Até o fim desse ano, uma comissão montada pela Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE-RJ) vai avaliar a eficácia da Lei de Cotas, em vigor no estado há 15 anos. O objetivo é apontar os erros e acertos para aperfeiçoar a ação afirmativa, que já passou por um processo de revisão em 2008. A Lei Estadual 5.346/2008 determina a reserva de vagas nas universidades estaduais, sendo 20% para os estudantes negros e indígenas; 20% para alunos da rede pública; e 5% para pessoas com deficiência ou filhos de agentes das forças de segurança mortos ou incapacitados em razão do serviço.

Integrante da comissão, o procurador do estado Augusto Werneck, um dos responsáveis pela criação da primeira lei de cotas do país, em 2001, explica que todas as ações afirmativas são feitas com limite de tempo. “A primeira lei foi de 2001 e a primeira turma entrou em 2002, completamos 15 anos. Ela foi substituída por uma lei de 2003, que vigeu durante cinco anos, e em 2008 foi adotada a lei atual, que aumentou o prazo de avaliação para 10 anos, para se poder avaliar mais turmas e o resultado do ingresso no mercado de trabalho. Já formamos mais de 10 mil cotistas no estado do Rio de Janeiro, então é uma amostra significativa”, diz.

Aperfeiçoamento

Segundo Werneck, já foi constatado que o desempenho acadêmico dos cotistas é equivalente ao dos não cotistas e a evasão no primeiro grupo é menor. Para ele, é importante reforçar a política afirmativa com outras iniciativas, como a bolsa de permanência. O procurador explica que a discussão sobre a necessidade ou não das cotas já foi superada, inclusive com decisão favorável do Supremo Tribunal Federal (STF). Para ele, o debate atual é sobre o melhor caminho para aperfeiçoar o sistema.

“Agora, a gente tem que ver se a bolsa tem que ser diferenciada para cursos que exigem maior dedicação, como é o caso da medicina. Se tem que haver cotas diferentes por curso, para ter uma cota maior naqueles mais disputados e menor nos cursos menos disputados. É uma outra questão”, compara.

Para o frei David Santos, coordenador da ONG Educafro e integrante da comissão, a lei de cotas é eficiente e o resultado, concreto. Mas, segundo ele, parte da legislação ainda não saiu do papel e precisar ser implementada.  “A lei determina que todas as vagas de estágio do governo do estado e autarquias devem ser oferecidas primeiro para os cotistas pobres, brancos e negros. Até hoje isso não foi implementado. Falta também a formação de uma comissão para acompanhamento permanente da lei,  que não foi escolhida até hoje”, aponta.

De acordo com ele, também é necessário fazer o levantamento de quantos cotistas se formaram em cada curso e como foi a inserção deles no mercado de trabalho ou na academia. “A cota é para entrada, mas a saída é igual. Os cotistas terminam [a graduação] com o mesmo rendimento acadêmico dos demais. Então, precisamos saber se as empresas estão tendo preconceito com os cotistas”, diz.

O representante da Educafro destaca dois pontos que precisam de aperfeiçoamento: criação de uma omissão de combate a fraudes que atue no ato da inscrição para o vestibular e de um fundo, pelo estado, para ajudar os cotistas que queiram montar o próprio negócio. Ele destaca ainda ser importante avaliar, curso a curso, a necessidade de permanecer com a política ou mesmo, em alguns casos, ampliar as cotas.

“Tem cursos em que já se formam mais negros do que a proporção na sociedade, como serviço social e pedagogia. Já em outros cursos, como medicina e direito, precisamos aumentar o número de cotas, porque se formam muito abaixo do que prevê a lei, por causa das fraudes. Estimamos que, no vestibular da Uerj para medicina, mais de 40% das vagas de negros foram fraudadas por brancos. Estamos vendo agora como fazer para processar esses brancos que se formaram usando uma vaga que era de um negro”, defende. Segundo o frei, a ideia é que as fraudes sejam punidas com multa e o valor revertido para um fundo de bolsas para cotistas.

Permanência

A professora Daniela Valentim, da Faculdade de Educação da Uerj, pesquisou em seu doutorado a trajetória dos cotistas na instituição. Ela ressalta que existe um racismo institucional muito grande, que coloca os negros como pessoas desacreditadas dentro da universidade. Com isso, os alunos passam por discriminação e situações constrangedoras por parte de colegas e professores.

“O racismo é uma questão estrutural na sociedade e a universidade não é uma ilha onde ele não exista. Não é uma lei que vai resolver isso, temos a lei contra o racismo há muito tempo e não resolveu nada”, acredita. Ela reconhece o mérito das cotas, celebrada pelos estudantes cotistas como “uma oportunidade ímpar”. Mas, para ela, não basta ter a cota para o ingresso no ensino superior: é necessário que a universidade tenha estrutura para mantê-los no curso.

“No momento, nossa biblioteca está fechada, com os funcionários em greve há meses, sem receber. Não temos computadores para os alunos acessarem na universidade, nem todo mundo tem computador ou rede em casa. Muitos têm dificuldade para fazer cópia dos textos, não têm dinheiro para comer, nós não temos bandejão [restaurante universitário]. O acesso é fundamental, mas ele não resolve tudo. Tem que ajudar o aluno na permanência dele, é uma soma de pequenas coisas”.

A primeira reunião de trabalho da comissão ocorreu na última sexta-feira (26), com a participação de organizações sociais, universidades estaduais e representantes do movimento negro. A segunda reunião de trabalho da comissão deve ocorrer dentro de duas semanas e depois serão convocadas audiências públicas para debater o tema com a sociedade. Até o fim do ano, o grupo deve elaborar um novo projeto de lei de cotas para o governo do estado enviar para apreciação da Alerj.