Apesar dos recentes movimentos de grandes empresas de descontinuar ou reduzir seus programas de diversidade e inclusão (DEI), a advogada Ana Bavon, CEO da consultoria em Direitos Humanos B4People, diz que ainda é otimista sobre o tema. A consultora avalia que os recuos vistos nos Estados Unidos certamente terão algum impacto, mas os avanços já conquistados nas questões de diversidade no mundo corporativo devem ajudar a frear  retrocessos no Brasil.

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Em entrevista ao site IstoÉ Dinheiro, Ana Bavon avalia que estamos passando por momento de “backlash”, ou seja, uma reação negativa ou retaliatória aos avanços nas questões de diversidade, o que é natural.

“Quanto mais a gente avança tem uma força contrária também que fica pedindo pelo retrocesso pela manutenção do status quo“, diz a consultora.

“Estamos falando de responsabilidade social das empresas. Então, por exemplo, no Brasil, vem desde a Constituição Federal de 88”, lembra ela.

Efeito Trump provoca recuos nos EUA

Empresas como Walmart, McDonald´s, Starbucks, Meta, Amazon, Ford, Google, e universidades, e até mesmo o Federal Reserve (o banco central americano) aos poucos estão anunciando o fim ou uma desaceleração em seus programas de promoção da diversidade, igualdade e inclusão.

A eleição de Donald Trump foi um forte impulsionador desse movimento, uma vez que o novo presidente dos Estados Unidos e figuras-chave de seu governo são abertamente contra esse tipo de agenda, o que deu força a grupos conservadores que intensificaram a pressão para que as companhias abandonassem a chamada “agenda woke”, termo utilizado para criticar pautas progressistas e de diversidade e inclusão, como LGBTQIA+, racismo,  ou feminismo.

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Os grupos também se respaldam em uma decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos do ano passado que encerrou políticas de ações afirmativas para admissões em universidades.

Os trumpistas – incluindo o bilionário e um dos novos funcionários do governo Elon Musk – estão engajados na substituição das ações de DEI para o que eles chamam de MEI, sigla em inglês para Mérito, Excelência e Inteligência.

Diversidade como ‘valor de negócio’

Bavon se diz otimista e acredita que o movimento conservador deve encontrar resistências no Brasil até mesmo no mercado financeiro, “que se regulamentou e vem olhando para a questão da diversidade, de inclusão, como imperativo de negócio, como um valor de negócio”. Com isso, diz, não temos apenas uma questão cultural, mas regulatória e de responsabilidade social.

“O Brasil tem um arcabouço jurídico forte para dar para as empresas a tranquilidade de continuar investindo nessa agenda”

“Estamos falando de uma agenda que ela é multifatorial e, portanto, é uma agenda que carrega a complexidade de várias transversalidades [raça, gênero, identidade sexual etc]. Essa agenda vem por uma pressão social, e chega muito fortemente em busca de uma justiça social conectada com fatores identitários”, acrescenta.

Ela lembra que bolsas de valores nos Estados Unidos, na Europa e, inclusive a B3, a bolsa brasileira, têm relatórios específicos voltados para a questão da diversidade, como um critério para valorização ou desvalorização de alguns papéis.

“O mercado financeiro, ele tem algo regulamentado em relação a essa agenda. Ele não vai dar o passo atrás porque ele já entendeu que existe um impacto positivo. A gente vai sentir isso mercadologicamente, do ponto de vista do negócio, é uma agenda que não tem como retroceder. Os steakholders já perceberam o valor disso. Estamos falando de uma geração de investidores”

Risco de ‘desmonte silencioso’

Bavon admite, porém, que o movimento visto nos EUA pode, sim, ter impacto no Brasil, como um “desmonte silencioso” de áreas de DEI, redução de orçamento para essas iniciativas, ter menos empenho de empresas ou lideranças para esses assuntos.

“Nosso sistema em diversidade, equidade e inclusão ele é bastante avançado. Então, acredito que o Brasil deveria fazer nesse momento é usar essa janela de oportunidade para ser ativo e não mais reativo. E demonstrar como essa agenda ela é lucrativa”

A consultora reforça que não vê o tema retroceder no ambiente corporativo, mas que podemos sentir um momento de “suspensão” das iniciativas. Mas diz ter “tranquilidade” de que as empresas já avançaram e maturaram muito o tema e entenderam seu valor e como conectar isso com seus resultados financeiros.