04/02/2004 - 8:00
O cineasta Fernando Meirelles estava no meio de uma reunião com um ator em Londres quando foi surpreendido pela notícia de que seu filme, Cidade de Deus, fora indicado ao Oscar em nada menos que quatro categorias: direção, roteiro adaptado, montagem e fotografia. Meirelles deixou o escritório e foi comprar uma garrafa de champanhe para comemorar. É a primeira vez que uma produção 100% brasileira recebe quatro indicações ao Oscar, concorrendo em categorias importantes com filmes como O Senhor dos Anéis e Sobre Meninos e Lobos, de Clint Eastwood. Embora Cidade de Deus viesse fazendo uma carreira espetacular no exterior ? recebeu dezenas de prêmios e faturou cerca de US$ 20 milhões em bilheteria ?, nenhuma honraria poderia causar tanto impacto financeiro como uma indicação ao Oscar. O filme já estava esgotado comercialmente. Mas agora, para o bem da conta bancária de Meirelles e de sua produtora O2 Filmes, começou tudo outra vez.
Cidade de Deus voltará a ser exibido no mundo inteiro (40 salas só no Brasil). A procura pelo DVD, pela trilha musical e pelo livro com o roteiro, alguns dos subprodutos do filme, também cresce. ?Nos próximos 30 dias esperamos vender 10 mil DVDs a mais no Brasil?, diz Márcio Fraccaroli, diretor da Imagem Filmes, distribuidora exclusiva do produto no País. ?Poucas horas depois do anúncio já havíamos recebido mais de 200 pe-
didos de grandes varejistas como Americanas, Fnac e Saraiva.? Em Nova York, as locadoras aguardam, ansiosas, pelas cópias em DVD. Há quem garanta que Cidade de Deus será o filme estrangeiro mais alugado do ano na capital mundial do consumo. Na sexta-feira 30, o longa-metragem voltou a ser exibido no Angelika Film Centre, onde ele já era um recordista de tempo em cartaz: sete meses consecutivos.
Existe um estudo americano que mede quanto vale uma indicação ao Oscar. Estar entre os melhores filmes rende cerca de US$ 7,8 milhões de bilheteria adicional nos Estados Unidos. Quanto menor tiver sido o público no cinema antes de uma indicação, maiores são as chances de lucro. E num filme de baixo orçamento como Cidade de Deus, que custou US$ 3 milhões (70% bancados pelo próprio Meirelles), qualquer arrecadação extra faz uma boa diferença. A carreira do diretor, no entanto, é o que menos muda no curto prazo. Ele está comprometido com outras produções pelos próximos três anos. A primeira é O Jardineiro Fiel, do estúdio Focus, o braço alternativo da Universal. Trata-se de uma produção barata, de US$ 25 milhões. Isso se Nicole Kidman não for mesmo convidada para o papel principal. O passe de Meirelles anda tão valorizado que ele já recebeu 60 propostas para filmar, incluindo uma de Steven Spielberg. Mas o cineasta brasileiro recusou o convite. ?Ele não teria tanto poder de decisão?, justifica Andrea Barata Ribeiro, sócia de Meirelles na O2 Filmes.
A produtora já era uma das maiores no País. Só em publicidade, ela faz 400 filmes por ano, cada um com orçamento que pode chegar a R$ 800 mil. Sem falar na série Cidade dos Homens, derivada do longa, que está indo para o seu terceiro ano na Rede Globo, com audiência média de 33 pontos no Ibope. A Globo compra os episódios prontos da O2. Mas são as indicações ao Oscar que certamente facilitarão a carreira internacional da produtora, que já usa Cidade de Deus como chancela para conseguir trabalhos no exterior. ?Acabamos de fechar seis contratos com clientes estrangeiros?, conta Andrea, sem especificar quais. ?As indicações técnicas (montagem e fotografia) provam a qualidade do nosso produto. Elas quebram aquela imagem de cinema vira-lata?, afirma o crítico de cinema Rubens Ewald Filho. Nessa hora, simplesmente estar ao lado de Meirelles pode ser um grande negócio. Um diretor da O2, por exemplo, está pulando de alegria porque, em apenas dois dias, conseguiu metade do finan-
ciamento para o seu próximo filme. Justamente nos dois dias que
se seguiram à boa nova vinda de Los Angeles.
O CINEMA COMO ITEM DE EXPORTAÇÃO
MEIRELLES COM A CO-DIRETORA KÁTIA LUND:
?não? para Nicole Kidman
Tempo se tornou um artigo raro na vida de Fernando Meirelles desde que se meteu a fazer Cidade de Deus. Primeiro foi a própria produção do filme. Depois, festivais na Europa, reuniões nos Estados Unidos, preparativos para filmar no Quênia. A situação ?piorou? desde a manhã de terça-feira 27, quando saiu a lista dos indicados ao Oscar de 2004. No dia seguinte, entre um compromisso e outro, Meirelles parou um pouco para dar a seguinte entrevista à DINHEIRO.
Qual o impacto da indicação ao Oscar na sua carreira? E para o cinema nacional, o que ela representa?
Teoricamente, valoriza o meu passe internacional. Para o País, ajuda a conseguir financiamento internacional para outros diretores brasileiros. A O2 Filmes tem dois projetos nesta situação. ?Não por acaso?, de Philippe Barcinsky, conseguiu metade do financiamento em dois dias em Roterdã. O governo brasileiro tem que começar a ver o cinema como um item de exportação. A África do Sul e a Polônia exportam neste ramo algo em torno de meio bilhão de dólares por ano. Grande parte dos filmes americanos e europeus são filmados nesses dois países.
A distribuidora Miramax é a grande responsável por tantas indicações?
Ela fez campanha para outros 12 filmes, e Cidade de Deus foi que teve o maior número de nomeações. Mas é a performance do filme diante do público e da crítica que tem grande responsabilidade sobre esse resultado.
Sua rotina profissional mudou muito depois do filme?
Está infernal. Na verdade, deixou de existir completamente.
Vivo em aeroportos. Isso é ruim. Sou um camarada que adora chegar cedo em casa e encontrar a família.
Você continua morando em São Paulo?
Sim, quando estou por lá…
Por que você não quer Nicole Kidman no seu próximo filme, O Jardineiro Fiel?
Adoraria filmar com esta extraordinária atriz, mas meu personagem tem 22 anos e não acredito que ela possa parecer tão jovem, apesar de estar em excelente forma.
Você já tem algum outro projeto engatilhado?
Muitos, mas não vou contar.