23/09/2017 - 15:18
Promíscuos, indecisos, complicados e confusos. Comumente atribuídos aos bissexuais, formando estereótipos negativos desse segmento LGBTI, esses adjetivos estão sendo combatidos hoje (23), no Dia Internacional da Visibilidade e do Orgulho Bissexual, em diversos atos ao redor do mundo.
Contra esse estigma, serão realizados piqueniques, caminhadas, lançamentos de balões, festas e rodas de debate, que acompanham a publicação, em redes sociais, de conteúdos relacionados à bissexualidade, também celebrando a BiWeek (Semana Bi, em português), encerrada neste fim de semana de setembro, eleito o mês da causa.
Dezoito anos depois da criação da data, a bissexualidade ainda não é reconhecida como orientação sexual independente, pois as pessoas do segmento são tratadas como se fossem metade heterossexuais e metade homossexuais. Com isso, sua orientação é vista como se resultasse de partes que se somam, em um sistema que não acomoda a dualidade.
Identidade
É o que explica o coordenador do grupo paraibano Diversidades, Marcos Dias. “Bissexual é invisibilizado porque é visto como pessoa em cima do muro, entre hétero e gay, hétero e lésbica”, diz.
Outro mal-entendido é achar que a orientação dos bissexuais muda conforme a identidade de gênero do parceiro com quem mantém um relacionamento afetivo. “Para ser considerado bissexual, não é preciso que, necessariamente, se tenha tido um relacionamento com mulher ou homem”, esclarece o coordenador, que é bissexual assumido. Não é, portanto, como se a orientação fosse flexível ou fluída.
“As pessoas insistem em perguntar ‘Agora você está com a ou b?’, para tentar te definir. Quando o bissexual busca alguns serviços de saúde é questionado sobre com quem esteve. Alguns profissionais ainda não estão preparados, buscam subtextos e fazem insinuações que constrangem. Sofremos pressões a mais”, acrescenta.
Os movimentos argumentam que a cobrança por dar satisfações acerca da intimidade é uma das consequências da heteronormatividade da sociedade, que prioriza percepções padronizadas a partir da orientação heterossexual. Além disso, essa exigência descobre um conjunto de “privilégios monossexuais”, muito bem destacados pela ativista de Tel Aviv Shiri Eisner, no texto The Monosexual Privilege Checklist (Check-list do privilégio monossexual, em português).
Brasil
“A bissexualidade é vista no Brasil como em muitos lugares. É um reflexo dos problemas estruturais que encontramos”, afirma o estudante de psicologia Daniel Eisenberger, uma das sete lideranças do coletivo Bi-Sides.
Ele explica que, como modo de empoderar o grupo, diversas formas de discurso são “ressignificadas”. Para responder às tentativas de ocultação da bissexualidade, o segmento escolheu, como um de seus símbolos, muito difundido em São Paulo, o unicórnio. “A gente escolheu porque é um bicho que também não existe e aí faz piada em cima disso”, brinca Eisenberger.
A chacota e a ridicularização da bissexualidade, que geram altas taxas de suicídio, encontram brechas na própria sigla LBGTI e nem sempre há compaixão de grupos representados pelas outras letras. Uma pesquisa da entidade LGBTI Equality Network, do Reino Unido, mostrou, em 2015, que 66% dos entrevistados se sentiam pouquíssimo ou totalmente excluídos da comunidade LGBT, índice que aumentava para 69% quando a sensação de pertencimento era em relação a grupos heterossexuais.
“Os bissexuais sofrem invisibilização fora ou dentro da comunidade LGBT. Gays falam que homens bissexuais são enrustidos e que as mulheres bissexuais querem chamar a atenção”, ressalta o estudante.
Mobilização
Ontem (22), em uma mobilização LGBT que reuniu 15 mil pessoas no Museu de Arte de São Paulo (Masp), Eisenberger viu somente três bandeiras com as cores rosa, roxo e azul, combinação de tonalidade que simboliza a comunidade bissexual. Segundo ele, os itens vendidos por camelôs também são raros, embora os de outros segmentos sejam abundantes.
Ele afirma que essas manifestações de bifobia, isto é, o preconceito e a discriminação aos bissexuais, brutalizam especialmente as mulheres bissexuais. “Vão desde comentários como ‘Você não é bissexual, você só beija garotas em baladas para provocar os homens’ a coisas extremas. Algumas mulheres lésbicas dizem que as bissexuais são ‘depósito de esperma’. São coisas pesadas, agressivas, incluindo estupro corretivo.”
Como futuro psicoterapeuta, Eisenberger, hoje com 23 anos e assumidamente bissexual há quatro, intercede pela validação do discurso e dos pleitos dos bissexuais, no interior de consultório e nas ruas.
“Eu, que já sou assumido e milito há algum tempo, lembro, desde 2013, quando saí do armário, das pessoas falando de outras que descobriam sua sexualidade. No ambiente de consultório, ao chegar um paciente, a primeira coisa, a mais importante, é o psicólogo validar o que esse paciente está sentindo. É importante dizer a ele que está tudo bem e que se questionar faz parte’. É normal, porque lidar com sexualidade é algo difícil mesmo. Foi muito importante ter tido pessoas que me validaram.”
Auxílio
Para Eisenberger, em um momento em que direitos relativos à sexualidade são ameaçados, como o caso das opiniões emitidas por um procurador no Paraná e em que o cuidado para evitar a patologização da bissexualidade deve ser redobrado, é preciso que o profissional tente entender como a pessoa está lidando com sua sexualidade. Um engano que envolve a patologização é vincular a bissexualidade ao quadro de sintomas de transtornos mentais como borderline e transtorno bipolar.
Segundo ele, o terapeuta deve auxiliar, sem adulterar a perspectiva objetiva a partir de julgamentos pessoais sobre o que é certo ou errado. “É seu papel acolher as inquietações e tristezas e “construir junto”, permitindo que o bissexual se assenhore verdadeiramente de sua identidade.”
“Ouça o que as pessoas bissexuais estão falando sobre si mesmas. Se a gente fala que tal questão é um problema, ouçam. Medite sobre o assunto. O ponto do empoderamento não é dar voz. As pessoas têm voz. Elas só não conseguem ser ouvidas “, conclui o ativista.