26/08/2025 - 10:47
Familiares das vítimas duvidam do arrependimento de Beate Zschäpe, única sobrevivente de um grupo neonazista e condenada à prisão perpétua por assassinatos de pessoas com origem estrangeira.Em 2018, a alemã Beate Zschäpe foi condenada pelo Tribunal Regional Superior de Munique à prisão perpétua por sua participação na organização terrorista de extrema direita Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU, na sigla em alemão), responsável pela morte de dez pessoas, com a corte determinando um grau de culpa particularmente severo.
Agora, mesmo pouco tendo colaborado durante o julgamento para esclarecer a série de assassinatos, Zschäpe foi aceita no programa Exit de reabilitação criminal para quem deseja deixar grupos extremistas e que oferece aconselhamento e assistência para a reintegração à sociedade.
“Ouvi a notícia com uma mistura de descrença e choque”, disse Michalina Boulgarides à DW. Ela é filha de Theodoros Boulgarides, que foi assassinado pela NSU em Munique em 2005. Ele é um dos nove homens com raízes estrangeiras que foram mortos pelo grupo neonazista entre 2000 e 2007. A décima vítima é uma policial.
A ombudswoman do governo alemão para as vítimas da NSU, Barbara John, suspeita que Zschäpe quer participar do programa apenas para aumentar as chances de sair da prisão.
A NSU cometeu assassinatos, atentados a bomba e assaltos a bancos em vários estados alemães entre 2000 e 2007. Todos os mortos pelo grupo, exceto a policial, tinham raízes estrangeiras. Zschäpe é a única sobrevivente do grupo, que incluía ainda os seus cúmplices Uwe Mundlos e Uwe Böhnhardt.
Inversão entre agressores e vítimas
Para Michalina Boulgarides, que soube da notícia pela mídia, o acordo feito por Zschäpe é um tapa na cara de todos os familiares das vítimas.
Juntamente com outros familiares de vítimas, ela lançou uma petição na plataforma online Campact e escreveu uma carta ao governo alemão. Eles reivindicam a remoção imediata de Zschäpe do programa de reabilitação, bem como apoio jurídico e financeiro para os afetados por meio de pensões permanentes e adequadas.
“Passamos por muita coisa nos últimos 20 anos, e é sempre a mesma coisa. O terrível é que, mais uma vez, percebemos que o aparato governamental não aprende nada, o que vale também para a maneira como ele lida com os afetados”, diz Michalina Boulgarides. “Eu jamais conheci a proteção às vítimas.”
Durante anos, as investigações policiais se concentraram quase exclusivamente nas famílias das vítimas assassinadas. Tanto os mortos como familiares deles eram suspeitos de terem ligações com a máfia ou o tráfico de drogas. A hipótese de assassinatos com motivações extremistas de direita praticamente não foi investigada.
Agora, a inclusão de Zschäpe num programa de reabilitação é mais um sinal da inversão de tratamento entre agressores e vítimas: a terrorista assassina condenada, diz Michalina Boulgarides, está sendo apoiada em sua reintegração, enquanto as vítimas dela são deixadas para trás.
“Se ela tivesse falado durante o julgamento ou durante o período em que esteve presa, talvez até se desculpado, os afetados estariam reagindo de outra maneira. Mas ela diz que está se afastando da cena de extrema direita, embora tenha comprovadamente mantido contato com ela durante seu tempo na prisão. Isso não faz sentido para nós e não é crível”, diz.
Um porta-voz do programa de reabilitação disse ao jornal Frankfurter Rundschau que, como regra geral, não são feitos comentários sobre os participantes, mas ele ressalvou que a admissão exige uma reflexão séria, por parte do participante, sobre os crimes cometidos e suas motivações.
Em novembro de 2026, após 15 anos de prisão (incluindo o tempo na prisão preventiva), o Tribunal Regional Superior de Munique decidirá sobre a sentença final para Zschäpe, que atualmente cumpre pena na penitenciária de Chemnitz.
Michaelina Boulgarides suspeita que Zschäpe esteja participando do programa de olho numa redução da sua pena, mas sem real arrependimento dos crimes cometidos. “Ela está fazendo isso para encurtar sua pena, não consigo ver de outra forma. Se alguém está realmente arrependido e diz que sente remorso, as coisas são diferentes. Acredito nesses programas de saída e acho bom que eles existam.”
Arrependimento é essencial
Existem muitos programas de reabilitação na Alemanha, tanto estatais quanto da sociedade civil. O Exit, criado em 2000, foi o primeiro e, por muitos anos, o único da sociedade civil.
Desde 2018, o Centro de Competência Contra o Extremismo (Konex), do Departamento Estadual de Investigações Criminais do estado de Baden-Württemberg, oferece programas de reabilitação voltados para o extremismo de direita, o extremismo de esquerda, o terrorismo islamista, o extremismo contra estrangeiros e recentemente também um para os chamados cidadãos do Reich, que não reconhecem a existência da República Federal da Alemanha.
“Para uma saída bem-sucedida, a vontade e a disposição de sair são essenciais – ou seja, a motivação de realmente querer sair. E isso depende do quanto uma pessoa continua firme, radicalizada e inserida na cena extremista”, diz o chefe de aconselhamento de saída do Konex, Conrad Klosinski, à DW. “Então temos que avaliar se a motivação é genuína ou se a intenção é apenas obter uma redução da pena.”
Em sete anos, o Konex lidou com mais de mil casos, desde meras consultas telefônicas até casos que se arrastaram por vários anos. Embora o extremismo de direita esteja em leve declínio, a proporção de jovens envolvidos aumentou significativamente. A radicalização está ocorrendo principalmente online, em grupos de chat e em redes sociais como o TikTok, com códigos e símbolos em constante mudança.
“O mais importante é construir uma confiança mútua para podermos avaliar o que a pessoa quer de nós, se o arrependimento é sério e o que podemos oferecer a ela”, diz Klosinski. “Nosso objetivo mínimo é que a pessoa não volte a cometer crimes com motivação política. E, claro, ainda melhor seria, e é isso que buscamos, que ela se distancie verdadeiramente e de forma permanente, se desradicalize, se reoriente ideologicamente e, idealmente, se mantenha firme nos princípios da ordem fundamental liberal democrática.”