15/06/2004 - 7:00
O empresário Sérgio Andrade tem pensado muito em soja. ?Sobrevoei o sul do Maranhão e aquilo parece uma mesa de bilhar, verde e lisa?, afirma ele. ?Ainda há muito espaço para cultivar a soja. Esse projeto vem e volta em minha cabeça.? Nos últimos tempos, confessa Andrade, ela tem demorado mais tempo para ir embora. A qualquer momento, portanto, a Andrade Gutierrez pode anunciar a entrada em um novo campo de atuação, o agropecuário. Com tradição de mais de quatro décadas na área de construção pesada, onde fincou os alicerces de um grupo empresarial de quase R$ 4 bilhões, a incursão no mundo agrícola pode parecer um desvio torto de sua rota. Não é bem assim. Andrade tornou-se nos últimos anos uma espécie de caçador de negócios, atento a boas oportunidades, independentemente de onde elas venham. Hoje, seus domínios se estendem para atividades diversas como a operação de telefonia e a concessão de rodovias ? a Andrade é sócia na Telemar e na Oi e possui participação na CCR, administradora de estradas como a Via Dutra, o sistema Anhangüera-Bandeirantes e a Ponte Rio-Niterói.
Agora, Andrade mira dois novos alvos em sua permanente caçada. Em sociedade com dois outros gigantes da construção, a Odebrecht e a Camargo Corrêa, a equipe de Andrade planeja fundar um estaleiro, a ser instalado em algum ponto da costa brasileira. Dentro de dois a três anos, o primeiro navio com a assinatura das três empreiteiras estará sendo lançado ao mar. O projeto exigirá um desembolso de US$ 150 milhões, gerará cerca de três mil empregos e contará com a participação do BNDES, interessado em reavivar a indústria naval brasileira. O foco do empreendimento será a construção de embarcações de grande porte, com capacidade superior a 80 mil toneladas. Há um tremendo espaço no Brasil para o crescimento desse setor. A cada ano, o País gasta US$ 6 bilhões em fretes. Com a existência de uma indústria local, armadores brasileiros poderiam abocanhar boa parte desses contratos.
O segundo alvo da caçada encontra-se no Equador, mais precisamente nas cercanias da capital de Quito. Ali, será erguido um novo aeroporto internacional ao custo de US$ 700 milhões. A Andrade Gutierrez participará do empreendimento em sociedade com a Eicon, maior construtora do Canadá. As duas companhias são responsáveis pelo levantamento dos recursos junto a bancos privados. O retorno virá da administração do aeroporto. A dupla receberá a concessão para administrá-lo por 25 anos, renováveis por outros tantos. ?Seremos a Infraero do Equador?, diz Andrade. A companhia brasileira estava fora da jogada. A Eicon tocaria o projeto sem acompanhantes. Na hora de fechar o projeto financeiro, os banqueiros fizeram uma pergunta: ?Quem vai administrar o aeroporto??. Técnicos do IFC, o braço financeiro do Banco Mundial, sugeriram o nome da Andrade Gutierrez. Eles já conheciam a experiência dos brasileiros no setor de concessões de rodovias. ?Os canadenses pensaram que podiam fazer tudo sozinhos, mas tiveram que dividir o projeto com a gente?, diverte-se Andrade.
Estaleiros pouco (ou nada) têm a ver com gestão de aeroportos. Mas o grupo liderado por Andrade não tem mesmo um eixo único de atuação. Os resultados não têm decepcionado os acionistas. Em 2003, o lucro atingiu R$ 342 milhões, contra R$ 47 milhões do ano anterior. Aos 59 anos, o empresário não leva muita fé em conceitos clássicos de administração, como planejamento estratégico e vocação empresarial. De certa forma, até os desdenha. Sua função, admite, é perseguir, analisar e aproveitar oportunidades de negócios rentáveis, sozinho ou em conjunto com outras corporações, mesmo que sejam concorrentes.
Mesmo a diversificação nasceu mais de uma necessidade do que de um planejamento detalhado dos caminhos que o grupo deveria seguir. No final da década de 80, a principal fonte de receitas da Andrade Gutierrez, os grandes projetos públicos, praticamente secou. No setor de construção, a empresa saiu em busca da clientela privada e de contratos no exterior. Hoje, quase 60% do faturamento da construtora vem de obras em outros países. Recentemente faturou o IABSE, considerado o Oscar da engenharia mundial. A obra premiada foi o aeroporto da Ilha da Madeira, cuja pista de pouso foi erguida sobre uma arrojada estrutura de concreto sobre o mar, sustentada por colunas com 60 metros de altura. Ou seja, apesar de toda a diversificação, a engenharia continua correndo nas veias do caçador Andrade.
R$ 3,8 bilhões é a receita anual da Andrade Gutierrez
A participação de cada negócio nesse total é de
35%
Engenharia e construção
8%
Concessão de rodovias
57%
Telecomunicações