Para os políticos alemães, está cada vez mais claro que os EUA não são um parceiro confiável na defesa. País debate de onde tirar verbas para capacitar suas próprias Forças Armadas.Os políticos da Alemanha estão em estado de choque, depois de um fim de semana que deixou mais claro do que nunca que a situação geopolítica está mudando fundamentalmente. Eles estão agora ocupados tentando se adaptar aos novos tempos, o que significa sobretudo posicionar-se mais claramente em relação aos EUA e à Rússia.

Como declarou à emissora Deutschlandfunk, o cientista político Carlo Masala, da Universidade da Bundeswehr, parte do princípio de que, num futuro próximo, os EUA não serão mais um parceiro confiável para a Europa, que compartilhe dos mesmos valores e interesses.

“Mas eles certamente terão, neste ou naquele caso, mais interesses em comum conosco do que com outros. Acredito que, nesses casos, uma Europa independente e soberana se torna mais atraente como parceira para os EUA.”

O motivo do estado de choque é o bate-boca de 28 de fevereiro na Casa Branca, em Washington, quando o presidente dos EUA, Donald Trump, repreendeu o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, diante de jornalistas, e por fim retirou sua solidariedade com a Ucrânia.

Isso causou grande preocupação na Alemanha. “Temos que reconhecer que nosso aliado mais importante não está mais se comportando como um aliado, mas sim se tornando um risco para a segurança da Europa”, observou a analista Claudia Major, do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), também à emissora Deutschlandfunk.

Coadjuvante na cúpula em Londres

E tudo isso está acontecendo num momento de indefinição política na Alemanha. As conservadoras União Democrata Cristã (CDU) e União Social Cristã (CSU), e o Partido Social-Democrata (SPD) tentam formar um novo governo após a eleição de 23 de fevereiro, provavelmente sob a liderança do presidente da CDU, Friedrich Merz, um político que nunca ocupou um cargo governamental.

O chanceler federal ainda no cargo, social-democrata Olaf Scholz, comanda um governo minoritário e virou um “pato manco” político. Ele não esteve no centro das atenções no domingo (02/03), quando o presidente francês, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, ditaram o tom numa reunião de cúpula em Londres, que reforçou o apoio europeu a Zelenski.

Macron e Starmer claramente lideram a “coalizão dos dispostos” e querem elaborar um plano europeu para um cessar-fogo na Ucrânia. O futuro papel da Alemanha nesse plano não está claro. Em contraste com os líderes francês e britânico, Scholz deu declarações cautelosas após a cúpula londrina.

Um comportamento comedido do atual chefe de governo alemão é até esperado, já que ele ocupa o cargo interinamente até a eleição pelo Bundestag (Parlamento) do novo chefe de governo. Nessa situação, espera-se que se abstenha de tomar decisões e fazer declarações políticas de longo alcance. E, no momento, tudo o que pode ser dito sobre a Rússia, a Ucrânia e os EUA tem consequências de longo alcance.

O copresidente do SPD Lars Klingbeil enfatizou nesta segunda-feira que a maior economia da Europa não está à margem dos acontecimentos durante esses tempos turbulentos: afinal Scholz esteve presente na cúpula dos europeus com Zelenski em Londres, argumentou.

“O próximo governo federal terá grande responsabilidade pela política europeia. Junto com a Polônia e a França, caberá a esses três países criar estabilidade na Europa”, disse Klingbeil, a quem observadores políticos em Berlim atribuem o desejo de ser o próximo ministro do Exterior. Durante a campanha eleitoral, Merz reiterou que vai manter o apoio à Ucrânia.

De onde tirar o dinheiro para a Defesa?

Klingbeil disse também que o bate-boca em Washington deve servir de alerta para os europeus. E esse parece mesmo ter sido o caso em Berlim, pois, de uma hora para a outra, decisões que até há pouco pareciam impossíveis, passaram a ser consideradas. Durante a campanha eleitoral, Merz descartava, por exemplo, reformar o freio da dívida, o que agora ele considera abertamente.

O tema dominante nas atuais negociações entre a CDU/CSU e o SPD são possíveis medidas para obter bilhões de euros em curto prazo – seja para capacitar a Bundeswehr, seja para um apoio ainda mais forte à Ucrânia. Para capacitar a Bundeswehr são mencionados valores de até 400 bilhões de euros, uma verba de que a Alemanha não dispõe.

Esses bilhões adicionais poderiam ser mobilizados por meio de uma reforma do freio da dívida, que foi ancorado na Lei Fundamental alemã em 2009, ou por um fundo especial específico. Em ambos os casos, trata-se de mudanças constitucionais, que requerem a aprovação de dois terços dos parlamentares no Bundestag.

No atual Parlamento, que foi eleito em 2021, CDU, CSU e SPD chegariam a essa maioria qualificada com os votos do Partido Verde, que concorda com a mudança. No próximo Bundestag essa maioria seria mais difícil de ser obtida, principalmente por causa da elevada votação dos partidos Alternativa para a Alemanha (AfD) e A Esquerda nas últimas eleições.

A atual legislatura ainda vai durar alguns dias, pois o novo Bundestag deverá se reunir pela primeira vez em 24 de março. Se uma votação sobre novas dívidas ocorrer na atual legislatura, ela seria possível em 10 de março. O jornal Bild noticiou que a direção da CDU estaria considerando essa data. Se a votação não ocorrer mais na atual legislatura, o A Esquerda sinalizou que poderia fornecer os votos para a maioria qualificada.

Merz quer seu governo formado até a Páscoa, ou seja, até 20 de abril. Para conseguir isso, ele precisa passar pelas difíceis negociações com o SPD. “Queremos fazer algo pela Bundeswehr, e isso ficou ainda mais claro depois da última sexta-feira, após os eventos na Casa Branca. Mas ainda não chegamos a um acordo”, declarou. Também desmentiu que a data de 10 de março para uma votação no Bundestag já tenha sido acertada entre os partidos.

Garantir a própria segurança

A pressão para se chegar a um acerto é maior do que nunca. Os social-democratas cancelaram todos os seus compromissos para a primeira semana de março e querem se concentrar inteiramente nas negociações para formar um novo governo.

Nesta quarta-feira, Scholz receberá Merz na Chancelaria Federal para debater os próximos passo, incluindo uma solução para a questão mais importante do momento: como a Alemanha poderá garantir sua própria defesa, o que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, tem sido feito principalmente pelos EUA.