01/11/2017 - 13:41
Recentemente vivi um episódio bizarro na ponte São Paulo – Rio. Não há outra classificação para o que tive que passar. De tão ruim, o atendimento que recebi da companhia aérea mais parecia seguir uma cartilha de como fazer tudo certo para dar tudo errado.
Uma piada (de muito mau gosto).
A total falta de atenção a mim dispensada é um belo case de como as empresas ainda não acordaram para realidade de um novo mercado extremamente exigente onde, tão importante quanto oferecer um bom produto, é vital proporcionar uma experiência positiva e surpreendente ao longo de toda jornada, em cada ponto de interação com o cliente.
A jornada do consumidor começa no primeiro contato com a empresa, seja na Internet ou no mundo físico, e termina com a entrega do produto ou serviço. E segue pelo pós-venda. Cada vez que o cliente faz contato com a empresa (por email, via chat ou SMS, no call center, na loja ou qualquer outro canal), ele precisa ter uma experiência linear, satisfatória, que supere suas expectativas.
Será que estamos acostumados a aceitar serviços medíocres e temos um nível de exigência muito baixo? O que leva as organizações a tomar atitudes ao longo da jornada do consumidor que exterminam sua boa imagem e contaminam negativamente outros potenciais e atuais clientes? Por que parecem fazer o impossível para perdê-los para concorrência?
No meu caso, minha jornada começou com a compra da passagem pela Internet. Até aí tudo bem. Mas só até aí. Depois foi um festival de tropeços, falta de comunicação, desdém e justificativas estapafúrdias que só aumentaram minha frustração e irritação.
Justamente no momento mais importante da minha experiência, o embarque, os funcionários adotaram as “best practices” para enterrar a imagem de uma empresa que minimamente se importa com seus clientes.
Acompanhe minha cruzada cheia de tropeços e como a companhia fez tudo “certinho” em cada etapa para me transformar em ex-nunca mais-cliente em uma tragicomédia de 60 minutos:
Minuto 1, o primeiro tropeço: a funcionária observou a jornada do consumidor a partir do seu ponto de vista; e não do meu (do cliente).
Cheguei ao balcão da companhia com imperdoáveis 5 minutos de atraso para fazer o check-in no meu voo original. Apesar de não ter bagagem para despachar, meu embarque não foi autorizado.
Claro, pra que facilitar se posso vender dificuldades ao cliente?
Tudo começou com esta falta de flexibilidade. Já neste primeiro minuto, ao deixar de se colocar no meu lugar, a atendente não levou em conta minhas expectativas e frustrações para entregar um serviço que, aos olhos dela, da empresa, parecia apenas rotineiro, dentro dos padrões aceitáveis de atendimento, mas na minha visão foi pífio.
Ela não se importou se minha jornada estava tendo um bom começo exatamente ali, no aeroporto, na hora H da entrega do serviço.
Minuto 12, o segundo tropeço: a empresa não identificou os pontos críticos no atendimento ou meus sentimentos (do cliente).
Já no primeiro impacto a funcionária do balcão não se sensibilizou nem um pouco se eu teria que ficar mais um tempão aguardando o próximo voo e se chegaria atrasado ao meu compromisso no Rio.
Cada um com seus problemas, mesmo que este cada um seja seu cliente, né não? Se estou p… da vida e tenho vontade de esganar a atendente isso é problema meu e não da companhia. Para que se dar conta de que estou indignado e achando o atendimento uma porcaria?
Muito solícita (só que não), ela me informou que iria fazer a gentileza de me colocar na lista de espera do próximo voo, mas que eu deveria esperar a confirmação.
Coloquei minhas vestes de monge budista, controlei a ansiedade, abasteci o tanque da paciência e, ótimo!, 5 passageiros foram convocados, entre eles eu. Após entregar nossos bilhetes, a própria atendente recomendou que corrêssemos ao portão de embarque para não perdermos o voo.
Minuto 24, o terceiro tropeço: desconexão entre os departamentos e me tratar (o cliente) como se jamais fosse a mesma pessoa.
Ao chegar no embarque (surpresa!) a minha passagem e de outras duas passageiras haviam sido impressas, adivinhem, para o voo seguinte, claro. E o que podíamos esperar? Embarcar no voo para o qual a atendente nos havia feito disputar uma prova de atletismo pelo saguão do aeroporto? Estamos pedindo demais, não?
A funcionária do portão só ligou para a moça (sim, aquela) do check-in depois de muita insistência nossa. Amnésica, a dita-cuja alegou, óbvio, que não se lembrava de ter emitido nossas passagens.
Comecei a ficar em dúvida sobre minha própria identidade. Seria eu Venâncio Velloso, como estava escrito no bilhete? Apesar de ter feito o check-in, apresentado meu RG, emitido a passagem e cumprido toda as etapas até chegar ao portão, bem na hora do embarque eu não era mais (mistério!) o passageiro convocado na lista de espera.
Minuto 36, o quarto tropeço: insistir no erro, não reconhecer e não oferecer qualquer recompensa.
Eu e as outras duas passageiras retornamos furiosos e indignados ao check-in para tentar refrescar a memória da atendente. Como era de se esperar, a moça fez cara de paisagem e não foi capaz nem mesmo de nos oferecer um lexotan.
Pedimos para chamar o gerente, que não podia ser a melhor representação do gerente “tô-nem-aí”. Depois de explicarmos toda situação, o que ouvimos foi que houve um “erro sistêmico” e um lacônico “o que o senhor quer que eu faça?”.
Oras! Nunca vi um sistema errar a emissão de 3 em 5 passagens. O que houve foi um erro humano e eu quero é que você resolva nosso problema!
Se esta empresa tivesse um bom banco de dados e uma organização eficiente das informações poderia ter revertido nossa insatisfação fazendo um contato posterior por telefone, SMS, e-mail ou qualquer outro canal oferecendo um pedido de desculpas ou alguma compensação. Se sabem que sou passageiro assíduo da ponte aérea, qualquer mimo ou desconto já amenizaria minha péssima experiência.
Perderam a oportunidade, mais uma vez.
Minuto 48, o quinto tropeço: não estabelecer indicadores de performance.
Pelo comportamento de cada um dos funcionários da companhia, tudo indica que nenhum deles tem clareza, se é que existem, dos indicadores de performance e da avaliação por desempenho.
Se estivessem incorporados na cultura da empresa, provavelmente seriam mais cautelosos no trato com os clientes. Mas, ao que tudo indica, o melhor mesmo é não avaliar ninguém para evitar constrangimentos ou, pior, que seus executivos atinjam metas que podem melhorar a percepção da marca.
Primeiro mandamento destas empresas: se o cliente nunca mais irá fazer negócios com você, deixa pra lá. É só mais uma venda perdida. Se ele colocou a boca no trombone nas redes sociais e nos sites de defesa do consumidor, feche os olhos. Se definir que os índices de melhoria de atendimento devem ser mais altos, correm o risco de agradar seus clientes e, tragédia total, conquistá-los para sempre. Se não observam e mensuram os sinais de insatisfação não há nada para consertar, não é mesmo?
Minuto 60, o sexto e fatal tropeço: mais um cliente perdido e mais um hater para falar mal da empresa.
São muitas as evidências de que as relações das empresas com seus clientes precisam acompanhar o avanço de uma economia cada vez mais conectada, integrada, competitiva e repleta de oportunidades aos que sabem mapear e cuidar de cada etapa da jornada do consumidor.
Mesmo assim, muitas se mostram indiferentes aos clientes e não constroem um relacionamento saudável e amistoso que traga novos ‘likers’ para marca.
Em plena era da revolução digital, a reverberação negativa pelas redes sociais contabiliza prejuízos ainda maiores e cria uma legião de ‘haters’ que não perdoam e metralham empresas incapazes de oferecer um atendimento personalizado e de qualidade.
A boa notícia é que nunca foi tão fácil saber quem é seu cliente, quais seus anseios, que experiências quer viver e, acima de tudo, o que o deixa infeliz. Negócios que preferirem ficar ancorados no ‘jeitinho brasileiro’ de atender e dar as costas aos consumidores vão fatalmente engordar a lista de falências e concordatas.
A digitalização dos negócios trouxe um arsenal de recursos para mapear, monitorar e mensurar passo a passo toda peregrinação do consumidor, permitindo identificar cada momento do contato do cliente com a empresa, em todos os canais, on e off-line. Há infinitas possibilidades de extrair, analisar e cruzar dados para gerar leads e converter a venda oferecendo uma experiência incrível que seja inesquecível e fidelize o consumidor.
Ao acompanhar a trajetória on-line do cliente, a marca pode identificar quais atributos procura, quais são suas motivações, o que mais o engaja e o que o leva a desistir da compra. Se a pesquisa começa na Internet e a compra é concluída na loja física, a experiência tem que ser positiva em todos os momentos. Afinal, o consumidor é o mesmo, esteja ele no ambiente digital ou no mundo real.
E não custa nada lembrar: um cliente satisfeito voltará a comprar e pode muito bem compartilhar sua ótima experiência de consumo, gerando o famoso marketing boca-a-boca que ajuda a tracionar e viralizar sua marca nas mídias sociais, incrementando a base de followers e criando um ciclo virtuoso (network effect) muito poderoso.
Vai abrir os olhos e ouvidos pro seu cliente ou vai esperar que seu concorrente o roube de você?
(*) Venâncio Velloso é empreendedor, fundador do WebPesados e da consultoria DIB (Digital Innovation Builders). Acaba de retornar ao Brasil depois de uma temporada em Cambridge, onde foi cursar MBA na MIT (Massachusetts Institute of Technology).