23/06/2017 - 17:29
A Assembleia Nacional de Portugal tem até o dia 19 de julho – antes do recesso parlamentar – para aprovar todos os projetos sobre as questões florestais e de prevenção de incêndios, conforme determinação do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
A decisão presidencial ocorre após o grave incêndio florestal iniciado no sábado passado (17) na região central do país, provocando 64 mortes e deixando mais de 200 feridos. Os bombeiros conseguiram controlar o último foco das chamas ontem (22) em Góis.
Em março, o Parlamento aprovou a reforma florestal aprovada pelo governo e as propostas de lei sobre cadastro florestal, além de três decretos de autoria do partido Bloco de Esquerda, aprovadas em plenário. Contudo, ficaram 60 dias paradas na Comissão de Agricultura e Mar, onde já deveriam ter sido apreciadas, obrigando a renovação ontem do prazo. Os partidos têm que informar quais entidades desejam ouvir sobre a matéria e aprovar as propostas até 19 de julho.
Os projetos de lei dispõem sobre o cadastro florestal, banco nacional de terras, benefícios fiscais para gestão florestal, regimes jurídicos da arborização e rearborização – que tenta bloquear o plantio do eucalipto – e o sistema de defesa das florestas contra incêndios. Já o Bloco de Esquerda propôs medidas sobre arborização, banco público de terras e a constituição de unidades de gestão florestal, iniciativas que vêm sendo defendidas ao longo dos anos por especialistas e depois da tragédia foram relembradas por muitos como indispensáveis à prevenção dos incêndios.
Já o professor da Universidade do Minho e Coimbra e um dos autores do estudo Grandes Florestas em Portugal, Luciano Lourenço, acredita que as iniciativas não devem surtir o efeito desejado. Para ele, trata-se apenas de “uma resposta política. “Estão próximos das eleições. Daqui a 15 dias, ninguém vai se lembrar mais de nada e ninguém vai cumprir nada”, adverte.
Para o professor, os dois problemas fundamentais que dificultam a prevenção efetiva dos grandes incêndios florestais são: falta de integração e a atuação de bombeiros voluntários.
Ele explicou que o fato os bombeiros voluntários – que têm outras profissões e empregos e trabalham voluntariamente apenas no verão -, em geral, não têm conhecimento adequado sobre os terrenos onde ocorrem os desastres e não cuidam das áreas durante o inverno. Lourenço reconhece que os voluntários têm o apoio das comunidades ”e nenhum governo tem coragem de os substituir por uma estrutura nova porque as pessoas não vão aceitar que sejam retirados das suas localidades”.
Porém, ele defende que atuem de forma diferente. “Está tudo mal equacionado. O combate do verão tem de começar no inverno. No inverno, é preciso fazer as limpezas e, no verão os bombeiros, saberiam onde atacar, mas o governo não acha isso.”
Para Lourenço, teria de haver também uma redução do número de bombeiros voluntários no combate aos incêndios, o que resultaria na elevação do custo para a criação de uma nova estrutura. “O governo não quer enfrentar a oposição das corporações dos bombeiros que sempre dizem que faltam meios para combater os incêndios”, acrescentou.
Para o professor, são levantadas falsas questões para justificar a ocorrência dos grandes incêndios, como a extinção da Guarda Florestal, que foi incorporada â Guarda Nacional Republicana,” porque esses homens foram aproveitados para os mesmos serviços”. Da mesma forma, ele discorda da argumentação de que os minifúndios (pequenas propriedades) agravam o problema pelo descaso dos donos que deixam o mato crescer, nem que a proliferação dos eucaliptos colabore para o agravamento do problema.
“Devo ser o único a achar isso. Portanto, devo estar errado, mas a maior parte do valor florestal é produzido pelas pequenas propriedades. O minifúndio existe porque é produtivo. São as regiões mais ricas do país porque conseguem alimentar uma família inteira. Quanto às áreas baldias, representam apenas 12%, mas não oferecem risco e não podem ser vendidas porque pertencem à comunidade. Quanto aos eucaliptos, o que importa é o que está embaixo deles, pois as árvores são mais difíceis de queimar”.
O professor critica a proposta de que o governo precisa proibir que se plantem árvores perto de rodovias. ”É inevitável. Não há como se proibir isso, as pessoas não vão cumprir. O nosso problema é econômico, a legislação tem que ter base no real”.
Lourenço alerta que grandes incêndios, como o Pedrógão Grande, ocorrerão dentro de alguns anos pos causa das condições climáticas e geográficas do país e o fato de que a mata voltará a crescer de forma desordenada.
Ele informou que apenas 150 mil hectares pertencem às empresas de celuloses e os outros 750 mil hectares a pequenos proprietários ”que não têm a menor condição de limpá-los”. “Portanto, na minha opinião, integrar a prevenção com o combate aos incêndios, e pagar pelos serviços de limpezas das florestas, ajudaria muito a enfrentar os fogos, do qual não podemos nos livrar”, disse. Ao lado dessas providências, o professor defende que as pessoas que vivem nessas localidades precisam ser orientadas sobre como se protegerem do fogo.
O Ministério Público de Portugal abriu uma investigação para apurar as causas e consequências do incêndio. Contudo, a ministra Constança Urbano de Sousa já adiantou que não vai autorizar a Inspeção Geral da Administração Interna – IGAD- abrir inquérito. Ela observou que as apurações das causas ainda não foram concluídas e que ainda está em curso a operação de combate aos incêndios. No Parlamento, o partido PSD pediu a criação de uma comissão técnica de peritos independentes. Todos os demais partidos apoiaram a iniciativa, menos o Partido Comunista. Já o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Jaime Marta Soares, declarou à imprensa que a o incêndio pode ter sido provocado por “mão criminosa”.