16/10/2017 - 15:30
Há décadas Hollywood tem antecipado muitas das tecnologias que saíram dos filmes de ficção científica para incorporar nosso dia a dia. Celulares, wearables, touchscreens, realidade virtual, carros autoguiados, drones, robôs e muitas inovações que protagonizaram grandes sucessos do cinema vêm transformando e inaugurando nos últimos anos uma nova civilização na qual novas formas de inteligência serão dominantes e tão essenciais às nossas vidas quanto é hoje a Internet e todas as inovações que surgiram a partir da sua invenção.
Em Blade Runner – O Caçador de Andróides, de 1982, o diretor Ridley Scott prevê um mundo em 2019 (daqui a menos de 2 anos, vale lembrar) habitado por humanoides que organizam um motim contra seus criadores. Blade Runnner 2049, dirigido por Denis Villeneuve, estreou há algumas semanas ressuscitando os androides 30 anos depois do primeiro filme com o mesmo roteiro que nos amedronta desde que o termo “Inteligência Artificial” foi cunhado pelo cientista John McCarthy em 1956.
O mundo poderá ser dominado por robôs? A humanidade corre riscos em desenvolver computadores inteligentes e com autonomia para tomar decisões? Eles irão roubar nossos empregos? Que outros perigos iremos enfrentar?
O megaempresário Elon Musk, dono da Tesla e da SpaceX, é um dos influentes que tem demonstrado preocupação, especialmente pela possibilidade dela detonar a terceira guerra mundial. Musk escreveu recentemente no Twitter que a Inteligência Artificial é mais ameaçadora do que o regime da Coreia do Norte. Outros notáveis apoiam Musk, como o professor Stephen Hawking, que também reforça a urgência de criar uma regulamentação para o desenvolvimento de armas autônomas.
Entre a ficção e a realidade, entre a ameaça e a (r)evolução, a Inteligência Artificial vem colocando ainda mais emoção na batalha entre as grandes empresas do Vale do Silício e de outros países que lideram o desenvolvimento de tecnologias do futuro e algoritmos. Max Tegmark, presidente do Future of Life Institute, acredita que “a inteligência artificial tem o potencial de ajudar a civilização a prosperar como nunca antes”.
Por que tanto interesse em torno da Inteligência Artificial?
Bem, basicamente porque, como prevê Richard Jackson, Vice-Presidente da NVIDIA, “ela irá mudar o mundo exatamente como aconteceu com a Internet no final da década de 90”. Na visão dele, a Inteligência Artificial será parte de todas as indústrias, isto é, se tornará a base para o desenvolvimento de novos produtos, serviços, negócios e, acreditem, transformará e impactará nossas vidas muito antes do que possamos imaginar.
Na verdade, a Inteligência Artificial já está aí e é alvo da disputa de empresas como Google, Amazon, Apple, Microsoft, General Electric, Facebook, Intel, Oracle, Cisco e tantas outras, que se apressam em dominar uma tecnologia que rapidamente está se tornando a plataforma, assim como foi a Web, para o nascimento de startups disruptivas desenvolvedoras de aplicações em áreas tão distintas quanto finanças, transportes, medicina, educação, publicidade e varejo.
Um mundo povoado por androides pode ainda ser ficção científica, mas a Inteligência Artificial já se tornou a nova queridinha dos fundos e empresas de Venture Capital.
De acordo com a CB Insights, mais de 650 empresas de IA levantaram cerca de US$ 5 bilhões em investimentos em 2016 contra US$ 589 milhões aportados em 160 startups em 2012. Os Estados Unidos lideram, com 62% das empresas investidas, seguidos pelo Reino Unido (6,5%), Israel (4,3%) e Índia (3,5%).
Para entender o potencial da Inteligência Artificial e suas inúmeras aplicações vamos dar um passo atrás e olhar para sua definição. A melhor e mais simples: a IA é a criação de sistemas capazes de realizar tarefas que normalmente requerem a inteligência humana, como funções cognitivas, por exemplo.
Seu boom nos últimos anos é decorrente do veloz desenvolvimento e associação dos supercomputadores e da computação em nuvem, da capacidade cada vez maior de capturar, analisar e processar dados em alta velocidade, da construção de redes neurais e de um arsenal de softwares que permitem treinar as máquinas.
Com todos estes rápidos avanços tecnológicos, sistemas ganham habilidade de adquirir conhecimento, raciocinar, solucionar problemas, manipular objetos e muitas outras tarefas que, você pode nem notar, estão sendo incorporadas ao nosso novo jeito de viver em um mundo mais e mais conectado.
Neste novo universo alicerçado pela Inteligência Artificial estão sendo criados novos hábitos, novas profissões, novas formas de comunicação e consumo, novos negócios e inovações que ainda sequer foram profetizadas.
Quando faz uma pesquisa no Google, realiza a compra de um produto recomendado pela Amazon, assiste um filme sugerido pela Netflix, pergunta algo ao Siri do seu iPhone ou conversa com um chatbot pelo Messenger; em qualquer uma destas ações você está usando Inteligência Artificial. No campo da Internet das Coisas, ela está sendo empregada no desenvolvimento dos carros autônomos, casas e cidades inteligentes e novos produtos interconectados que irão sair dos laboratórios nas próximas décadas.
O Google é apontado como o pole position entre os ícones da tecnologia com a invenção de gadgets espantosos, como o fone de ouvido, lançado há poucos dias, que permitirá fazer tradução simultânea em 40 línguas. A empresa também quer dominar a Inteligência Artificial permitindo que outros desenvolvedores criem aplicações sobre sua plataforma aberta TensorFlow, o que a coloca na dianteira da nova revolução.
Mas que aplicações e implicações a Inteligência Artificial já está trazendo e ainda irá trazer para nossas vidas?
De forma simplificada, elas estão baseadas especialmente em três áreas: Machine Learning, Deep Learning e Natural Language Processing.
Talvez a mais utilizada, o Machine Learning permite aos sistemas desenvolver a habilidade de aprender e aprimorar conhecimentos a partir de experiências sem ter sido explicitamente programado para esta função. Em outras palavras, não é necessário que um programador estabeleça as regras, pois a própria máquina as detecta e entende através dos dados disponíveis e as adapta na medida em que as informações vão se acumulando.
O resultado são retornos de pesquisa na web mais precisos, classificação de imagens, filtragem de spam, entre outros benefícios ao usuário. As recomendações online da Amazon e da Netflix são bons exemplos de aplicações de Machine Learning incorporadas aos nossos novos hábitos de consumo.
O Deep Learning está em um nível mais sofisticado e tem a capacidade de perceber e assimilar vários e complexos comportamentos e padrões e, a partir daí, apresentar resultados para tarefas mais parecidos com os de uma pessoa (more human like results).
É a técnica mais poderosa atualmente. Sistemas de recomendações para e-commerce estão começando a utilizar esta tecnologia em combinação com Machine Learning. O objetivo é fazer com que os resultados sejam similares ao de um bom vendedor de uma loja física, conseguindo entender as peculiaridades e preferências de cada possível comprador.
Já a Natural Language Processing possibilita aos computadores analisar, entender e concluir através da fala humana. Traduções, análise de sentimentos, reconhecimento de fala, segmentação por tópicos e conversão de fala em texto são algumas de suas aplicações. O voicebot Alexa, da Amazon, é uma tecnologia desenvolvida a partir da Natural Language Processing.
Os humanoides de Blade Runner ainda não são realidade. Mas não devem demorar muito para estar entre nós; é só esperar pra ver. Ainda não foram criados replicantes que imitam perfeitamente humanos, como no filme, mas, não se assuste, o que dizer de Sophia, a robô criada pelo Dr. David Hanson, da Hanson Robotics?
Inspirada na atriz Audrey Hepburn, Sophia é impressionantemente parecida com um humano, sendo capaz de reproduzir milhares de expressões faciais, entender o significado de palavras e responder perguntas bastante complexas. A estrela robótica já concedeu entrevistas, foi capa de revista de moda, participou como palestrante em conferências, aconselhou empresários poderosos e fez há alguns dias um discurso nas Nações Unidas.
É ao mesmo tempo fascinante e amedrontador. De acordo com pesquisa da Pew Research, mais de 70% dos americanos estão preocupados com um mundo em que as máquinas irão executar tarefas até hoje feitas apenas por humanos.
Se as próximas gerações de Sophia irão dominar o planeta e adquirir autoconsciência para assumir papéis destrutivos, como alardeia Elon Musk, é algo que talvez os roteiristas de Hollywood possam nos responder nos seus próximos filmes. Mas ignorar os avanços e benefícios que já ganhamos com as novas máquinas não me parece nem um pouco inteligente.
(*) Salomão Filho é investidor em startups de tecnologia e diretor e sócio da Propulse Analytics, empresa de tecnologia em Inteligência Artificial que desenvolveu uma ferramenta de previsão de compras para e-commerce.