05/01/2005 - 8:00
Na família do estudante de administração Carlos Henrique Soares Júnior, de 22 anos, o vício é hereditário. Júnior representa a terceira geração de aficionados pelo pregão da Bolsa. ?Investir é pura emoção?, define. Suas primeiras aventuras foram ao lado do avô, o economista Carlos Soares, ainda quando criança. Da época, ele se lembra da burocracia e da trabalheira de mandar a ordem de compra ou de venda dos papéis para a corretora. Os passeios no meio da tarde eram os momentos mais interessantes. Juntos, avô e neto assistiam aos pregões ao vivo na Bolsa do Rio de Janeiro. ?O clima de agitação dos operadores me fascinava?, lembra Júnior, que mais tarde passou a compartilhar da rotina de investidor do pai, Carlos Henrique Soares. O estilo, então, era mais metódico: horas e horas estudando as melhores estratégias de investimentos antes de apostar em um determinado papel. Para investir, já se usava o telefone. Hoje, o estudante conta com um veículo mais versátil para a sua mania de aplicação: a internet. ?Sou privilegiado. Quando comecei a aplicar sozinho já existia o sistema de homebroker (pregão virtual)?, comenta. A situação se inverteu, o neto ensinou pai e avô a usar o computador para fazer os lances e agora os três passam horas a fio plugados à procura do melhor rendimento. Por peculiares que sejam, os Soares não estão sozinhos em seu vício.
É crescente o número de investidores que levam para dentro de casa o pregão e o ritmo frenético de ganhos e perdas com ações. Para o psiquiatra americano Richard Peterson, diretor da Market Psycology Consulting, clínica da Universidade da Califórnia, dois fatores contribuíram para disseminar este perfil de acionista. O primeiro foi a criação do sistema de homebroker. Na Bovespa, as operações pela internet começaram em 2000 e, desde então, ganharam um número crescente de adeptos. Em novembro, eles responderam por 15,58% da quantidade de negócios totais da Bovespa e 5,45% do giro financeiro. As 40 corretoras que oferecem esse tipo de serviço somaram R$ 2,48 bilhões em transações em novembro. Cerca de 28 mil pessoas acompanham o mercado de capitais pela rede. ?A facilidade tecnológica e o clima de euforia envolvem os investidores num atraente ciclo de emoções?, explica Peterson. O segundo fator por trás do comportamento dos fanáticos pelo pregão é justamente a popularização dos investimentos em ação. ?As pessoas já discutem os investimentos no trabalho, em casa e até na praia?, diz o psiquiatra. Na Bovespa, os acionistas pessoa física passaram a ser maioria no pregão, com uma participação de 66% no número de transações efetuadas. Em 2002, a categoria não chegava a 50%.
O movimento, sem dúvida, é positivo, na medida em que democratiza o acesso ao mercado de capitais. Por outro lado, do ponto de vista pessoal, a compra e venda de papéis pode virar um frenesi comparado ao dos cassinos. Depois de grandes perdas, a tendência é tentar recuperar o dinheiro aplicado, muitas vezes ignorando as analises técnicas e apostando na intuição. ?O investidor compulsivo fica mais sujeito a sofrer de depressão?, afirma Peterson. O distúrbio psicológico é provocado pelas sensações de alegria e tristeza registradas pelo cérebro em um curto espaço de tempo. ?Basta um clique no mouse para colocar em risco o controle emocional?, resume o psiquiatra. Felizmente, nem sempre é assim. O empresário Bruno Mares, de 41 anos, confessa que ficou viciado pelo pregão depois que começou a investir pela internet, mas nunca teve problemas. ?Quando acabo de aplicar não penso mais nisso. Fico 100% envolvido apenas enquanto estou de olho no micro?, diz. A estratégia é aplaudida pela psicóloga Ana Maria Rossi, presidente para o Brasil da Internacional Stress Management Association. ?Não se pode deixar que a bolsa
atrapalhe os momentos sociais?, ensina.
Achar esse limite, no entanto, nem sempre é fácil. ?A linha entre o comportamento saudável e o compulsivo é tênue?, alerta Ana Maria. Uma boa dica é impor-se algumas regras, como não falar ou ler sobre ações durante os finais de semana. Há ainda ferramentas técnicas que podem ser eficientes. Uma delas é a ordem de ?stop?, um recurso no qual a corretora encerra automaticamente a transação quando um papel atinge uma cotação estipulada previamente. Assim, evita sustos diante de uma alta ou queda repentina no preço de uma companhia. O próprio organismo fornece algumas pistas quando as coisas estão passando dos limites. O excesso de suor nas mãos e a tensão muscular durante uma operação na bolsa são sinais de perigo. Quando a coisa chega a este ponto, é hora de rever o comportamento.
VOCÊ VIROU DEPENDENTE DO MERCADO SE…
…acha que o logo da MTV
é o código de uma ação
… fala mais vezes ao dia com o seu
corretor do que com sua esposa ou marido
… sente necessidade de visitar
a bolsa de valores
quando conhece outro país, nas férias
… já falou do sobe-e-desce do
pregão na sessão de terapia,
deitado no divã
… já perdeu o último capítulo da
novela ou o fim do campeonato brasileiro
de futebol, para acompanhar
a abertura do mercado financeiro no Japão
…sempre quer convencer um colega a comprar
ações ou a conhecer a sua corretora
… acha agradáveis
e relaxantes os
livros de Warren
Buffett, o investidor
mais badalado do mundo