalista afegã sobre seus planos para o Afeganistão. Ele respondeu que não conseguia entender “seu lindo sotaque”. Não ficou claro se ele realmente não compreendeu a pergunta, ou se a estava evitando.
“Não acho que o governo Trump tenha um plano para o Afeganistão ainda”, conclui Frogh. No entanto, o presidente tem falado abertamente sobre suas demandas ao Talibã: a devolução do equipamento militar deixado pelos EUA, e o controle sobre a base aérea de Bagram, que Trump alega estar agora sob influência chinesa – o que o Talibã nega.
De acordo com o ex-diplomata Janbaz, essas observações não refletem uma estratégia concreta dos EUA em relação ao Afeganistão, mas são parte da retórica da campanha trumpista: “O tempo dirá como Trump lida com o Afeganistão, mas está claro que sua abordagem não será a mesma do primeiro mandato.”