Após um ano de 2024 com déficit de R$ 3,2 bilhões – metade do rombo das estatais no ano em questão – os Correios querem dar a volta por cima e mira novas fontes de receita para modernizar a empresa e fechar já em 2025 no azul.

Em entrevista ao Dinheiro Entrevista, Fabiano Silva dos Santos, presidente dos Correios, atribui a crise financeira da estatal ao “sucateamento” promovido pelos governos anteriores, lista os projetos em discussão para os Correios atuar em novas frentes e ser menos dependente das encomendas das varejistas estrangeiras e fala também em ‘fazer o dever de casa’ e cortar gastos.

No âmbito dos cortes de gastos, Santos não especificou cifras nem acenou para cortes mais intensos, mas citou vendas de agências pouco utilizadas mas com grande valor e otimização de custos de processos internos.

+Rombo bilionário dos Correios representa 50% do déficit de estatais em 2024

“Estamos apostando que a empresa terá uma retomada grande. Essa apresentação de novos produtos, de novas fontes de receita, será algo muito importante. Falo do segmento de conectividade, de celular, de markeplace, banco digital ou meios de pagamento, que iremos implementar neste ano. Os estudos estão avançados nesse sentido”, afirma o presidente dos Correios.

A empresa já anunciou que pretende lançar seu próprio marketplace ainda no primeiro semestre de 2025. Segundo o executivo, os produtos anunciados na plataforma de comércio eletrônico dos Correios terão entregas feitas exclusivamente pela estatal. Com isso, os Correios serão remunerados não com uma comissão nas vendas como também pela entrega.

Apesar da necessidade de encontrar novas fontes de receita para garantir o futuro dos Correios, Santos relata que o maior segmento dentro da estatal ‘vai seguir sendo o de encomendas, sem dúvida alguma’.

Como exemplo, cita que a empresa venceu uma licitação do Governo de São Paulo para fazer a logística de todos os insumos da rede pública de ensino, fazendo com que a empresa entregue todos os materiais nas delegacias de ensino do Estado de São Paulo.

A mudança vem após a Lei 14.744, – regulamentada via decreto em 2024, que estabelece que órgãos e entidades da administração pública federal devem dar preferência à contratação dos serviços dos Correios para atividades postais não exclusivas.

“Certamente o segmento de logística está crescendo muito, estamos apostando muito nisso. Nesse ano [2025] teremos recorde da participação dos Correios no segmento de logística, estamos com vários negócios em vias de serem fechados”, diz.

Risco de insolvência

Questionado sobre um risco de insolvência, Santos disse a preocupação, mas destaca que é esse é o grande desafio da sua gestão.

“Também não dá para olhar e falar, ‘olha, não tem risco’ [de insolvência]. Claro que tem. Mas os Correios precisam ser uma empresa sustentável, o nosso trabalho é esse, não é entregar déficit. Esse trabalho de reestruturação que por vezes é difícil, mas não tenho dúvida que nesse ano sairemos dessa situação e iremos entregar um ‘outro Correios'”, afirma.

Segundo os dados do Ministério da Gestão e Inovação (MGI), no acumulado de 2024 o prejuízo dos Correios foi de R$ 2,13 bilhões, que somado aos mais de R$ 830 milhões de investimentos, acarretou em um déficit de R$ 3,2 bilhões.

“Nós nunca trabalhamos para apresentar déficit. Estamos trabalhando para trabalhar um resultado positivo, e nosso compromisso é chegar ao fim do ano com um resultado positivo”, diz.

O presidente dos Correios atribui o ano de 2024 caótico ao sucateamento dos governos anteriores. Como exemplo, mencionou um pagamento de R$ 1,3 bilhão em precatórios que fora realizado no ano anterior.

“Esse precatórios foram direitos trabalhistas que foram retirados e que agora a conta sobrou para pagarmos”, conta.

Impacto da ‘taxa das blusinhas’

Santos também cita uma ‘frustração muito grande’ no segmento de encomendas internacionais em razão da entrada em vigor da “taxa das blusinhas”. Atualmente os Correios trabalham como varejistas estrangeiras – como Shein, Shopee e AliExpress – e desde a regulamentação das entregas desse ramo, a movimentação caiu, afetando então essa linha de receita da estatal.

Apesar disso, Fabiano não é crítico às medidas do governo que provocaram a queda no número de encomendas internacionais.

“É importante destacar que a empresa surfou o boom do e-commerce na época da pandemia, com resultados muito bons, mas não se preparou para um salto de qualidade, não se preparou para o futuro. Isso explica as dificuldades que a empresa passa. Ficamos concentrados somente em quatro grandes clientes internacionais. Isso para nós é muito ruim, qualquer movimento gera um grande impacto para nós”, conta.

O presidente cita também que a linha de custos do balanço financeiro da empresa é polpudo e é um obstáculo para entregar superávits.

“Para ter agência em todas as cidade do Brasil o custo é de R$ 5,5 bilhões. A União não coloca um centavo nos Correios. Nós sustentamos essa operação.”

‘Vale-peru foi para compensar reajuste que não demos’

Sobre a polêmica do vale-peru, do fim de 2024, Santos defendeu o pagamento aos funcionários da estatal – ainda que com o rombo bilionário na empresa.

A estatal, ao fim de 2024, gastou aproximadamente R$ 200 milhões para pagar um benefício de fim de ano de R$ 2.500 para cada um dos seus 84,7 mil funcionários. A notícia gerou repercussão negativa na imprensa, por conta da situação financeira da estatal.

O presidente, todavia, defende que o incremento no benefício de refeição foi para compensar um reajuste salarial que não foi feito no ano.

“Essa questão do vale-peru foi algo mal colocado. A questão ganhou um corpo, mas não condiz com a realidade. Todo mundo sabe que as empresas dão um vale, um tíquete extra, que é para não dar o aumento real, às vezes na folha, que teria um impacto muito maior”, explica.

“Esse foi um acordo feito com os trabalhadores que impactou muito menos a empresa do que se eu tivesse dado um reajuste [salarial] em agosto. A data–base deles [trabalhadores] é em agosto e o reajuste só foi feito em janeiro, então para compensar demos esse incremento no vale-alimentação”, completa.

O vale-peru dos Correios fez parte de convenções trabalhistas dos Correios de 2005 até 2020, quando foi excluído durante o governo Bolsonaro.

Fabiano diz ter ‘uma relação de respeito’ com o sindicato’, e que ‘eles não eram atendidos’ sob Bolsonaro, além de terem perdido 50 itens de um acordo coletivo.

“Eles não eram atendidos na gestão anterior. Eles não conseguiam nem marcar reuniões.”

Correios negociam empréstimo bilionário

Santos também relatou que a empresa deve investir pesado em tecnologia e ESG com cifras bilionários que pretende captar junto ao Banco dos Brics, comandado pela ex-presidente Dilma Roussef desde 2023.

Em meados de março de 2024 a Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex) do Ministério do Planejamento autorizou a preparação de novos programas bancados por empréstimos com bancos internacionais, incluindo R$ 3,8 bilhões para a estatal no âmbito do Programa de Modernização e Transformação Ecológica dos Correios.

“Temos uma previsão de investimentos com cifras muito significativas, de um empréstimo internacional do Banco dos Brics. Isso é justamente para investirmos mais em tecnologia e o objetivo disso é entregar um serviço público de qualidade. É um empréstimo ainda em trâmite, ainda não conseguimos a finalização dele, mas é algo que pode mudar totalmente os rumos da empresa.”

O executivo relatou que uma delegação da China esteve no Brasil por 15 dias para conhecer a empresa e as unidades da estatal.

“Esse financiamento é fundamental, e vem na tônica da sustentabilidade. Temos 24 mil veículos na rua diariamente, estimamos que damos 20 voltas na terra ao dia com a quilometragem que rodamos. É importante que sejamos ciosos da responsabilidade com o meio ambiente, então o objetivo é que invistamos em ações de sustentabilidade, então parte da nossa frota de veículo deve se tornar elétrica ou híbrida, para reduzirmos nossa emissão de poluentes”, relatou o presidente dos Correios.

‘Não sou churrasqueiro de Lula’

Quando fora nomeado pelo Planalto para presidir os Correios, Fabiano Silva dos Santos foi citado, por algumas vezes, como ‘churrasqueiro do Lula’.

Apesar disso, o executivo e jurista nega o apelido e diz que alcunhas costumam ser tentativas de tentar diminuir o trabalho ou pessoas.

“Desconheço [o apelido]. Eu até gostaria de fazer churrasco para o presidente. Meu filho diz que sou um ótimo churrasqueiro, mas desconheço isso”, diz.

Santos relata que tem proximidade com o partido do atual Presidente da República, afirmando que ‘frequenta o diretório do PT desde os 5 anos’ e é “fã” do político.

Sua proximidade com Lula foi estreitada na época da Operação Lava Jato em razão da sua atuação junto ao grupo Prerrogativas. O coletivo de advogados, juristas, professores de direito que ganhou notoriedade na época da operação Lava Jato, se posicionando contra o que considera abusos de autoridades judiciais e do Ministério Público.