21/11/2017 - 8:25
Ao lembrar do episódio que ficou conhecido como cratera do metrô, quando um acidente na obra da Estação Pinheiros, na zona oeste paulistana, deixou sete mortos em 2007, Vahan Agopyan reflete sobre a engenharia – e sobre ele mesmo. Agopyan era o presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) na época, órgão responsável pelo laudo que indicou, entre outros problemas, que empreiteiras não consideraram a complexa geologia do terreno. Ele foi voluntariamente ao local da obra assim que soube do caso. “Engenheiro é o profissional que toma decisões na incerteza.”
Naquele caso, diz ele – engenheiro civil, professor e ex-diretor da Escola Politécnica – houve falhas e o resultado foi trágico. Mas há sempre riscos. “É preciso calcular bem e saber quantos riscos você pode assumir.”
Agopyan assume em 25 de janeiro uma Universidade de São Paulo (USP) cheia de incertezas. A crise financeira deu um respiro, mas ainda preocupa. As reservas da instituição estão quase zeradas e 90% do orçamento está comprometido com o pagamento de professores e funcionários.
Ao mesmo tempo, docentes reclamam da baixa remuneração e falta de atratividade na carreira. Estudantes convivem com problemas de estrutura e de segurança no câmpus. Um dos mais importantes rankings internacionais rebaixou pela primeira vez a universidade, que ainda sofre com a desconfiança de grupos que discordam do recém-aprovado sistema de reserva de vagas – as cotas – no vestibular.
Acomodado ainda em sua sala de vice-reitor, com cópias oficiais de obras de Cândido Portinari nas paredes, Agopyan diz que não há “nenhum governo que investe tanto em ensino superior como o Estado de São Paulo”. A USP recebe atualmente cerca de 5% da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do Estado. Ele faz a declaração e logo se arrepende. “Isso nem é bom o governador ouvir”, completa, em tom de brincadeira.
Uma de suas primeiras medidas, segundo ele, será a de montar grupos de trabalho para estudar formas de a USP se inserir na sociedade. A ideia é que essas equipes identifiquem áreas em que os profissionais da universidade podem propor políticas públicas, por exemplo. “Na hora que a USP interage com a sociedade, a sociedade reconhece a importância da USP. Não é assistencialismo, não é querer fazer o papel do outro, é colaborar.”
E ainda receber recursos financeiros extras. “Há muitas prefeituras de pequeno ou médio porte a que podemos fornecer modelos, treinamento, criar padrões para elas adotarem. Isso pode ser pago.”
A busca por novas fontes de financiamento é um dos grandes debates atuais na universidade. Críticos temem justamente o tipo de compromisso que a USP terá de assumir ao fazer parceiras em busca de recursos. “Ninguém dá R$ 1 milhão para a USP e diz: ‘Faz aí o que você quiser’”, afirma o presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp), Rodrigo Ricupero.
O novo reitor que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) escolheu na semana passada intercala constantemente frases e sorrisos. Consegue, por vezes, mais atenção e simpatia do interlocutor. “Ele é amoroso”, define Kelly Agopyan, de 25 anos, a filha mais nova. A moça é mestranda de Relações Internacionais da USP e não faz muita propaganda do parentesco para evitar chateações. “Vai doer ouvir críticas públicas contra ele, mas vou tentar não levar para o lado pessoal.”
Kelly se formou na Pontifícia Universidade Católica (PUC) e diz que não quis estudar Relações Internacionais na USP porque a estrutura do curso não era boa na época. Mesmo assim, o pai a convenceu a prestar a Fuvest, processo seletivo da USP. Escolheu Geografia, entrou, mas desistiu do curso. “Queria ir para a ONU, como todo mundo que faz Relações Internacionais.” A convicção mudou depois de trabalhar durante três anos na Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura, na gestão Fernando Haddad (PT). “Mudou a minha vida. Percebi que posso gerar um impacto social fortalecendo políticas públicas.”
A experiência em um órgão público a aproximou mais do pai, que fez carreira na administração da universidade. Agopyan passou por vários cargos de gestão na USP. Foi chefe de departamento, vice-diretor da Poli, diretor e pró-reitor de Pós-Graduação na gestão de João Grandino Rodas. Ele e Marco Antonio Zago, atual reitor, apesar de terem feito parte da equipe anterior, mudaram de lado. Hoje culpam Rodas pela atual crise financeira. Mas, durante as eleições, Agopyan foi acusado de complacência.
“Eu me arrependi de não ter sido mais insistente, de não ter acompanhado pari passu. Mas ele (Rodas) era muito fechado. Ninguém sabia a real situação financeira da USP.” Atualmente, há novas regras e o reitor precisa submeter o orçamento e suas decisões sobre ele ao Conselho Universitário. “Se nós tivéssemos nos rebelado um pouco antes, poderíamos ter evitado (a crise).”
Antes, Agopyan havia sido diretor da Poli entre 2002 e 2006, em gestão marcada pela internacionalização da faculdade. Foi ele quem começou o programa de duplo-diploma com instituições estrangeiras, do qual já participaram cerca de mil alunos.
À espera de netos
O jovem Agopyan entrou na USP em 1970 aprovado no curso de Engenharia Civil. Militou no movimento estudantil durante a ditadura, o que hoje é um orgulho para os integrantes do centro acadêmico da faculdade. “Agora, a gente pode dizer que o reitor da USP foi nosso presidente”, diz Bruno Massaro, de 22 anos, aluno do quarto ano. Ele conta que conheceu Agopyan apenas em palestras, mas que o considera um homem “sério”.
Durante a faculdade, o turco nascido em Istambul, conseguiu enfim a sua cidadania brasileira. Foram duas alegrias para o pai Ashot, de origem armênia. Ele veio para o Brasil em 1956, fugido da perseguição aos cristãos na Turquia. Ashot era biólogo e, assim que chegou, foi bater à porta da USP em busca de emprego. Descobriu então que o processo de validação de diploma levaria tempo demais para um refugiado que precisava sustentar a família. Ele desistiu da carreira acadêmica e abriu uma floricultura. Anos depois, viu seu único filho tornar-se professor titular da instituição.
O novo reitor não tem lembranças do tempo em que vivia na Turquia. Ele saiu de lá aos 4 anos e voltou só como turista. Mas se emocionou, a ponto de ler duas vezes, com Istambul, de Orhan Pamuk, Prêmio Nobel de Literatura em 2006. O livro retrata a melancolia do povo turco que conheceu o império e a decadência. “Me marcou muito o jeito que ele descreve a nostalgia, aquela tristeza da família dele.”
Fora a leitura, Agopyan corre. O hábito começou há cerca de dez anos, quando um médico o alertou para a possibilidade de problemas cardíacos. Perdeu cerca de 20 quilos e todos os dias faz exercícios, antes de começar a trabalhar, por volta das 8 horas.
Ele acumula pesquisas na área de materiais de construção, em busca de cimentos ou tijolos mais sustentáveis. “Era um professor de sala sempre cheia”, lembra o atual diretor da Poli, José Roberto Piqueira. Agopyan deixou de dar aulas na graduação quando a filha mais velha, Anne, hoje com 32 anos, se tornou aluna da faculdade. “Achei que ela não ia ficar à vontade.”
Anne também é engenheira civil, trabalha numa consultoria e sofre “pressão” do pai para ter filhos. “Tiro fotos com os netos dos meus colegas, mando WhatsApp para elas, para ver se elas se entusiasmam. Daqui a pouco, não tenho condições de carregar meu neto”, brinca ele, prestes a completar 66 anos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.