18/02/2025 - 9:15
Reino Unido considera enviar soldados para manutenção da paz na Ucrânia, mas Alemanha diz que questão é prematura. Reunião de cúpula em Paris para debater a crise foi convocada por Macron.O Palácio do Eliseu se transformou num centro europeu de gerenciamento de crise nesta segunda-feira (17/02), com o presidente francês, Emmanuel Macron, recebendo líderes europeus numa tentativa de evitar que o futuro da Europa seja escrito sem eles.
Os líderes europeus ainda estão se recuperando do golpe dado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, que iniciou negociações com a Rússia sobre a guerra na Ucrânia sem consultar ou mesmo levar em conta as preocupações dos aliados na Europa.
Macron – no seu autoproclamado papel de convocador-chefe da Europa – parecia ter convocando uma reunião de equipe para planejar a defesa em todos os sentidos da palavra.
Mas, embora o primeiro-ministro da Dinamarca, Mette Frederiksen, tenha insistido que não era o objetivo das conversações produzir resultados concretos, o fato é que da reunião desta segunda-feira surgiram mais perguntas do que respostas sobre o que a Europa fará em seguida. E tudo isso no momento em que começa, para a Ucrânia, uma semana decisiva na diplomacia.
Garantias de segurança
A maioria dos líderes reunidos em Paris reiterou promessas anteriores de manter o apoio político, militar e financeiro a Kiev e insistiu que nenhum acordo sobre a Ucrânia deveria ser feito sem eles.
Mas os líderes reunidos em Paris – os da França, da Alemanha, da Dinamarca, da Holanda, da Espanha, do Reino Unido, da Polônia e da Itália, assim como as principais autoridades da UE e da Otan – mostraram menos união sobre quais garantias de segurança a Europa poderia oferecer como parte de um acordo definitivo na Ucrânia.
Questionado sobre o possível envio de tropas europeias de manutenção da paz para a Ucrânia, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, declarou-se “meio incomodado” com o debate.
“Vou ser bem franco. As pessoas estão falando sobre possíveis resultados por cima da cabeça da Ucrânia, sobre o resultado de negociações de paz que não ocorreram, sobre as quais a Ucrânia não disse concordar nem se sentou à mesa”, afirmou.
“Portanto, esse é um debate inadequado no momento errado e sobre a questão errada. Ainda não estamos no ponto de haver paz, mas no meio de uma guerra brutalmente travada pela Rússia.”
A declaração contrastou fortemente com a do primeiro-ministro do Reino Unido, Kier Starmer, que disse estar pronto para considerar o envio de tropas britânicas para a Ucrânia em algum momento.
Frederiksen, da Dinamarca, por sua vez, disse que seu país está aberto a “muitas coisas”, mas que “muitas coisas” precisam ser antes esclarecidas. Já o premiê polonês, Donald Tusk, afirmou não haver planos para enviar tropas polonesas para manutenção da paz no local.
Aparentemente para disfarçar as divergências, um diplomata da UE resumiu o clima da reunião com as seguintes palavras: “Estamos prontos para fornecer garantias de segurança, com modalidades a serem examinadas com cada parte, dependendo do nível de apoio americano”.
Os europeus nas negociações?
Mesmo que a maioria dos países europeus prefira falar sobre forças de manutenção da paz num momento em que a paz já puder ser vislumbrada, o fato é que os Estados Unidos já delinearam seu plano.
Na semana passada, o secretário americano da Defesa, Pete Hegseth, afirmou que nenhum soldado americano será enviado, argumentando que “tropas europeias e não europeias capazes” poderiam ser enviadas para apoiar um futuro cessar-fogo.
E, mais importante ainda, acrescentou que não deveria haver uma garantia de segurança para essas forças por parte dos Estados Unidos. Isso abre uma grande questão, pois significaria o envio de militares das nações da Otan sem que houvesse recurso ao compromisso de defesa coletiva da Otan.
E, apesar de algumas garantias de considerar a “contribuição” europeia na segunda-feira, Washington reiterou que planeja negociar apenas com Moscou e Kiev.
No entanto, a analista Ulrike Franke, do think tank Conselho Europeu de Relações Exteriores, avaliou que a Europa poderia usar justamente a questão do envio de militares para obter mais influência. “A força dos europeus reside no fato de que eles é que serão chamados a garantir [a implementação de] qualquer tipo de acordo”, diz.
“É assim que os europeus acabarão tendo um lugar à mesa, porque se eles estão sendo solicitados a garantir qualquer tipo de acordo, então eles precisarão estar envolvidos nele”, disse.
Aumento dos gastos com defesa
Nenhum membro da Otan – nem mesmo os EUA – gasta, em relação ao PIB, mais em defesa do que a Polônia, e o premiê Donald Tusk disse na segunda-feira que a “nova fase” na “amizade” da Europa com os EUA mudou a dinâmica.
Os países europeus vêm reforçando os orçamentos militares desde fevereiro de 2022, mas a impressão de que Washington não é mais um parceiro confiável está levando a um novo reconhecimento.
“Houve concordância, unanimidade, de que um aumento significativo nos gastos com defesa é algo absolutamente necessário”, disse Tusk em Paris.
Scholz disse ser a favor da flexibilização das regras fiscais da União Europeia para facilitar orçamentos de defesa maiores, enquanto uma autoridade da UE frisou que os líderes estão “preparados para elevar o nível” de seus gastos “a fim de dividir melhor o ônus com os Estados Unidos”.
Mas isso levará a debates dentro da UE sobre como financiar esse aumento de gastos, com questões sobre possíveis dívidas conjuntas e sobre comprar armas dos EUA ou se alinhar às exigências francesas de comprar material bélico europeu.
Outra lição
Macron convidou para sua cúpula em Paris os líderes mais importantes da UE em termos militares e diplomáticos, assim como o Reino Unido, ex-membro do bloco. Isso é um desvio do formato usual de conversações na UE, que reúnem todos os países e ocorrem em Bruxelas.
Essa não foi a primeira vez que Macron se lançou sozinho em questões de política externa na Europa. “É normal que se comece com uma discussão informal, mas isso também será uma discussão dentro da UE”, observou o analista Pierre Haroche.
Espera-se que os ministros do Exterior da UE se reúnam na próxima segunda-feira em Bruxelas para uma coordenação em todo o bloco. Até lá, eles poderão refletir sobre mais essa lição sobre a diferença que apenas uma semana pode fazer na política transatlântica quando Donald Trump está no comando.