14/09/2017 - 22:54
O austríaco Peter Drucker, guru da gestão, diz que “todas as inovações eficazes são surpreendentemente simples”. A frase do especialista encaixa-se com perfeição numa estratégia criada pela Ambev para reduzir o impacto da crise econômica sobre suas vendas e seu resultado. Em 2014, a companhia presidida por Bernardo Paiva resolveu levar para as gôndolas dos supermercados a embalagem de vidro retornável, o que foi intensificado no ano passado. A decisão mirava a redução do poder aquisitivo do consumidor na compra de cervejas. A troca da latinha de alumínio pelo vidro pode baratear em até 25% o preço do produto.
Num período em que o desemprego superou os 13% da população economicamente ativa, a Ambev criou uma alternativa para não deixar seu copo meio vazio. “A estratégia foi interessante, apesar de não ter visibilidade no balanço, seja pela receita ou pela redução de gastos”, afirma Bruna Pezzin, analista da XP Investimentos. “Mas a Ambev diminuiu o risco de volatilidade no preço do alumínio, que tem um custo aproximado de 40%, e criou uma receita recorrente, com o vai-e-vem das garrafas de suas marcas.” No ano passado, o total de vendas desses vasilhames chegou a 23%. No primeiro ano do projeto, foram apenas 9%. “Na Ambev, a gente tem como mantra trabalhar naquilo que podemos influenciar e ter o controle”, disse Paiva, em recente entrevista . “O que nos move é a paixão pela excelência e por fazer cervejas de qualidade.”
Pelo excelente desempenho num ambiente extremanente adverso, a Ambev foi eleita a Empresa do Ano pelo anuário AS MELHORES DA DINHEIRO 2017. Também ficou em primeiro lugar na categoria Super 20, que avalia os 20 maiores conglomerados inscritos no prêmio da revista DINHEIRO. Para que o projeto da garrafa retornável fosse bem-sucedido, a Ambev precisou mobilizar toda a sua operação. As cervejarias, por exemplo, tiveram de se adaptar às embalagens de 300 mililitros (ml) retornáveis. Toda a linha de produção estava capacitada para as garrafas de 600 ml, que respondem por cerca de 95% das vendas de cerveja em bares e restaurantes.
Além disso, a empresa teve de criar uma logística reversa em todo o Brasil para receber o vasilhame vazio. A cervejaria desenvolveu uma máquina própria de coleta de garrafas, que imprime o tíquete que é apresentado no caixa do supermercado e isenta o consumidor de pagar, novamente, pelo vasilhame. Até o final de 2016, cerca de 900 máquinas estavam em operação em todo o País. Neste ano, a Ambev investiu R$ 1,5 milhão para entregar mais 500 unidades para o varejo, com uma tecnologia própria que substitui a importada usada no início do projeto. A expectativa é conseguir uma economia de até 70% nos custos logísticos dessa operação.
“O consumidor entendeu a nossa proposição, de pagar menos, ajudar o meio ambiente e apreciar a bebida que ele ama”, afirma Ricardo Rittes, vice-presidente financeiro e relações com investidores da Ambev. “Para atender todo o Brasil, o investimento começa na cervejaria e termina na logística, que precisa funcionar de maneira eficiente. Mas também tem um grande investimento na educação do ponto de venda, para mostrar para o consumidor a vantagem de comprar o vasilhame” (leia entrevista ao final da reportagem). Ao mesmo tempo em que buscava aumentar as receitas e reduzir os custos, a Ambev trabalhava pela sustentabilidade de seu negócio. O grupo AB Inbev havia estabelecido uma meta global para suas empresas ao redor do mundo de usar, no máximo, 3,2 litros de água para cada litro de bebida envasado.
O objetivo era alcançar esse resultado neste ano. A Ambev foi pioneira dentro dos negócios da holding ao bater a marca em 2015 e chegar ainda mais longe: 3,04 litros no ano passado, uma redução de 4,1% sobre 2015. Nos últimos 14 anos, a diminuição total de consumo de água na produção é de 43%. Para bater os indicadores, a companhia investiu no uso de equipamentos e tecnologia, na padronização de processos, em ações de reaproveitamento de água e em metas individuais e coletivas. “A operação no Brasil é referência mundial”, diz Rittes. “A água é nosso principal insumo. Por isso, tomamos a iniciativa de lançar a marca de água AMA, na qual todo o lucro é revertido para resolver o problema do semi-árido brasileiro.”
COMPETIÇÃO O mercado de cervejas tem sido desafiador para as empresas no Brasil, nos últimos dois anos. Em 2016, por exemplo, o volume caiu 3,4%, de 13,3 bilhões de litros para 12,8 bilhões, segundo a consultoria Euromonitor. Neste ano, o recuo era de 0,6% até o final de agosto. No fechamento de 2017, porém, é esperada uma estabilidade ou uma expansão de até 1% sobre o ano anterior. Pelas contas da consultoria, a participação da Ambev sobre as vendas totais do mercado brasileiro caiu 4 pontos percentuais em 2016, para 62%. “O declínio nas vendas foi afetado principalmente pela diminuição da demanda de marcas como Skol, Brahma e Antarctica”, diz Angelica Salado, analista da Euromonitor. “A empresa se esforçou para reduzir seus custos de produção, assim como ganhar mercado com marcas classificados por eles como premium, casos de Budweiser e Stella Artois, ao invés de aumentar a penetração das outras marcas.”
A Ambev conseguiu aumentar seu lucro líquido no ano passado, de R$ 12,9 bilhões para R$ 13,1 bilhões, mas o lucro operacional voltou aos níveis de 2014. Em contrapartida, a receita líquida por hectolitro, que mede a rentabilidade da produção, aumentou quase 29%. A partir de agora, a Ambev precisará reequilibrar seus resultados ao mesmo tempo em que enfrenta um aumento da competição. A compra da Brasil Kirin pela Heineken, em fevereiro deste ano, por R$ 2,2 bilhões, vai aumentar a disputa pelo segmento premium. A cervejaria holandesa aumentou sua participação de mercado 13% para 20%, além de ter adquirido uma distribuição própria.
Anteriormente, a Heineken era entregue junto com a Coca-Cola. “Os resultados dos últimos trimestres da Ambev vieram prejudicados pela fraqueza da economia e pelo forte ambiente de competição, que fez com a empresa perdesse mercado”, diz Pedro Galdi, analista de investimentos da Magliano Corretora. “Mas a companhia já recuperou uma fatia de mercado, mesmo penalizando suas margens. Isso é importante com a retomada gradual da economia.” A crise da economia fez a Ambev trabalhar sobre suas marcas e realizar a reformulação da identidade de algumas delas ao longo de 2016. A Skol ganhou um visual mais jovem, moderno e irreverente. A cervejaria decidiu reforçar a proposta da marca pelo debate, por influenciar o futuro e por moldar o comportamento do consumidor.
Há cerca de três anos, a Skol deu início a essa estratégia ao ir contra o senso comum no mercado cervejeiro e não usar mais mulheres em posição serviçal em sua publicidade. A temática das propagandas passou a ser relacionada com a juventude e a diversidade. Esse posicionamento é refletido na valorização da marca da cerveja. A Skol foi a Marca Mais Valiosa do País em 2017 pelo quinto ano seguido, no ranking produzido pela DINHEIRO em parceria com a Kantar Vermeer, com um valor que atingiu US$ 8,2 bilhões. A Ambev emplacou outras três marcas, além da Skol, entre as dez primeiras colocadas: Brahma, Antarctica e Bohemia.
“Acreditamos em marca e na qualidade dos nossos produtos”
Ricardo Rittes, vice-presidente financeiro e de relações com investimentos da Ambev, fala sobre os desafios da empresa num período de crise econômica
O ano de 2017 vai ser melhor do que 2016 para a Ambev?
Vamos olhar para o mercado de cerveja e para onde ele está indo. A última vez que esse mercado cresceu em volume foi em 2014. Em 2015, teve uma queda de 1,8% do volume em 2016, de 5,5%. Neste ano, já temos metade do ano. No primeiro trimestre, o mercado de cerveja caiu 2,7% e segundo, 2,4%. Então, essa comparação mostra uma melhora clara e uma tendência de recuperação, mas o mercado ainda está caindo. Não está bom ainda. Vamos ficar mais contente quando o mercado de cerveja estiver evoluindo positivamente.
Qual foi a estratégia da companhia para superar essa crise?
O resumo da estratégia da companhia é sempre ter o consumidor no centro de tudo. Acreditamos em marca e na qualidade dos nossos produtos. Num momento de crise, focamos em atender melhor o consumidor. Como ele é muito inteligente, consegue diferenciar o produto de melhor qualidade. Essa parte nós mantivemos, como sempre fazemos. Durante a crise, a gente usa a capacidade que a companhia tem de gestão, naquilo que conseguimos controlar, para servir esse consumidor de forma mais efetiva.
Mas o que a Ambev fez?
Por exemplo, a garrafa retornável é muito eficiente em bares e restaurantes, com cerca de 95% do nosso volume. Ela é boa para o consumidor, para o meio ambiente e para o ponto de venda, que consegue vender mais e por um preço mais baixo, cerca de 20% a 25% menos. Nos supermercados, com a crise e a dificuldade do Brasil nos últimos anos, vimos uma oportunidade e uma demanda do consumidor. O sucesso dessa estratégia é que o percentual de garrafas retornáveis nos mercados brasileiros chegou à média de 23%. Foi a resposta do consumidor para a nossa estratégia de focar naquilo que a gente controla.
Há dificuldade para recuperar as margens em razão do aumento da concorrência?
O mercado brasileiro é muito competitivo e sempre foi. No passado, existiram marcas, como a Kaiser, que já teve mais de 20% do mercado nacional em 1998, quando uma cervejaria internacional adquiriu uma participação dela. Competidor você não escolhe, você compete. Somos competitivos e sempre fomos.
Qual foi a razão da perda de participação de mercado, no ano passado?
Se você olhar para os números, o mercado brasileiro caiu 5,5%. O nosso volume caiu 6,6%. De fato, fomos pior que o mercado. Mas quando olha para 2015, o mercado caiu 1,8% e nós caímos 1,8%. Então, a nossa queda é só em 2016, um pouco maior que o mercado. Mas quando se olha para o primeiro trimestre deste ano, o mercado caiu 2,1% e o nosso volume cresceu 3,4%. Só aí mais do que recuperou tudo o que cedeu anteriormente. É matemática. É uma característica desse setor a variabilidade para cima e para baixo no curtíssimo prazo, mas não há perda de market share, nem guerra de preço. Tem volatilidade natural de market share em 2016, de 1%, para uma base de quase 70%.
Haverá aumento de preços neste segundo semestre, como o presidente Bernardo Paiva sinalizou na divulgação de resultados?
Nossa política de preços é muito simples. A gente aumenta preços em linha com a inflação e para compensar qualquer aumento de imposto. Tão simples quanto isso. Acreditamos nesta equação: se você não onera ninguém, a briga é por marcas e para servir seu consumidor um pouco melhor hoje do que servimos ontem. E a questão do imposto é muito importante, em razão do ciclo virtuoso: investimos mais; o consumidor é melhor atendido e consome mais; esse consumo maior gera uma arrecadação maior para poder público. Não acreditamos na gestão de curto prazo, de mudar a alíquota e aumentar o imposto. Aí temos de aumentar o preço, o consumidor fica sem dinheiro e consome menos. Com isso, a arrecadação cai e nós investimentos menos. Nisso não acreditamos.