08/09/2025 - 14:34
Primeira eleição no país desde a queda do regime de Assad excluirá três áreas dominadas por minorias. Será possível restaurar a confiança no novo governo sem os votos da maioria dos drusos e curdos?As próximas eleições parlamentares na Síria excluirão três regiões dominadas por minorias devido a preocupações com a segurança e à ausência de controle central, disse recentemente Hassan al-Daghim, porta-voz do Comitê Eleitoral Superior com sede em Damasco, à agência de notícias nacional da Síria, Sana.
Daghim explicou que as eleições na província de Sueida, de maioria drusa, assim como nas regiões dominadas pelos curdos de Hassakeh e Raqqa, serão adiadas até que “as circunstâncias o permitam”. Por enquanto, disse ele, a eleição – marcada para ocorrer entre segunda-feira e sábado da próxima semana – “só poderá ser realizada em áreas totalmente sob controle do governo”.
No entanto, os assentos parlamentares atribuídos a estas três províncias – onde vivem mais de 5 milhões de pessoas – permanecerão vagos até que as eleições possam ser lá realizadas, acrescentou.
Jerome Drevon, analista da ONG International Crisis Group (ICG), disse que “por enquanto, os representantes dessas regiões preferem ficar fora do Estado e, como não reconhecem o governo, não estão ocupando os assentos designados para eles”.
Em entrevista à DW em Damasco, ele disse que, em sua opinião, é provável que o presidente interino, Ahmad al-Sharaa, não redistribua os assentos, mas faça com que a participação deles na votação dependa da decisão de reconhecer o governo de Damasco.
Curdos e drusos rejeitam votação
A Administração Autônoma do Norte e Leste da Síria (AANES), liderada pelos curdos, que tem estado em tensão com Damasco devido à integração das forças curdas no Exército nacional de Damasco e à autoridade sobre a região curda da Síria, considera a exclusão “antidemocrática”.
Em comunicado, a AANES afirmou que “definir nossas regiões como inseguras” visa “justificar a política de negação para mais de 5 milhões de sírios”. A administração curda alertou que “qualquer decisão tomada por meio dessa abordagem de exclusão não nos diz respeito e não a consideraremos vinculativa para os povos e regiões do norte e leste da Síria”.
Na região de Sueida, ao sul, o mais controverso dos três líderes drusos, o xeque Hikmat Salman al-Hijri, respondeu à decisão de Damasco com novos apelos para a criação de uma província drusa independente.
Hijri, que considera o governo de Damasco “extremista”, disse que agora pretende unir as facções armadas locais após a semana de violência sectária em meados de julho.
Embora o atual cessar-fogo em Sueida esteja sendo mantido em sua maior parte, o acesso humanitário ainda está sendo restringido pelas forças lideradas pelo governo, acusação que Damasco nega. Dezenas de milhares de pessoas continuam deslocadas.
Geir Pedersen, o principal enviado da ONU para a Síria, disse ao Conselho de Segurança da ONU na semana passada que a violência pode recomeçar a qualquer momento em Sueida. “Um mês de relativa calma militar esconde um clima político em deterioração”, disse ele em uma coletiva de imprensa por vídeo em 21 de agosto.
“A ameaça de um novo conflito está sempre presente, assim como as forças centrífugas políticas que ameaçam a soberania, a unidade, a independência e a integridade territorial da Síria”, disse Pedersen, acrescentando que há uma necessidade urgente de as forças de segurança sob o governo de transição liderado por Sharaa demonstrarem que estão agindo para proteger todos os sírios.
Desde a destituição em dezembro passado do ditador Bashar al-Assad e a autoproclamação, como líder interino, de Sharaa, ex-líder do grupo rebelde islâmico Hayat Tahrir al Sham (HTS), o presidente tem rejeitado consistentemente qualquer forma de governo descentralizado ou a divisão do país. Sharaa também prometeu repetidamente respeitar os direitos das minorias e formar um governo inclusivo que reflita a diversidade étnica e religiosa da Síria.
Metade da população continua deslocada
No entanto, em março, Sharaa ratificou uma declaração constitucional que lhe concedia o poder de nomear um terço dos 210 membros da assembleia. Os dois terços restantes serão selecionados por órgãos eleitorais supervisionados por um Comitê Supremo de 11 membros – que também foi nomeado por Sharaa.
O Comitê Supremo é responsável por formar subcomitês em cada uma das 14 províncias da Síria. Esses subcomitês selecionarão órgãos eleitorais de 30 a 50 indivíduos que votarão nos candidatos registrados. Como resultado, a primeira eleição parlamentar da Síria desde que a ofensiva islâmica liderada pelo Hayat Tahrir al-Sham derrubou o regime de Assad será totalmente indireta.
A especialista em Oriente Médio Birgit Schaebler, professora da Universidade de Erfurt, na Alemanha, disse à DW no início de agosto que eleições diretas seriam irrealistas neste momento, dada a infraestrutura e a logística gravemente danificadas por 14 anos de guerra civil.
De acordo com um relatório recente da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), entre 7 e 7,4 milhões de pessoas continuam deslocadas internamente, e cerca de 6,2 milhões de refugiados sírios ainda vivem no exterior – aproximadamente metade da população total da Síria.
Legitimidade “bastante questionável”
“A legitimidade das eleições parlamentares é bastante questionável de qualquer forma, e a retirada de grupos importantes enfraquece ainda mais a legitimidade de todo o processo”, disse Bente Scheller, que chefia a divisão do Oriente Médio e Norte da África da Fundação Heinrich Böll, em Berlim.
“O anúncio de excluir três regiões dominadas por minorias da participação nas eleições parlamentares, assim como a resposta delas de se absterem completamente, enfraquece Sharaa e lança ainda mais uma sombra sobre sua presidência.”