09/11/2017 - 7:25
Nos últimos dois meses, a rotina da empreendedora paulistana Adriana Barbosa, já costumeiramente atribulada, ganhou uma aceleração de prova de Formula 1. No final de setembro, mais precisamente no dia 26, Adriana esteva em Nova York, para receber um prêmio por constar da lista dos 51 afro-descentes com menos de 41 anos mais influentes do mundo, durante um jantar organizado pelo MIPAD, sigla em inglês para a organização Most Influential People of African Descent. “Foi a primeira vez que uma mulher negra da América Latina foi contemplada”, diz Adriana, que por sua vez indicou para a premiação o casal de atores globais Lázaro Ramos e Tais Araújo.
A razão da honraria recebida nos Estados Unidos, é também o outro motivo para o ritmo alucinante das atividades de Adriana, cujas jornadas de trabalho, que começam nas primeiras horas da manhã, nunca ficam em menos de 12 horas por dia. Formada em gestão de eventos pela Anhembi Morumbi, 40 anos, mãe de uma filha, Adriana é a fundadora e a principal executiva da Feira Preta, o maior evento de empreendedorismo negro latino-americano, cuja 16ª edição começou nesta quarta feira, 8, em São Paulo. Seus dias são tomados por incontáveis reuniões com patrocinadores, expositores, artistas e com representantes do poder público para viabilizar a FP.
Criada literalmente na raça, graças à colaboração de familiares e amigos voluntários, a Feira Preta começou sua trajetória em 2002, na Praça Benedito Calixto, no bairro de Pinheiros, a partir de uma necessidade pessoal da própria Adriana: desempregada, começara a vender roupas em pequenos eventos para garantir sua subsistência.
Da experiência ambulante, surgiu a ideia de um evento num local fixo, que atraísse pequenos empreendedores e consumidores negros. Além da atividade comercial propriamente dita, o menu incluía manifestações culturais e show musicais – a cantora Paula Lima, que se apresentou na primeira edição, se tornou uma espécie de “madrinha” da Feira Preta. “Foi um sucesso de público, tivemos mais de cinco mil visitantes”, diz Adriana.
O resto é história. Uma história de sucesso, é verdade, mas sempre recheada de sacrifícios e mil dificuldades a cada ano. Com o decorrer do tempo, as novas edições foram realizadas em recintos mais amplos, como o Centro de Convenções do Anhembi, que chegou a reunir 15 mil visitantes.
Adriana calcula que até hoje, mais de 140 mil pessoas participaram da FP, que reuniu cerca de 700 expositores e movimentou algo em torno de R$ 4 milhões, além de fomentar o surgimento e a consolidação de algumas dezenas de pequenas empresas comandadas por afro-brasileiros.
Ao mesmo tempo, mais do que se tornar um local para a comercialização pura e simples de produtos e serviços, a Feira Preta passou a praticar o chamado empreendedorismo social, a partir de uma consultoria da Artemísia, organização pioneira no fomento de negócios de impacto social no Brasil, que fez um aporte de R$ 40 mil na Feira Preta. “Começamos a entender que era mais que um simples evento, que era uma plataforma com foco na população negra”, diz Adriana. “Estamos convencidos de que o empreendedorismo é o carro-chefe para o nosso empoderamento.”
Para que acompanha de perto a movimentação de Adriana e de sua equipe, provavelmente, a edição de 2017 tenha sido a mais trabalhosa de tantas quantas já aconteceram até agora. Tradicionalmente, as edições anteriores se realizam num único dia, reunindo todas as atividades – das comerciais às culturais – num mesmo endereço,
No entanto, em busca da inovação e da renovação da marca, a palavra de ordem neste ano foi a descentralização, com uma programação que se desenrolará ao longo de novembro, o mês da Consciência Negra. Durante três semanas, a capital paulista será ocupada por feiras de livros e literatura, shows de Black Rocks, workshops de formação profissional, exposição sobre a inventividade negra, apresentação do Balé da Cidade, no Theatro Municipal, dirigido pelo bailarino negro Ismael Ivo. Além, naturalmente, da feira de empreendedores, que contará com 90 expositores e acontecerá no dia 18, na Praça das Artes, na região central de São Paulo.
Neste ano, estima-se que colocar em pé a Feira Preta custará ao redor de R$ 600 mil. Uma parte desses recursos será fornecida por apoiadores como Bradesco, Bayer, Cabify, Cavalera e Itaú. Mas, como nas edições anteriores, provavelmente a contribuição das empresas privadas não será suficiente para cobrir os custos. Em praticamente todos os anos, a Feira Preta tem sido deficitária.
Em outras palavras: apesar de ser uma marca consagrada junto à comunidade negra, capaz de atrair caravanas de visitantes de todo o Estado de São Paulo e de diferentes regiões do País, a Feira Preta ainda não foi devidamente valorizada, seja pelo poder público, seja pelas empresas brasileiras. Para a criadora da Feira Preta, o fenômeno reflete um desconhecimento generalizado do potencial representado pelos afrodescendentes.
Afinal, eles representam 53% dos brasileiros, constituem uma população economicamente ativa de 27 milhões de pessoas, com uma capacidade de consumo estimada em R$ 1,5 trilhão.
Além do desconhecimento, alinham-se o preconceito, traduzido no temor de que a Feira Preta não passe de um evento étnico, racial. “Sempre foi difícil fazer os potenciais patrocinadores entenderem que a Feira é um negócio, já que mais da metade da nossa população é negra, com uma enorme capacidade de consumo, capaz de criar muitas oportunidades de negócios”, afirma Adriana, que reclama, ainda, da falta de linhas de financiamento no sistema bancário voltados às necessidades e peculiaridades dos empresários negros. “Eles enfrentam inúmeras barreiras para evoluir do estágio de microempreendedores”.
A despeito das adversidades(sua viagem a Nova York, por exemplo, para receber a premiação do MIPAD, foi viabilizada por uma vaquinha promovida por amigos e pelo pagamento das passagens pelo executivo Theo van der Loo, CEO da Bayer), Adriana está convencida do potencial de crescimento da Feira Preta no universo do empreendedorismo no Brasil. Ela busca no exemplo dos Estados Unidos, onde os negros representam apenas 13% da população, menos de um quarto da proporção existente no Brasil. “Nos Estados Unidos também houve escravidão, mas lá a população negra conseguiu se superar”, diz. “Tem canais de comunicação, canais de TV, revistas, hospitais, indústrias, um mercado absurdo, enfim.”
Ela acredita que o exemplo americano mostra que os negros brasileiros têm condições de se tornar uma potência do ponto de vista econômico. “Nosso desafio é avançar na perspectiva de potencializar a população negra enquanto produtora e consumidora”, afirma Adriana, que não esconde sua admiração pela apresentadora de TV americana Oprah Winfrey, dona de uma fortuna avaliada em US$ 3,1 bilhões. “É uma fonte de inspiração“, afirma. “Além de assumir a questão racial, ela tem uma pegada criativa e é uma empreendedora incontestável.”