Próxima de concretizar sua virada financeira, a fabricante de equipamentos militares Avibras está às voltas com um novo problema: uma briga com acionistas minoritários. Do outro lado do fogo amigo está um grupo de oito sócios, que inclui um fundador da empresa, que contesta na Justiça a conversão de uma dívida em capital. Com essa operação, a participação do controlador, João Brasil Carvalho Leite, subiu para 94%. Fundada em 1961 por um grupo de engenheiros do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, a companhia enfrentou anos de dificuldades financeiras. Inicialmente criada para produzir aviões de treinamento para a Força Aérea Brasileira, entrou na produção de foguetes e mísseis no início da década de 1970. 

 

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Olympio Sambatti, acionista minoritário: ”O valor da empresa é muito maior

que os R$ 29 milhões apontados pelo laudo”

 

Começou a exportar durante o conflito entre Irã e Iraque, no início dos anos 1980. Do final desta década data a primeira concordata da Avibras. O fundador João Verdi Carvalho Leite, pai do atual acionista majoritário, conseguiu recuperar a companhia durante a Guerra do Golfo, no início da década de 90. Na crise de 2008, mesmo ano em que João Verdi morreu num acidente de helicóptero, a Avibras pediu recuperação judicial. Sem crédito na praça, a companhia precisava de garantias bancárias para concluir um contrato de exportação de R$ 500 milhões em sistemas de defesa Astro II (lançadores de foguetes) para o governo da Malásia. 

 

O presidente Sami Hassuani, funcionário de carreira da Avibras empossado pelo herdeiro, conseguiu a garantia do Banco do Brasil e a receita do contrato ajudou a Avibrás a sair relativamente rápido da administração judicial. Em dezembro de 2010, depois de pagar as dívidas bancárias e trabalhistas, acertou com o Tesouro Nacional a conversão de parte do passivo fiscal em ações. Até então, os minoritários comemoravam a recuperação da empresa e a expectativa de lucros. O faturamento da Avibrás deve chegar a R$ 180 milhões neste ano e superar os R$ 300 milhões no próximo. Mas a situação mudou numa assembleia de acionistas em abril, convocada para aprovar a conversão em ações de dívidas de R$ 155 milhões que a Avibras tinha com o controlador e duas companhias de sua propriedade, a Avibras International e a CL. 

 

Pelo laudo de avaliação apresentado pela companhia, a Avibras valia R$ 29 milhões. E a conversão das dívidas daria à Avibras International o controle da empresa, com 54%. Somando as participações diretas e indiretas, João Brasil passou a ter 94% da companhia. Liderados por Olympio Sambatti, colega de faculdade de João Verdi e co-fundador da Avibrás, oito minoritários contrataram o escritório Viseu Advogados para contestar a decisão. A fatia detida pelo grupo caiu de 12% para cerca de 6%. “Houve abuso de controle, o sócio majoritário votou a seu próprio favor”, afirma o advogado Ecio Perin. Os minoritários tentaram liminar na Justiça para suspender a diluição acionária, mas não conseguiram. 

 

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Sami Hassuani, presidente: “Ninguém queria colocar dinheiro na empresa

quando ela estava endividada”

 

Agora, recorrem ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Eles alegam não ter sido informados das condições dos empréstimos feitos pelo controlador à Avibras. O presidente Hassuani diz que todos os empréstimos foram aprovados em assembleia de acionistas. E que a conversão das dívidas era a melhor solução porque evita o acúmulo de juros e evita desembolso de caixa para pagar impostos. Depois da conversão, a Avibras International ofereceu as ações a todos os acionistas, nas mesmas condições pelas quais entrou (ou seja, pagando R$ 2,96 por ação). “Só o controlador participou do aumento de capital”, afirma o executivo. Cinquenta anos depois da fundação da Avibras, o legalês do processo judicial pouco revela da história dos engenheiros que a criaram e foram próximos por décadas. 

 

A maior parte dos minoritários é de filhos de fundadores, que estariam hoje perto dos 80 anos. O único sobrevivente do grupo é Olympio Sambatti, compadre de João Verdi, que deixou a companhia em 1972. Mesmo depois de sair da empresa por divergências, Sambatti e a família continuaram próximos dos Carvalho Leite. Entre trabalhos em empresas de construção, aeronáutica e, foguetes, Sambatti colaborou em alguns projetos da Avibras. Sambatti resiste a falar da disputa atual, mas seu argumento principal é que o valor atribuído à empresa no momento da conversão da dívida, de R$ 29 milhões, é muito baixo. Ele lembra que, em 2006, o patrimônio da empresa foi elevado para mais de R$ 1 bilhão, incorporando o valor da tecnologia da companhia. 

 

“Está errado avaliar a companhia por tão pouco”, diz. O presidente Hassuani diz que o critério usado no laudo da consultoria Camp considera as receitas futuras da empresa, e que este é o valor atribuído à Avibras pelos técnicos do BNDES, por exemplo. A reclamação da diluição é rebatida pelo presidente. “Pegar a companhia quebrada e cheia de dívidas ninguém queria”, diz. “Agora o balanço da Avibras está limpo.” Mais complexo é o argumento de que a Avibras International, a empresa sediada nas Bahamas que recebeu as ações, é de propriedade apenas da família controladora, e não de todos os acionistas da Avibras. Mesmo assim, é ela que detém o contrato de exportação para a Malásia. “Isso foi feito por condições comerciais do mercado de defesa, que é muito específico”, afirma Hassuani. 

 

A Avibras International também tem outras atividades no Exterior, diz. Enquanto corre a ação judicial, a Avibras está finalmente emergindo das dificuldades. Ainda negocia o percentual que o governo federal terá na empresa. A companhia está ampliando a parceria que já tem com a europeia MBDA na fabricação de motores para a construção de mísseis que equiparão helicópteros da Marinha brasileira. O Exército deve comprar R$ 300 milhões em lançadores de mísseis. Além disso, espera fechar um contrato para a venda de aeronaves não tripuladas à Aeronáutica. Carvalho Leite chegou a negociar com grandes empresas investimentos na Avibras, mas nenhuma proposta agradou. Sua aposta é de que a empresa valerá mais em alguns anos. Mas, para isso, terá que passar pela batalha nos tribunais. 

 

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