09/10/2017 - 7:45
Em meio à crise financeira que atinge os governos regionais, pelo menos 14 Estados e 16 capitais deram descontos a contribuintes devedores por meio de programas de parcelamentos de dívidas (Refis) em 2017, segundo levantamento do ‘Estadão/Broadcast’. A praxe é oferecer condições mais generosas do que a União negociou com parlamentares ao longo da última semana para devedores do governo federal. Em mais da metade dos casos, há o abatimento de 100% de multas ou juros (ou ambos) para pagamentos à vista.
Técnicos da Receita Federal e especialistas na área tributária alertam para os efeitos negativos que esse tipo de iniciativa tem sobre a arrecadação corrente, uma vez que premia o mau pagador com descontos, em detrimento de quem paga suas obrigações em dia. Mas o próprio governo federal não só criou nova edição do Refis como sofreu investidas de parlamentares devedores do Fisco que queriam emplacar condições ainda mais generosas. Em meio à tramitação da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer, o governo acabou cedendo e ampliou o tamanho do perdão para até 90% nos juros e 70% nas multas.
Impostos
Nas administrações regionais, os parcelamentos costumam ser feitos para quem deve ICMS e IPVA, no caso dos Estados, ou ISS e IPTU, no caso das capitais. Mas há casos em que os governos também permitem a negociação de débitos de imposto sobre herança, sobre transferência de bens imóveis e até mesmo taxas como de recolhimento de lixo.
A reportagem procurou todas as unidades da federação e suas capitais, sendo que 12 governos não abriram Refis neste ano e outros 11 não responderam. Entre os que disponibilizaram as informações, apenas cinco apontaram o valor total da renúncia fiscal com os descontos: Mato Grosso (R$ 181,2 milhões), Pernambuco (R$ 100 milhões), Santa Catarina (R$ 80 milhões), Manaus (R$ 60 milhões) e Natal (R$ 12 milhões). Maceió divulgou perdão de R$ 263 mil em parcelamentos do imposto sobre transmissão de bens, mas não deu informações sobre o ISS.
A assessoria da Secretaria Estadual de Fazenda de São Paulo chegou a questionar se os abatimentos em juros e multas deveriam ser considerados renúncias, já que não há desconto no principal da dívida. A União contabiliza como renúncia, uma vez que os encargos são apropriados à dívida.
O lançamento dos programas de descontos ocorre no ano seguinte a uma intensa articulação dos Estados para renegociar dívidas junto à União. A União acabou permitindo a suspensão da cobrança até o fim do ano passado e uma retomada gradual dos pagamentos até julho de 2018. Antes, os municípios também já haviam renegociado sua dívida.
Mesmo entre quem não concedeu perdão total, os descontos são elevados e chegam a 98% das multas em Goiás e 95% de multas e juros em Maceió.
Efeito negativo
O maior problema é que a abertura do Refis pode se voltar contra a própria administração tributária dos Estados e das capitais.
Embora haja uma injeção imediata de recursos – a prefeitura de São Paulo espera arrecadar R$ 1 bilhão até o fim deste mês, enquanto o governo estadual paulista celebrou acordos de R$ 9 bilhões em dívidas -, a expectativa por um novo programa pode levar contribuintes a deixar de pagar os tributos correntes.
“Todo Refis e perdão de multa deteriora a arrecadação espontânea. Na União, por exemplo, 95% da arrecadação é espontânea. Se começa a tirar as penalidades de quem não paga, vai diminuindo o número de quem paga em dia”, diz o subsecretário de Fiscalização da Receita Federal, Iágaro Martins.
O prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT), defende que o programa faz parte de um pacote de medidas lançado em agosto para estimular a economia local. O Refis da capital cearense tem descontos de 100% em multas e juros para pagamentos à vista.
O tributarista Gabriel Prata, sócio do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia, reconhece o impacto na economia local. “É importante ressaltar que esses programas têm também o lado positivo de trazer muitas empresas para a legalidade, possibilitando o acesso ao crédito, às licitações, destravando parte da economia naquela região”, diz. No entanto, ele faz coro em relação ao potencial prejudicial à arrecadação corrente.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.