Dia 24 de janeiro, quinta-feira, 8h30. Na sala de eventos de um hotel da zona sul de São Paulo, o executivo Hélio Lima Magalhães, presidente do American Express, coloca-se à frente de uma audiência formada por cerca de 200 funcionários da empresa. Com microfone em punho, gestos firmes e frases eloqüentes, caminhando sem parar entre as fileiras de cadeiras, Magalhães fala dos resultados da companhia, de seus objetivos e da necessidade do trabalho em equipe. Ao longo de duas horas, como um pregador, ele empenha-se na motivação e na participação de seus comandados. A cada mês, sempre nas terceiras quintas-feiras, encontros como esse se repetem ? um em São Paulo, outro em Uberlândia, onde está localizado o call center da companhia. ?Líder mudo não chega a lugar nenhum?, diz ele.

Trata-se mais do que um instrumento de gestão participativa, da qual Magalhães se diz um adepto. O corpo-a-corpo com os funcionários faz parte do enorme esforço empreendido por ele para revitalizar o American Express no mercado brasileiro. A missão foi entregue a ele em 10 de setembro do ano passado, quando assumiu a presidência da companhia no lugar de seu xará Hélio Lima, que partia para comandar a área de cartões de crédito do Banco Itaú. Um dia depois, a sede da companhia em NovaYork, localizado em frente às torres do World Trade Center, foi evacuada e até hoje continua vazia. Mesmo assim, o Amex no Brasil procura expandir seus negócios. Ao longo de 2001, a companhia firmou parcerias com grandes companhias como Intelig, Net e Sony para patrocinar promoções conjuntas, trocar mailings de clientes e compartilhar ações de marketing e publicidade. Ao mesmo tempo, Magalhães está importando de outras filiais o que há de mais moderno em métodos de pesquisa e de estudos de mailings. A cada semana, Magalhães dedica algumas horas para conversar diretamente com clientes insatisfeitos. O ambiente do escritório da empresa em São Paulo é emblemático dessa nova fase. Todas as salas dos vice-presidentes e diretores são envidraçadas, o que, na opinião de Magalhães, permite uma comunicação mais rápida. Os departamentos não são divididos por paredes e sim por baias de um metro de altura. ?Não há feudos. A meta de Magalhães é conhecida por ali. Em três anos, o Brasil deverá ser o quarto maior mercado da Amex no mundo entre 50 países. Hoje ocupa a nona posição. ?Em 2001, tivemos o melhor resultado de nossa história por aqui?, diz ele. É a American Express que está renascendo no Brasil.

Ao assumir a presidência, Magalhães não trocou apenas de endereço profissional. Para assumir o novo desafio, ele encerrou uma temporada de cinco anos nos Estados Unidos, onde exercia o cargo de diretor regional de marketing para o banco de varejo do Citibank. Voltou ao Brasil com parte da família. A mulher Sílvia e o filho Conrado, de 13 anos, o acompanharam, mas a filha Paula, de 20 anos, ficou por lá estudando Psicologia. Aos 50 anos, formado em Economia pela George Washington University, nos Estados Unidos, Magalhães é um sujeito elegante. Esse traço torna-se visível nos ternos bem cortados e nas gravatas de seda que sempre combinam discretamente com a camisa. A elegância também aparece quando fala sobre a herança que recebeu na administração da empresa. ?Não há mudanças revolucionárias a fazer?, diz ele. ?Precisamos aprofundar e aprimorar o trabalho que já vinha sendo realizado.?

 

Revoluções não são necessárias porque Magalhães não concorda com uma percepção corrente no mercado. Segundo ela, o Amex não teria se aproveitado da explosão do setor no Brasil. Desde a criação do real e o fim das taxas estratosféricas de inflação, o número de cartões no Brasil dá saltos atrás de saltos. Hoje, há cerca de 35 milhões de tarjetas nas mãos de aproximadamente 50 milhões de consumidores. Esse aumento criou um mercado bilionário. Em 2001, a movimentação atingiu R$ 60 bilhões, contra cerca de
R$ 20 bilhões em 1995. Juntas, Visa e Mastercard concentram cerca de 95% desse mercado. Os 5% restantes são divididos entre as demais bandeiras e aí encontra-se o American Express, que teria sido lento no início dessa arrancada. A empresa não revela seus números no Brasil, mas estima-se que possua cerca de
800 mil a 900 mil cartões, que garantem uma movimentação entre
R$ 240 milhões e R$ 270 milhões.

O fato é que não se pode esperar uma presença maciça do nome Amex nesse mercado. Trata-se de um produto elitizado, destinado para um público endinheirado e sedento por símbolos de status e sofisticação. Mas sua expansão nos últimos anos não acompanhou a dos concorrentes. Segundo especialistas no setor, a empresa correu o risco de perder identidade. Uma de suas ações foi o lançamento de uma versão do Amex com crédito rotativo, algo inédito em sua história por aqui. Até então, os clientes não podiam financiar suas compras ? e aparentemente tinham dinheiro suficiente para não precisar fazê-lo. ?É uma forma de conquistar uma faixa de consumidores menos elitizados, mas há um certo risco de perda do charme da marca?, diz um especialista em marketing.

Em sua toada para conquistar mais espaço, a filial brasileira também não escapou de uma crise que abalou a matriz nos Estados Unidos. Lá a empresa envolveu-se em uma dura batalha judicial contra a Visa e a Mastercard para acabar com a exclusividade que as duas bandeiras mantinham na emissão de cartões de crédito de diversos bancos. A Amex ganhou a parada, mas a briga paralisou a empresa por cinco anos. Ao mesmo tempo, no Brasil, a empresa ganhou concorrentes inesperados: os bancos brasileiros que passaram a emitir seus próprios cartões. A maioria deles criou versões para seus correntistas mais abonados, justamente o público visado pelo Amex. ?Nossa preocupação não é necessariamente aumentar a base de clientes, mas em garantir que os atuais utilizem mais nosso cartão e aumentem sua fidelidade?, diz Magalhães. Hoje, a média de associação dos clientes é de sete anos e Magalhães acredita que isso possa ser melhorado.

Para atingir esse objetivo, ele não promoveu fortes reestruturações. Todos os seis vice-presidentes foram mantidos. Nas 15 diretorias, apenas em uma delas houve mudança. Magalhães aposta na aproximação com os clientes para conquistar fatias de mercado. Para isso, ele juntou 30 profissionais experientes e formou o que ele chama de ?guardiões dos clientes?. Cabe a eles definir ações para melhorar o relacionamento com o associado, aprimorar o ambiente de trabalho e garantir retorno financeiro para os acionistas.

Furar a fila. O próprio Magalhães tem se dedicado pessoalmente a essa tarefa. Todas as semanas, ele escolhe cinco clientes ?irritados?, como diz ele, e dispostos a cancelar o cartão. Todos já passaram por todas as instâncias e mantêm o firme propósito de cancelamento. Magalhães gruda no telefone e conversa longamente com eles. ?Meu índice de conversão é de 60%?, orgulha-se. Algumas conversas geram inclusive mudanças no processo de trabalho. Um cliente teve seu cartão fraudado. Ficou aborrecido ao descobrir o fato e furioso com a demora em receber o substituto. Por isso, pediu o cancelamento. Magalhães descobriu, a partir desse caso, que cartões
substitutos como esses entravam na fila normal de produção das tarjetas. ?Resolvemos que esses casos ?furariam a fila? e seriam despachados imediatamente?, diz ele. ?Depois liguei para o cliente, relatei a mudança e ofereci, em nome da empresa, um jantar para ele e a esposa.? Eis uma boa demonstração do estilo Magalhães de fazer negócios. Sua principal arma é a palavra, seja para reconquistar o cliente perdido, seja para motivar seus funcionários a ajudá-lo a manter o brilho ameaçado do mais charmoso cartão de crédito do mundo.