16/09/2017 - 11:32
A Operação Ouvidos Moucos, da Polícia Federal (PF), que investiga fraudes na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), fez um levantamento de beneficiários de bolsas Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Os investigadores verificaram “incompatibilidade” entre os destinatários das bolsas e as profissões por estes exercidas – carteiro, armazenista, motorista de carro de passeio, atendente de agência e operador de telemarketing técnico.
O inquérito apura irregularidades na aplicação de recursos federais recebidos pela Federal de Santa Catarina relativos ao curso de Ensino à Distância (EaD)- Licenciatura em Física.
“Foi efetuado levantamento de beneficiários de bolsas Capes que merecem maior aprofundamento na análise, tendo em vista a incompatibilidade com as profissões por estes exercidas ou mesmo diante do relacionamento com outros bolsistas e/ou acumulação de bolsas”, relatou a juíza Janaina Cassol Machado, que autorizou a operação.
A Ouvidos Moucos mira repasses que totalizam cerca de R$ 80 milhões. O reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, foi preso na ação e solto nesta sexta-feira, 15.
Foi identificado que docentes da Universidade, empresários e funcionários de instituições e fundações parceiras teriam atuado para o desvio de bolsas e verbas de custeio por meio de concessão de benefícios a pessoas sem qualquer vínculo com a Universidade. O programa Universidade Aberta do Brasil (UAB) foi instituído em 2006 pelo Governo Federal com o objetivo de capacitar prioritariamente professores da rede pública de ensino em regiões afastadas e carentes do interior do País.
A Polícia Federal apontou indícios de que professores, especialmente docentes do Departamento de Administração (um dos que recebe a maior parcela dos recursos destinados ao Ead da UFSC); funcionários das instituições e fundações parceiras; bem como empresários ligados às fraudes tenham atuado em conjunto para desviar valores repassados pela Capes à Federal.
Segundo a PF, em alguns casos, bolsas de tutoria foram concedidas até mesmo a pessoas sem qualquer vínculo com as atividades de magistério superior em EaD, inclusive parentes de professores que integravam o programa receberam, a título de bolsas, quantias expressivas. Além disso também foram identificados casos de direcionamento de licitação com o emprego de empresas de fachada na produção de falsas cotações de preços de serviços, especialmente para a locação de veículos. Num dos casos mais graves e mais bem documentados pelos investigadores, professores foram coagidos a repassar metade dos valores das bolsas recebidas para professores envolvidos com as fraudes.
Na decisão que autorizou a prisão, a juíza destacou que a Coordenação do Curso de Física informou que a Capes repassou R$ 922.008,33 para pagamento de bolsas a tutores e professores. “Todavia a equipe de fiscalização calculou que foram R$ 1.241.630,00”, observou a juíza.
“O primeiro problema levantado foi a ausência de editais em processos seletivos para tutores e professores: em 140 de 269 bolsas Capes (60% do valor total) concedidas nessas condições, e em 135 de 151 concessões (78% do valor total) com recursos do Contrato 291/2008 (FAPEU). A ausência de processo seletivo foi admitida pelo Coordenador do Curso”, descreveu a magistrada.
“Consta dos autos, ainda, relatório de auditoria em que se apurou diversas situações em que o valor das bolsas recebidas somado à remuneração do servidor ultrapassou o teto constitucional.”
Defesas
A UFSC divulgou nota sobre o assunto: “Sobre a ação da Polícia Federal na UFSC, executada nas primeiras horas da manhã desta quinta-feira, 14 de setembro, o chefe de Gabinete, Aureo Mafra Moraes, concedeu entrevista por volta das 10h, na Sala dos Conselhos, aos veículos de comunicação da instituição – Agência de Comunicação (Agecom) e TV UFSC – e também aos do curso de Jornalismo”.
“Aureo inciou sua fala com a constatação de que “em 57 anos de existência da UFSC, nunca teve situação como essa”. Explicou que “o que se procurou fazer logo no início da manhã foi obter algumas informações de modo a orientar uma decisão”. O secretário de Segurança Institucional, Leandro Luiz Oliveira, e sua equipe, acompanhou a diligência da Polícia Federal, desde cedo, em todos os prédios e instalações para os quais tinham mandados de busca. Afirmou que todas as ações demandadas pela PF foram atendidas sem dificuldades”.
“Com relação à situação do reitor Luiz Carlos Cancellier, em particular, o secretário de Aperfeiçoamento Institucional, Luiz Henrique Urquhart Cademartori, falou rapidamente com ele, por telefone, por volta das 8h30, e se dirigiu à PF para acompanhá-lo”.
“A UFSC não possui, até o momento, nenhum tipo de informação sobre o status da condução do reitor. Em função da vice-reitora, Alacoque Lorenzini Erdmann, estar em viagem ao México, em missão oficial – com previsão de retorno neste final de semana – o decano dos pró-reitores, Rogério Cid Bastos, assumiu a Reitoria da UFSC, de modo a restabelecer a normalidade e o funcionamento da instituição”.
“O chefe de Gabinete enfatiza que ‘foi uma enorme surpresa para todos a ação ter culminado com a condução do reitor; não temos informações oficiais das outras pessoas detidas, presas ou conduzidas e ao longo do processo de apuração, que sempre esteve a cargo da Corregedoria-Geral. No que a Administração Central da UFSC foi demandada esclarecer, não há nenhuma restrição, impedimento ou prejuízo para que as apurações se deem da melhor forma possível no sentido das boas práticas de gestão’. E esta é por ora a situação na UFSC, que realizou uma reunião mais cedo, com a equipe do colegiado – assessores, pró-reitores e secretários – para os encaminhamentos necessários que a situação exige”.
“Rogério Cid Bastos, reitor em exercício da UFSC, afirmou durante a coletiva na sede da PF em Santa Catarina, que a instituição ‘vai tornar este processo transparente e ser parceira dos órgãos de controle nas investigações e procurar esclarecer todos os fatos’. Ele ressaltou que “não é um fato agradável” e é uma ‘investigação em andamento, não um processo de culpa formada'”.
“Outro ponto destacado por Bastos foi que a operação não vai impactar nas decisões da universidade. ‘A UFSC continua viva, é um único projeto que está sob investigação. A gestão do professor Cancellier não tem nada a esconder'”, finaliza a nota;
A Capes também se manifestou: “A propósito da operação da Polícia Federal, que investiga supostas irregularidades no programa Universidade Aberta do Brasil (UAB) junto à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes) informa que o programa é executado desde 2006. A atual gestão foi assumida em junho de 2016 e, esclarece que, em maio de 2017, tomou conhecimento pelo corregedor da UFSC das denúncias na referida instituição. A Capes solicitou acesso à apuração, mas não obteve resposta da corregedoria daquela universidade”.
“Ao tomar conhecimento da existência de uma investigação no programa de bolsas da UFSC, a presidência da Capes determinou, imediatamente, a estruturação de uma comissão para acompanhar o programa com visita no local e solicitação de documentação complementar”.
“É importante ressaltar que a atual gestão aprimorou, por meio da Portaria n° 183/2016, a regulamentação das diretrizes para a concessão de bolsas no âmbito da UAB e retomou as visitas técnicas de verificação do programa. Já foram realizadas, só este ano, mais de 30 visitas e, até dezembro, estão programadas outras 10”.
“Ao receber a Polícia Federal, nesta manhã, a Capes prestou todos os esclarecimentos solicitados. Assim como colocou à disposição as informações sobre a oferta do programa na UFSC e concedeu acesso a todos os sistemas de acompanhamento e controle interno”.
“A gestão atual da Capes reafirma a intenção de contribuir com a investigação no sentido de que o programa cumpra rigorosamente o seu papel de formação e continua comprometida com a qualidade da formação dos alunos que estudam por meio da educação à distância na UFSC”.