Com manobra da oposição para salvar o mandato do deputado barrada na Câmara, há duas frentes para a cassação: pelas faltas ou por uma ação no Conselho de Ética, por atentar contra a soberania do país.A tentativa de Eduardo Bolsonaro de salvar o seu mandato na Câmara dos Deputados não foi para frente. O presidente da casa, Hugo Motta, barrou nesta terça-feira (23/09) a indicação do deputado como líder da minoria – função que poderia, em tese, exercer dos Estados Unidos, onde está em intensa campanha política desde fevereiro.

Ele e o influenciador Eduardo Figueiredo são acusados pela Procuradoria-Geral da República de articular ações no país de Donald Trump com o objetivo de pressionar magistrados a interferir no andamento do processo de tentativa de golpe de Estado. De lá, tem dito que será candidato à Presidência da República em 2026, com ou sem o apoio do pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado por liderar a trama golpista.

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou que os dois buscaram “instaurar clima de instabilidade e de temor, projetando sobre as autoridades brasileiras a perspectiva de represálias estrangeiras e sobre a população o espectro de um país isolado e escarnecido”.

O deputado passou boa parte de sua temporada americana de licença do mandato, sob a alegação de ser um exilado político, mas a licença acabou em junho. Desde agosto, com a retomada das sessões, sua ausência passou a ser contabilizada – ele já tem 23 faltas não justificadas registradas até esta terça, o dobro do número de sessões em que esteve presente, segundo levantamento do jornal O Globo.

A Constituição Federal determina que deputados e senadores podem perder o mandato se deixarem de comparecer a um terço das sessões ordinárias deliberativas de cada ano legislativo. As exceções são para licença ou missão autorizada. A manobra frustrada da oposição se valia da flexibilização da contagem de faltas para os líderes no Congresso, que podem alegar “missão autorizada” no exterior.

Além das faltas, Eduardo também corre o risco de perder o seu mandato por ser alvo de processo no Conselho de Ética da Câmara. Uma das representações apresentadas contra ele, pelo PT, foi instaurada nesta terça no colegiado. O partido acusa Eduardo de atuar nos Estados Unidos contra a soberania do Brasil.

Por que um deputado pode ser cassado?

Há várias situações que levam à perda de mandato de deputado ou senador.

Um congressista não pode:

Firmar ou manter contrato com empresa que tenha relação com o poder público;
Aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado em empresas públicas, autarquias ou sociedades de economia mista;
Agir de forma incompatível com o decoro parlamentar (em casos de corrupção, ofensas graves, irregularidades éticas, por exemplo);
Se ausentar sem justificatica em mais de um terço das sessões;
Ser condenado em ação por improbidade administrativa ou por crime que acarrete suspensão dos direitos políticos, em decisão definitiva.

Como acontece a cassação?

Segundo a Constituição, a perda de mandato deve ser declarada pela Mesa Diretora da Casa, mediante provocação dos próprios parlamentares ou de partidos políticos representados no Congresso Nacional.

No caso das ausências acumuladas de Eduardo neste ano, uma decisão da mesa só deve ocorrer em março de 2026.

Já o processo no Conselho de Ética pode ter um andamento mais rápido. De acordo com o regimento do colegiado da Câmara, o processo todo deve demorar cerca de dois meses.

Agora que a representação está protocolada, o presidente do conselho irá escolher um relator para elaborar um parecer, que pode indicar a necessidade de cassação ou de uma pena mais branda.

Após o relatório, a defesa terá um prazo de dez dias para se manifestar, indicar provas e testemunhas.

Depois, o relator, se entender que é o caso de perda de mandato, terá um prazo de até 40 dias úteis para reunir provas e informar a mesa diretora sobre a decisão.

A mesa tem prazo de duas sessões para incluir o pedido de cassação na pauta de votações. O voto para cassar ou não o congressista em plenário é secreto, e a decisão é por maioria absoluta (de 257 deputados).

Caso de Chiquinho Brazão

Em abril deste ano, o ex-deputado Chiquinho Brazão foi cassado pela Mesa Diretora da Câmara por excesso de ausências não justificadas, por ele ter ficado mais de um ano preso preventivamente, sob a acusação de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018.

Ao todo, foram registradas 72 faltas às sessões plenárias. Atualmente, ele aguarda o julgamento do caso em prisão domiciliar.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, negou um mandado de segurança apresentado pela defesa e manteve a cassação do mandato do ex-deputado.

Dino destacou que o Regimento Interno da Câmara não prevê, entre as hipóteses de licença do mandato, as prisões preventivas, motivo pelo qual não poderia reverter a decisão da Mesa Diretora. O ministro disse que o ato é também compatível com o artigo 55 da Constituição, que prevê a perda de mandato para o parlamentar que faltar a um terço das sessões ordinárias.

O primeiro deputado cassado

A primeira cassação de mandato no país aconteceu em 1949, em um caso de falta de decoro que ficou célebre. Edmundo Barreto Pinto (1900 – 1972) foi eleito deputado pelo PTB no Rio de Janeiro e cassado anos depois por uma foto sua de cueca.

Em 1946, ele se deixou fotografar para uma reportagem na revista O Cruzeiro, muito popular na época. Em sua casa, o parlamentar posou em pé, de fraque e cueca samba-canção.

Em 27 de maio de 1949, em sessão secreta da Câmara dos Deputados, ele foi cassado, sob a justificativa de ter ofendido o decoro.

sf/md (Agência Brasil, Câmara dos Deputados, ots)