O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que o Ministério da Saúde retome a Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP) com a Hemobrás e a empresa Shire para a produção do Fator VIII recombinante, um produto essencial para pessoas com hemofilia.

Firmado em 2012, o acordo havia sido suspenso em julho deste ano, sob a justificativa de que o andamento do contrato estaria em desacordo com as diretrizes estabelecidas. Na decisão, o TCU afirma que o contrato deve ser retomado de forma cautelar, até que o Tribunal de se posicione sobre o mérito da questão.

A decisão, divulgada nesta quarta-feira, 4, foi comemorada pela empresa Shire, que se preparava para ingressar ainda esta semana com uma ação na Justiça para interromper um processo de licitação organizado pelo Ministério da Saúde para a compra do Fator VIII recombinante. A intenção da pasta era comprar quantidade do produto suficiente para atender seis meses da demanda nacional.

Com a decisão do TCU, a Shire mudou os planos. “Não é mais necessário ingressar com a ação. A decisão determina a retomada da PDP”, afirmou à reportagem o presidente da Shire no Brasil, Ricardo Ogawa.

A decisão envolve quantias milionárias e sobretudo o destino de uma legião de pacientes que necessita do Fator VIII para manter a qualidade de vida. Atualmente, os estoques do hemoderivado são suficientes para atender a demanda até fevereiro. Com a suspensão da PDP em julho, o Ministério da Saúde procurou negociar novas condições para o contrato mas até agora nenhuma solução havia sido encontrada.

Ogawa afirma que mesmo se formalizando um novo acordo, será necessário um tempo para que a produção seja feita. Ele já alertava para o risco de desabastecimento do produto. Ogawa afirma que a decisão do TCU reduz, mas não elimina o risco. “Vamos iniciar a produção, mas não há condições de entrega do produto ainda em janeiro”, disse.

O Ministério da Saúde alegava até o início desta semana que o acordo com a Hemobrás e Shire não havia sido cumprido e que seria preciso fazer adequações nas etapas de transferência de tecnologia que até agora não haviam sido cumpridas para retomar a PDP.

De acordo com a PDP, a Shire deve transferir todo o conhecimento de produção do Fator VIII para a Hemobrás. Enquanto a estatal brasileira não domina a técnica para fabricação, a Shire fica encarregada de abastecer toda a demanda do mercado. A previsão era a de que a Hemobrás começasse a produção num prazo de 5 anos. O cronograma, no entanto, nunca foi cumprido. Agora, o prazo é 2022.

Além do atraso, provocado por erros no projeto, denúncias de superfaturamento e irregularidade nas obras, o acordo rendeu uma dívida da Hemobrás para Shire. Sob a ameaça de perder a PDP, a Shire fez alterações no contrato. Ela perdoou os juros da dívida da Hemobrás, no valor de US$ 43 milhões prometeu investir US$ 250 milhões na fábrica, parcelar a dívida em oito anos e reduzir o preço do produto ao longo dos anos até a transferência total da tecnologia. Ontem, uma reunião com o ministro da Saúde foi realizada, mas não se chegou a nenhum acordo.

A tensão entre o grupo aumentou diante dos preparativos feitos pelo Ministério da Saúde para a compra de hemoderivados numa licitação. A Shire considerou tais preparativos como uma afronta à PDP e um recado de que um novo contrato não seria assinado. O Ministério da Saúde, por sua vez, afirmava que a medida era apenas uma precaução.

Para completar o clima de embate, há ainda um acordo de transferência entre a empresa Octapharma com o laboratório público Tecpar do Paraná, reduto eleitoral do ministro Ricardo Barros, para a produção do mesmo Fator VIII recombinante. Essa nova PDP, avalia o presidente da Shire, se levada a diante certamente esvaziaria a produção da Hemobras. “A estatal só sobrevive se puder vender toda a produção para o governo”, observou.