Décadas atrás, as mulheres na região tinham em média sete filhos. Agora, mal estão tendo bebês suficientes para manter os níveis populacionais. Por que isso ocorre e que impacto pode ter no futuro?No Oriente Médio está ocorrendo o que os especialistas chamam de “revolução silenciosa”. Revolução que não envolve protestos nas ruas nem a derrubada de governos, mas ocorre na privacidade das casas dos habitantes locais e está relacionada às taxas de fertilidade na região. Porque em quase todos os países do Oriente Médio, o número de bebês que uma mulher tem durante a idade fértil caiu drasticamente nas últimas duas ou três décadas.

A taxa de fecundidade – que se refere ao número de bebês que uma mulher tem em média entre 15 e 49 anos de idade – caiu mais da metade no Oriente Médio desde a década de 60. As mulheres da região costumavam ter cerca de sete filhos cada, mas, no início da década de 2010, tinham apenas três.

A queda das taxas de fecundidade é um fenômeno global. Mas, em 2016, os pesquisadores relataram que o Oriente Médio estava passando pelo “maior declínio de fertilidade do mundo nos últimos 30 anos”.

Na última década, esses números continuaram caindo. Conforme demonstrou um estudo publicado em outubro passado na revista Middle East Fertility Society, os países da região tiveram um declínio de fecundidade entre 3,8% e 24,3% entre 2011 e 2021, com as maiores quedas tendo sido registradas na Jordânia, Iraque e Iêmen.

De acordo com as estatísticas do Banco Mundial, em 2023, cinco dos 22 Estados-membros da Liga Árabe registravam uma taxa de fecundidade abaixo de 2,1, o número de bebês por mulher necessário para manter os níveis populacionais, e outros quatro países estavam chegando perto disso. Por exemplo, os Emirados Árabes Unidos têm uma taxa de apenas 1,2 filho por mulher, bem abaixo dos níveis de reposição populacional. Isso é ainda mais baixo do que em algumas nações europeias. Em 2024, a taxa de fecundidade nacional da Alemanha é estimada em 1,38 filho por mulher em idade fértil.

Qual a causa?

Os especialistas levantaram várias hipóteses para explicar por que isso está acontecendo. Elas tendem a se enquadrar em duas categorias interligadas: econômica e política, ou social e cultural.

A primeira inclui coisas como guerra e incerteza política – as pessoas não querem trazer filhos para um mundo inseguro. Mudanças econômicas, incluindo medidas como a remoção de subsídios nacionais no Egito e na Jordânia, inflação ou menos empregos no setor público nos países petrolíferos, fazem com que se torne mais difícil arcar com o custo de um casamento e dos filhos. E a realidade sombria da mudança climática provavelmente também é um fator que ganha importância entre jovens casais no Oriente Médio, uma área que está se aquecendo mais rapidamente do que muitas outras.

As mudanças sociais e culturais incluem a maior disponibilidade e aceitação da contracepção (inclusive por conservadores religiosos) e do divórcio, assim como reformas importantíssimas no status feminino, incluindo o acesso das mulheres à educação e sua entrada na força de trabalho.

Isso provavelmente também envolve a urbanização. Por exemplo, nas áreas rurais da Jordânia e do Egito, a taxa de fertilidade tem sido regularmente o dobro da taxa das grandes cidades. Pode até envolver a mídia social, já que alguns analistas argumentam que o acesso a informações sobre o chamado “estilo de vida ocidental” está mudando a opinião sobre o que é uma família ideal.

Todos esses fatores estão interconectados, dizem especialistas como Marcia Inhorn, professora de antropologia e assuntos internacionais da Universidade de Yale, nos EUA, que pesquisou extensivamente a mudança de atitudes em relação a filhos e casamento na região. Na interseção de ambas as categorias está o que os cientistas sociais estão chamando de waithood (idade de espera), disse ela à DW.

Os costumes de casamento no Oriente Médio geralmente exigem uma transferência de riqueza – por exemplo, no Iraque, isso pode incluir joias de ouro, dinheiro ou uma casa totalmente mobiliada, geralmente paga pelo noivo. “E os jovens simplesmente não têm os recursos econômicos para juntar tudo isso para se casar”, diz Inhorn, então eles optam por esperar.

Há também um grupo crescente de mulheres que estão esperando pelo parceiro certo ou que talvez nunca se casem, continuou ela. “E em toda a região, também houve um declínio no interesse em ter famílias grandes”, acrescentou Inhorn. “Há essa noção de ‘prefiro ter uma família pequena e de alta qualidade, onde eu possa dar aos meus filhos as coisas que eles merecem’ do que uma família de alta quantidade.”

O impacto da queda da fertilidade árabe

“Os seres humanos estão prestes a entrar em uma nova era da história. Chame-a de ‘a era do despovoamento'”, escreveu no final do ano passado Nicholas Eberstadt, economista político do American Enterprise Institute, um think tank com sede em Washington, para a revista Foreign Affairs. “Pela primeira vez desde a Peste Negra nos anos 1300, a população do planeta diminuirá.”

Em geral, os especialistas estão divididos quanto ao impacto de 76% dos países do mundo terem taxas de fecundidade abaixo dos níveis de reposição populacional nas próximas duas décadas e meia.

“O que isso significará para o futuro da humanidade é bastante ambíguo”, escreveram no mês pesquisadores do Fundo Monetário Internacional (FMI). “Por um lado, alguns temem que isso possa prejudicar o progresso econômico, pois haverá menos trabalhadores, cientistas e inovadores… por outro lado, menos crianças e populações menores significarão menos necessidade de gastos com moradia e cuidados infantis, liberando recursos para outros usos”, continuaram os pesquisadores do FMI. “O declínio populacional também pode reduzir as pressões sobre o meio ambiente.”

Uma proporção maior de idosos desafiará “a sustentabilidade das redes de segurança social e das aposentadorias”, argumentam eles. Esse é um problema que pode ser ainda mais acentuado no Oriente Médio, onde os mais jovens realmente cuidam fisicamente dos mais velhos, e casas de repouso para idosos não são comuns.

O desempenho econômico em alguns dos países que estão entrando na “fertilidade de sub-reposição” é fraco, afirma Eberstadt. “Assim, daqui a uma geração, muitas sociedades da região do Oriente Médio – não todas, mas muitas – estarão envelhecendo e talvez até mesmo prestes a encolher, com grandes contingentes de idosos afetados por doenças crônicas”, avalia Eberstadt. “Mas sem o orçamento que os países ocidentais têm para pagar os benefícios de saúde e aposentadoria.”

Sobre se a queda dos níveis de fertilidade é boa ou ruim a longo prazo, em geral, Eberstadt continua cautelosamente otimista. “Comecei a estudar isso há muito tempo, na época em que todos se preocupavam com uma explosão populacional”, explica. “Mas acho que grande parte da histeria sobre isso foi fundamentalmente descabida, porque as pessoas não estavam se reproduzindo como coelhos, elas simplesmente pararam de morrer como moscas. A explosão populacional foi, na verdade, uma explosão de saúde.”

Essa expansão no setor de saúde continua, juntamente com as melhorias na educação e no conhecimento, diz Eberstadt. “E tudo isso vai impulsionar as perspectivas de prosperidade humana em um futuro despovoado. Em um mundo que está encolhendo e envelhecendo, há todos os tipos de ajustes que terão de ser feitos, mas somos uma espécie bastante adaptável”, conclui.