18/02/2017 - 7:25
“A Guararavacã do Guaicuí: o senhor tome nota deste nome. (…) e dizem que lá agora dá febres. Naquele tempo não dava. Não me alembro. Mas foi nesse lugar, no tempo dito, que meus destinos foram fechados. Será que tem um ponto certo, dele a gente não podendo mais voltar para trás? Travessia da minha vida O senhor veja, o senhor escreva (…) Aquele lugar, o ar. Primeiro, fiquei sabendo que gostava de Diadorim – de amor mesmo amor, mal encoberto em amizade.” (PÁG. 264)
Barra do Guaicuí, um lugarejo de Várzea da Palma (MG) pouco antes do encontro dos Rios das Velhas e São Francisco, entrou para a história da literatura como o lugar onde o jagunço Riobaldo chegou à conclusão de que gostava mesmo de Diadorim. As narrativas do lugar hoje são mais duras. O desemprego faz dispararem índices de criminalidade. A taxa de assassinatos por arma de fogo chega a 36,4%, acima da média nacional de 29,1%, segundo o Mapa da Violência.
O poder público não conseguiu manter nem mesmo a fábrica de blocos de calçamento que instalou no povoado. Como é época de piracema, a localidade não pode contar com a renda extra deixada por pescadores profissionais que costumam jogar a linha na confluência dos rios. Nos últimos três anos, duas siderúrgicas fecharam em Várzea da Palma, deixando sem trabalho 2 mil funcionários. Na vizinha Pirapora, fábricas de tecido reduziram as ofertas de emprego pela metade. Uma grande siderúrgica opera apenas dois de seis fornos. Boa parte dos plantios de eucaliptos está sem colheita, por falta de comprador.
Oclênio Siqueira, de 18 anos, e Mateus Santos, de 19, contam que foram demitidos depois de um ano trabalhando em plantios irrigados de frutas. “Está muito difícil agora arrumar vaga nesse serviço”, diz Mateus. Ele relata que amigos migraram para Uberlândia, onde atuam em granjas e comércios.
Oclênio agora trabalha numa olaria. Fatura R$ 800 por mês, sem carteira. Ele faz planos. Pretende montar um estúdio de tatuagens. É um negócio que requer investimento. Uma máquina de fazer os desenhos está na faixa dos R$ 900. Enquanto não consegue comprá-la, ele “risca” carpas, palhaços e gueixas na pele de conhecidos com uma máquina que ele mesmo construiu. O motorzinho foi tirado de um aparelho antigo de DVD. Usou ainda carregador de celular e arames. A tinta é a usada em pisos. Cada desenho custa em média R$ 50.
“Freguês tem demais, o pessoal quer ficar com marca no corpo.”
Há também quem busca fazer marcas no templo. Ali, na margem direita do Rio das Velhas, a ruína da Igreja de Nosso Senhor do Matozinho, construída por jesuítas no século 17, há décadas é alvo de quem tenta eternizar seu nome em pedras e rebocos. As inscrições se sucedem: “Gerson Santos, 1958”, “João, 03-12-90”, “EMM, 1973”, “Daniel, 20-2-99”, “Bia e Tonho, 2-2-90”, “Luan, 20-09-15”. Mas o que desperta a atenção é a gameleira que cresceu rente à parede do fundo, alcançou o telhado e desceu para o altar. A imagem lembra o conto Buriti, do livro Corpo de Baile, de Guimarães Rosa.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.