30/07/2003 - 7:00
O que faz um empreendedor subjugar as tristes taxas de mortalidade empresarial do Brasil? Aquelas que fulminam sete de cada dez pequenos negócios antes mesmo de eles completarem cinco anos de vida. Trabalho duro? Conhecimento do setor? Coragem? Dinheiro? Dedicação? Talvez uma salada disso tudo, com uma pitada maior ou menor desse e daquele ingrediente. Assim ensina a cartilha do Sebrae, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Há um componente, porém, que não figura nos manuais: o famoso ?estar no lugar certo na hora certa?. É uma fração de segundo que muda tudo. É quando surge a oportunidade de se tornar parceiro de uma grande corporação, pegar carona no seu sucesso e tocar a vida para um futuro jamais sonhado. Conheça a história de quatro brasileiros que estavam no lugar certo, na hora certa e, quando o bonde passou, sem saber ao certo aonde seriam levados, trataram logo de subir. E sentaram-se à janelinha.
O HOMEM DO SACO
O industrial Ítalo de Donno divide a própria vida em a.P. e d.P. ? antes e depois do Pão de Açúcar. Paulista de Itararé, ele fornece à maior rede varejista do País um produto simples e imprescindível: as sacolinhas plásticas nas quais os clientes carregam suas compras para casa. São 200 toneladas de sacolas por mês, ou 20% de toda a sua produção. ?Hoje sou proprietário da maior empresa da minha cidade. Tem 50 mil habitantes lá, e eu, sozinho, emprego 300?, diz, cheio de orgulho. Não é para menos. O homem que agora roda de BMW com motorista particular e assina cheques com uma Mont Blanc começou por baixo, como engraxate. Depois foi balconista de botequim, até que certo dia um freguês perguntou se ele queria comprar uma fábrica de sacos de papel. Donno não tinha onde cair morto. Morava com os pais e quatro irmãos num barraco de madeira de quatro cômodos. Pegou o equivalente a R$ 100 mil com um tal de Capilé, agiota e candidato a prefeito, assinou 36 promissórias e arrematou a Fasapel, um galpão de 180 m2 com quatro máquinas antigas e 10 funcionários. ?Foi uma loucura, eu sei. Mas me empolguei com a possibilidade de virar empresário?, conta.
Era 1984, e, àquela altura, o ex-engraxate achava que Pão de Açúcar era só um cartão postal do Rio de Janeiro. Seis anos mais tarde lá estava ele batendo à porta dos Diniz para mostrar seus saquinhos. Saiu de lá com um pedido e não parou mais. Primeiro fornecendo sacos de papel, depois de plástico, cuja produção exigiu a aquisição de seis máquinas de R$ 150 mil cada. Capilé não se elegeu e continuava agiotando, mas Donno não precisava mais dele. Todas as portas se abriram depois do acordo com o Pão de Açúcar. Sobretudo as dos bancos. ?Botei o contrato debaixo do braço e fui pedir um financiamento. Foi bico.? Donno ficou conhecido no setor, e o seu trabalho passou a ser avalizado de antemão. Para a clientela, é uma espécie de garantia fazer encomendas ao ?rapaz das sacolinhas do Pão de Açúcar?. A partir de 1999, enquanto a rede crescia ao ritmo de 50 novas lojas por ano, Donno foi colecionando clientes
no Brasil todo (?Até em Rondônia?, diz, citando o seu melhor
exemplo de lonjura). De galpão, a Fasapel se tornou uma fábrica moderna de 5.000 m2, com receitas anuais de R$ 25 milhões. Mas Donno, que trocou o barraco pela maior mansão de Itararé (600 m2), acha que está só começando: ?Ainda vou ter um helicóptero. Igualzinho ao do Abílio Diniz?.
McMARCENEIRO FELIZ
Ivan Scarpelini era um arquiteto recém-formado quando o setor de construção civil enfrentou uma de suas maiores crises, em 1983. Construtoras grandes como a Adolfo Lindenberg e a João Fortes ruíram sob a falta de financiamento imobiliário para a classe média. O pequeno escritório de arquitetura de Scarpelini também. A salvação veio numa atitude quase paternal de um velho amigo marceneiro, que lhe ofereceu sociedade na sua pequena oficina. ?Mas eu não tenho um tostão, só me sobrou um Dodge Polara?, avisou Scarpelini. Não tinha problema. Ele podia entrar só com o trabalho, desenhando armários para quartos e cozinhas. Do escritório nos Jardins o arquiteto foi parar num fundo de quintal da Casa Verde, periferia de São Paulo. Já no ano seguinte o bonde passou: um colega indicou os seus serviços para o McDonald?s, que queria reformar uma de suas oito lojas na capital paulista. Scarpelini deveria produzir os móveis novos: balcões, painéis, mesas, tudo o que fosse de madeira. ?Meu negócio era fazer guarda-roupa, mas resolvi encarar o desafio?.
O resultado ficou tão bom que o trabalho virou referência. ?Pessoas de outras multinacionais me ligavam e diziam: ?Puxa, você que fez aquele projeto para o McDonald?s? Passa aqui para a gente conversar??, conta Scarpelini. Rapidamente o boca a boca se espalhou e os armários de cozinha ficaram para trás. Sua empresa, a Dorsa, tornou-se uma das maiores fabricantes de mobiliário comercial do Brasil, com faturamento de R$ 12 milhões em 2002, sede própria de 5.000 m2 e 120 funcionários. Na lista de clientes constam Volkswagen, Blockbuster, Fotóptica, Swatch, BCP, Hugo Boss, Armani, Nestlé, Ermenegildo Zegna. O grande salto aconteceu na década de 90, quando o McDonald?s abriu praticamente uma loja por mês no Brasil. A Dorsa aproveitou o embalo, produzindo mais de 50 peças para cada uma delas. O carro-chefe é o quiosque de sorvete. Mais de 1.000 já foram fabricados, alguns exportados para Alemanha, Chile, Portugal e Tahiti. ?O meu sócio se aposentou pouco tempo depois do primeiro trabalho para o McDonald?s. Acho que ele nunca tinha visto tanto dinheiro na vida?, relembra Scarpelini.
SENHOR TEMPO BOM
O sonho dos Magno era ter um filho funcionário público. Sobrou para Carlos, que se formou em meteorologia e foi trabalhar no Ministério da Agricultura, prevendo o tempo para fazendeiros em geral. Mas logo cansou da letargia da vida de barnabé e jogou tudo para o alto. Em 1988, abriu uma pequena empresa com a mulher para fazer a mesma coisa: descobrir se choveria ou faria sol naquele dia. A diferença era que as chances de crescer eram muito maiores. No começo, os clientes se contavam nos dedos de uma mão: algumas rádios e uma agência de notícias. Mas tudo mudou a partir de 1990, quando a sua Climatempo iniciou uma parceria de 13 anos com a TV Globo. Em abril passado, Magno desceu do bonde, porque a emissora não quis renovar o contrato. Mas ele aproveitou muito bem a carona. ?A tevê deu credibilidade à previsão do tempo e, conseqüentemente, à minha empresa?, diz. Entre 1996 e 2000, o homem do tempo foi, ele mesmo, apresentador das condições climáticas no Jornal Nacional. Era visto todas as noites por 40 milhões de pessoas. Quer vitrine melhor?
O negócio cresceu tanto que em 1999 Magno investiu US$ 200 mil para criar um canal só dele, a TV Clima Tempo, que hoje tem 1,5 milhão de assinantes. Os clientes da empresa também se multiplicaram. Já passam de mil e são cada vez mais parrudos ? Ambev, Nestlé. O laboratório Roche consulta Magno para reforçar a distribuição de seus antigripais e vitaminas C nas regiões onde a previsão é de chuva. A butique Daslu quer saber se vai chover ou fazer sol antes de decorar as suas vitrines. ?As empresas agora têm consciência de que podem usar a meteorologia para ganhar dinheiro?, empolga-se Magno. A Climatempo cresceu 50% ao ano de 2000 para cá e, diz-se no mercado, fatura R$ 5 milhões anuais. Magno não confirma, mas que a carona lhe fez um bem danado, ah isso fez.
IVAN, O TERRÍVEL
Ivan Pereira Ribeiro tem papo de publicitário, idéias de publicitário e, em alguns de seus arroubos de ?descerimônia?, até se acha um publicitário. Pudera: foram 10 anos como garçom da Almap BBDO, uma das maiores agências de propaganda do País. E não só servindo água e cafezinho. ?Ele é tão desinibido que vivia palpitando em campanhas e layouts?, conta o diretor de arte Marcus Sulzbacher. Foi esse jeitão descontraído que mudou a vida do garçom. Maranhense de Bacabal, Ribeiro bolou as embalagens nas quais a São Paulo Alpargatas exporta o grande hit do verão europeu: as sandálias Havaianas. São pequenas sacolas coloridas, de nylon, como as de feira.
No começo, a empresa queria apenas um brinde para presentear os VIPs da Fashion Rio 2002. Intrometido que só vendo, Ribeiro disse que, se deixassem, ele podia fazer. ?Vendi um relógio por R$ 35 e comprei o material?, conta. Ele mesmo fez o desenho e uma amiga costurou o primeiro protótipo. A Alpargatas aprovou com louvor e encomendou 3 mil sacolas, mas teve que pagar adiantado porque o fornecedor não tinha capital de giro. Resultado: as sacolinhas de Ribeiro já apareceram em festa das Havaianas sob a Torre Eiffel e até na entrega do Oscar. A Ambev também pediu o produto para o Camarote da Brahma no Carnaval. E negociações estão em andamento com a C&A, Bayer e Cia. Marítima. Ao todo, 20 mil sacolas já foram produzidas, rendendo ao garçom R$ 120 mil. Não é muito, mas para se dedicar melhor à atividade Ribeiro pendurou a gravata borboleta. No mês passado, pediu demissão da Almap, alugou um sobrado e montou escritório. Paga de aluguel o mesmo que ganhava como garçom: R$ 1.200. Os amigos da agência fizeram o logotipo da sua empresa, a JTC, e estão preparando um catálogo. ?Por enquanto estou mais pobre do que antes, porque o que entra invisto na empresa?, diz. ?Mas vai chegar o dia em que eu terei uma sala bacana.? Antes, porém, quer aprender a mexer em PC (?Lido melhor com Mac?, esnoba) e fazer faculdade. De publicidade, é claro.
Mas é bom maneirar na euforia. O principal fator de risco para um pequeno empreendedor é se agarrar demais à barra da saia de seus parceiros poderosos. ?A regra é depender, no máximo, 25% de um único cliente?, ensina Gilberto Rose, consultor de gestão do Sebrae. Quer dizer: o segredo é aproveitar bem a carona no sucesso alheio e, ao mesmo tempo, estar apto a abandonar o bonde quando o motorista der uma freada brusca nos pedidos. Nossos bravos caronistas sabem disso. O garçom Ribeiro acabou de subir, e com a ajuda de seus amigos publicitários, vai ganhando novos clientes a cada dia. Magno, da Climatempo, desceu, mas em terreno macio que ele soube preparar. Donno, das sacolinhas, e Scarpelini, dos móveis, continuam no bonde. À janelinha, apreciando a paisagem.