Retorno de Trump à Casa Branca deu início a uma guerra contra políticas de diversidade, levando empresas a abandonarem programas de inclusão e a apostar na velha supremacia branca.A vitória de Donald Trump na disputa presidencial dos EUA descortinou uma verdadeira guerra contra o conceito de diversidade e sua ampla aplicabilidade na formulação de políticas públicas em diferentes países.

Isso ficou especialmente evidente nos dias subsequentes à sua posse, quando Trump assinou decretos que desmantelaram programas federais de equidade e inclusão, resultando da suspensão de funcionários desses setores até o fechamento dos escritórios correspondentes.

O ataque aos imigrantes e a formulação de políticas de deportação também deixaram evidente quem são as pessoas que o novo governo considera dignas de estar e trabalhar nos Estados Unidos.

E se isso tudo não fosse o suficiente, o governo Trump impôs série de mudanças relacionadas às classificações de gênero nos passaportes estadunidenses, declarando guerra às políticas de diversidade de gênero.

Vale lembrar que em 2023, a Suprema Corte dos Estados Unidos derrubou uma série de programas de ação afirmativa que tomavam a raça como base para ingresso em importantes universidades do país.

Empresas abandonam políticas de DEI

Mas essa postura viveu uma escalada significativa desde 6 de novembro de 2024, quando Trump foi eleito presidente. Dias depois, importantes empresas como Walmart e McDonald´s anunciaram o encerramento das suas políticas de equidade, se somando à Ford, John Deere e Harley-Davidson que já vinham reduzindo ou eliminando suas iniciativas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) desde meados de 2024.

Ainda que a chamada “agenda anti-woke” não fosse uma novidade entre as alas mais conservadoras, a sua força retórica e efetiva ganhou força estrondosa nas últimas semanas. Para os críticos das políticas de equidade, as iniciativas DEI seriam resultado de uma imposição cultural, e não seriam benéficas para a competitividade do livre comércio.

Curiosamente (ou não), as justificativas amenas dessa agenda são contrárias a todos os estudos que analisaram a implementação de iniciativas DEI em diferentes setores econômicos.

De acordo com um levantamento feito pela consultoria McKinsey & Company em 2020, as empresas com maior diversidade étnico-racial têm 36% mais chances de superar concorrentes em lucratividade. Junto a isso, organizações com equidade de gênero na liderança possuem 25% mais chances de obter retornos financeiros acima da média do mercado.

Esses dados corroboram a pesquisa apresentada na Harvard Business Review em 2019, que constatava que organizações com diversidade de gênero e cultural apresentam uma taxa de inovação 19% superior à de empresas homogêneas. E se tudo isso não bastasse, um relatório da PwC 2021 destacou que a maior parte dos consumidores (76%) preferem adquirir produtos e serviços de empresas que adotam políticas inclusivas.

Então, a pergunta que faço é: por que empresas gigantes como Google, Amazon, Meta, que pareciam ter abraçado a DEI como um dos pilares de administrações modernas e propositivas, simplesmente desmontaram anos de trabalho e pesquisa na área de diversidade para se alinharem ao novo governo dos Estados Unidos?

Eu, por exemplo, já havia criado um singelo costume de esperar quais seriam as homenagens dessas bigtechs no Black History Month (Mês da História Negra dos EUA), em fevereiro, por conta do nascimento ou morte de importantes personalidades como Frederick Douglas, W.E. B Du Bois, Rosa Parks, Malcom X, Angela Davis, James Baldwin, dentre outros. Agora, o que tivemos foi o mais retumbante silêncio.

Como o silêncio também é uma forma de exercer o poder, me pergunto até que ponto, a adoção no passado dessas políticas de diversidade não foram uma espécie de bugiganga ofertada por essas empresas, para caírem nas graças e no bolso dos consumidores “antenados”? E até que ponto nós, consumidores “antenados” estamos dispostos a abrir mão dos confortos e facilidades dessas bigthecs em nome da defesa da diversidade como um princípio?

Impacto no Brasil

Ainda que o cenário no Brasil seja diferente, o impacto das políticas estadunidenses e o nosso bom e velho conservadorismo já começam a mostrar sua cara.

Alguns especialistas apontam que empresas brasileiras podem estar adotando uma postura mais cautelosa, evitando expandir ou promover ativamente programas de diversidade para não se contraporem às tendências internacionais e às pressões políticas. Talvez um exemplo evidente disso seja a empresa Vale – a mesma responsável pela tragédia humana e ecológica de Brumadinho –, que recentemente anunciou a substituição gradual de políticas DEI por políticas Mérito, Excelência e Inteligência (MEI). O recado está dado.

Na realidade, o recado sempre esteve ali. Ainda que a diversidade e a inclusão não sejam de todo incompatíveis com o sistema capitalista, esses princípios são quase que um tapa na cara de quem detém o poder no mundo em que vivemos. Parece que essas pessoas, ou boa parte delas, cansaram de ofertar essa bugiganga chamada diversidade, para abraçar e a apostar na velha supremacia branca, que sempre garantiu que o poder estivesse em suas mãos. Afinal, para quem mesmo que a diversidade interessa?

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Mestre e doutora em História Social pela USP, Ynaê Lopes dos Santos é professora de História das Américas na UFF. É autora dos livros Além da Senzala. Arranjos Escravos de Moradia no Rio de Janeiro (Hucitec 2010), História da África e do Brasil Afrodescendente (Pallas, 2017), Juliano Moreira: médico negro na fundação da psiquiatria do Brasil (EDUFF, 2020) e Racismo brasileiro: Uma história da formação do país (Todavia, 2022), e também responsável pelo perfil do Instagram @nossos_passos_vem_de_longe.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.