01/04/2017 - 11:33
A assistente administrativo Ana Fedickzo, de 36 anos, se arrepende de não ter registrado boletim de ocorrência após ter a bicicleta furtada na porta de casa. Hoje, dois anos depois, diz que “perderia tempo” por achar que é preciso constar nas estatísticas. Na época, além de acreditar que a bike jamais seria localizada, pensou também: “Para a polícia, é só mais uma bicicleta”.
Opinião semelhante teve o designer e ilustrador Gil Riquerme, de 43 anos, também vítima de furto, mas em via pública, no ano passado. “É só mais uma bike. Não terá volta. Todo mundo me desencorajou a registrar.” A impressão também se repete no caso do auxiliar de cozinha Clayton Francisco dos Santos, de 38 anos, que na época do roubo, há cerca de oito anos, morava na periferia de São Paulo. “Não ia adiantar nada. Principalmente por ser uma bicicleta só. E ainda mais por ter sido em bairro pobre.”
Ana, Riquerme e Santos são exemplos de um padrão: por achar que não adianta ou porque o processo de registro de boletim de ocorrência é demorado e burocrático, parte das vítimas de roubos e furtos de bicicleta não oficializa o crime.
A situação é retratada em um levantamento espontâneo feito pelas organizações de cicloativistas Ciclocidade, Aromeiazero, Aliança Bike, CicloBR, Bike é Legal e Vá de Bike. Em três semanas, elas ouviram, por meio de questionário, 331 pessoas da capital, da Grande São Paulo e do interior paulista que tiveram bikes furtadas ou roubadas, e descobriram que pouco mais da metade (51,1%) das vítimas não fez boletim de ocorrência. Um terço dos participantes teve a bike roubada em 2016 e os demais, em anos anteriores.
O número, sem critérios científicos, supera a estimativa de subnotificações da Secretaria da Segurança Pública (SSP) para crimes de subtração de bicicleta. Em reunião de grupo de trabalho com cicloativistas, a SSP informou que trabalha com perspectiva de 30% de subnotificações. Questionada, a pasta não informou oficialmente a porcentagem estimada. O resultado do levantamento foi entregue à SSP pelos cicloativistas.
Entre as vítimas que não registram ocorrência, 62,1% afirmaram que não o fizeram “porque não adiantaria nada” e 29,7% “porque é muito demorado e burocrático”. Segundo Albert Pellegrini, membro da Ciclocidade e um dos coordenadores do grupo de trabalho da SSP, o objetivo do levantamento era descobrir o que impede as pessoas de registrarem boletim de ocorrência. “O resultado é o que esperávamos: as pessoas ou não acreditam na polícia ou acham que não vai dar em nada. A realidade é maior do que os números.”
Investigação. Especialista em segurança pública, o coronel da reserva da PM José Vicente da Silva Filho explica que, embora crimes envolvendo bicicleta sejam considerados “um problema menor”, a polícia deve investigar, especialmente, a atuação de grupos específicos em regiões com sequência de roubos ou furtos. “A polícia não pode se negar a dar resposta. Casos isolados, ela (polícia) não vai fazer mesmo investigação porque não tem tempo para isso. Mas uma sequência de roubos de bicicleta na Avenida Sumaré, às quintas e sextas à noite, por exemplo, tem de ser apurada.”
Segundo Pellegrini, o próximo passo será a realização de campanhas para conscientizar ciclistas sobre a importância da anotação do número de série (chassi) da bicicleta. No equipamento, essa informação fica no quadro próximo do guidão.
De acordo com a SSP, na região da Sé, o 1.º DP registrou a apreensão de 15 bikes roubadas em janeiro e fevereiro. “Ao todo, foram esclarecidos 61 crimes contra o patrimônio e 44 pessoas foram presas.” Em relação a Butantã e Pinheiros, a Polícia Civil diz que tem mapeado os casos, principalmente nos arredores do Parque Villa Lobos e da USP. No primeiro bimestre de 2017, 166 pessoas foram presas nas duas regiões.