O executivo paulista João Campos, CEO da Pepsico no Brasil, completou a maratona de Chicago, em outubro do ano passado. Foi a sua quinta corrida da distância de 42 km. Cada uma delas exige, além de muito gás – como se diz no jargão esportivo –, um esforço considerável e muita disciplina pessoal. “Treino três dias por semana e faço, em média, uma maratona a cada dois anos”, diz. “Gosto de perseguir um objetivo e traçar como vou chegar lá.” O paralelo é óbvio com a missão que ele recebeu, em meados de 2015, ao assumir o comando da operação local da Pepsico, egresso da vice-presidência voltada para a marca Kibon na anglo-holandesa Unilever. Campos chegou à empresa americana no momento em que a CEO e chairman Indra Nooyi conduz uma transformação global que busca apagar, em parte, a percepção de junk food de seus produtos.

No Brasil, a Pepsico é famosa principalmente pela Pepsi, a bebida rival da Coca-Cola e que está fazendo 125 anos em 2018, pelo achocolatado Toddy e pelos salgadinhos Elma Chips. Nada muito saudável. A companhia precisava de um novo plano para se manter relevante. Desde o início desta década, ela vem mudando a receita de seu cardápio, diminuindo o sódio e o açúcar na fórmula de seus produtos. No mundo, 45% da receita, que atingiu US$ 62,8 bilhões em 2016, já vem das chamadas nutrition foods, os alimentos “livres” da culpa de consumo. Em termos de evolução de produtos, a subsidiária brasileira já está no mesmo nível de avanço, segundo Campos. No quesito faturamento, a empresa não revela os resultados locais. Mas estima-se que supere os R$ 5 bilhões.

Tradicionalmente, a receita é bem equilibrada entre as categorias de bebidas e de alimentos. No terceiro trimestre de 2017, por exemplo, as bebidas representaram 55% da receita da América do Norte. A companhia divulgou apenas que, no terceiro trimestre de 2017, as operações brasileiras cresceram em torno de 5%, em comparação com o ano anterior. É um avanço importante, já que nos resultados consolidados de 2016 houve queda de 16% nas vendas na América Latina, impactadas primeiramente pelas operações na Venezuela, mas também pelas brasileiras. Quando Campos assumiu a operação local, a sexta maior do mundo, ela vinha perdendo importância dentro da organização. No começo da década, o Brasil representava 4% do faturamento mundial.

1 – Cecília Dias: diretora de produtos de nutrição / 2 – Tarik Mohallem: diretor de biscoitos / 3 – Andrea Napolitano: diretora de bebidas / 4 – Daniela Cachich: diretora de snacks

Cinco anos depois, com a crise econômica, passou a ser metade disso. Então, parecia claro que a companhia precisava corrigir o rumo e buscar um alinhamento maior com a performance mundial da empresa. Na virada de 2016 para 2017, uma estratégia definida por Campos e sua nova equipe para promover a inovação de produtos, a diversidade e a agilidade no ambiente de trabalho entrou em ação. “A inovação não se expressa só no produto”, afirma o CEO. “Tem de estar presente em tudo que fazemos e a nossa equipe precisa ser formada por pessoas únicas, que tragam autenticidade para as conversas e decisões corporativas.” No fim de 2017, a empresa teve duas grandes novidades que representam bem essa estratégia.

A centralização do escritório administrativo da companhia num único local, no bairro do Itaim, na Zona Sul de São Paulo, trouxe mil pessoas que estavam espalhadas por três prédios pela cidade. A produção continua descentralizada em 16 fábricas, que contam com a maior parte dos 13 mil funcionários no Brasil. Não é por acaso que o escritório foi batizado de “Único”. Dentro dele, ninguém tem estações de trabalho fixas e os poucos telefones ficam nas salas de reuniões. Isso obriga as pessoas andarem pela empresa com os seus laptops e resolver os problemas com conversas diretas. “A quantidade de e-mails enviados diminuiu drasticamente”, diz o executivo.

A segunda novidade talvez seja o maior símbolo deste momento: a inauguração, no fim de novembro, de um centro global de inovação no Brasil. É o sétimo do mundo e emprega 79 cientistas de nutrição, de engenharia de alimentos e outras disciplinas correlatas. Com investimento de US$ 25 milhões, localizado num complexo de 4,5 mil metros quadrados em Sorocaba (SP), ele foi montado para concentrar estudos de biodiversidade e de ingredientes brasileiros, como tapioca, mandioca, inhame e açaí, que possam ser utilizados em alimentos e bebidas vendidos em todo o mundo. Enquanto o centro era preparado, as pesquisas aceleraram. Alguns dos novos produtos já estão alcançando plataformas globais. “A (marca brasileira de água de côco) Kero Coco, que ganhou uma versão Kids sem açúcar, já está sendo vendida na Colômbia e no Panamá”, diz Andrea Napolitano, diretora da divisão de bebidas da Pepsico no Brasil. “E agora estamos levando ela para a toda a América Latina.”

Outra novidade brasileira do último ano são as barras que misturam cereais e frutas, que utilizam o nome da tradicional marca de aveia Quaker e que devem ser vendidas pela empresa em todo o mundo. Ao todo, foram mais de 40 lançamentos em 2017. Apenas na linha de biscoitos foram mais de dez. “Foi o período de maior inovação na Pepsico em muitos anos”, diz Tarik Mohallem, diretor da categoria biscoitos. “Descobrimos territórios inexplorados por nós e pela concorrência.” As marcas Doce Vida, de biscoitos sem açúcar, e Eqlibri, de salgadinhos com apelo “mais natural”, foram completamente repaginadas. Esta última perdeu 46% do sódio. “Estamos conseguindo crescer em categorias em que o consumo cai, como em salgadinhos”, diz Daniela Cachich, diretora da divisão de snacks. Segundo estimativa da empresa de pesquisas de mercado Euromonitor, as vendas de snacks da Pepsico subiram 5,5% em 2017.

Todas essas inovações em produtos estão em linha com uma necessidade maior de mercado. “Como já foram o cigarro e as bebidas no passado, os vilões desta década são os alimentos considerados não saudáveis, por causa do aumento da obesidade e da diabetes pelo mundo”, diz Marco Quintarelli, analista da Azo Negócios, consultoria especializada em varejo. A Pepsico já avançou nesse sentido, começando com os snacks com menos sódio e com a linha Doce Vida, voltada para diabéticos, uma população que soma 16 milhões de pessoas no Brasil. Por outro lado, o mercado de refrigerantes, origem da companhia, caiu de R$ 47,3 bilhões de faturamento, em 2016, para R$ 46,2 bilhões, em 2017, no Brasil, segundo cálculos da Euromonitor. A expectativa é de que o crescimento desse segmento, que foi de 41,8% entre 2011 e 2016, caia para 5,5% no período de 2016 até 2021. “Antes mesmo da crise já se percebia uma mudança do consumidor”, afirma Angélico Salado, analista de alimentos e bebidas da Euromonitor. “Depois dela, produtos considerados não essenciais pela população foram substituídos.”

Além da Pepsico, as outras gigantes do setor de alimentos e bebidas vêm se posicionando para não ficar para trás com a evolução dessas tendências. São os casos das compras recentes do laticínio mineiro Verde Campo, pela Coca-Cola, e da marca de produtos orgânicos Mãe Terra, pela Unilever. “As empresas adquirem marcas associadas a uma vida mais saudável porque as mais tradicionais já são muito conhecidas como produtos de escala industrial. E todos sabem que não são saudáveis”, diz o consultor Quintarelli. Quando João Campos assumiu em 2015, esperava-se que promoveria aquisições, mas o seu plano foi desenvolver produtos e marcas internamente. “As compras não fazem parte da estratégia”, diz o CEO. “Temos plataformas e categorias muito bem montadas nos mercados que pretendemos atuar.” O objetivo principal é ter produtos para diversas oportunidades de consumo, do café da manhã, passando pelo lanche da tarde ou o salgadinho com os amigos. Nesse contexto, vale ter itens que tenham uma imagem saudável e outros considerados de consumo indulgente.

Para implementar seus planos, o executivo conta com uma nova equipe de diretores. Dos quatro líderes de negócios atuais, todos com menos de dois anos de casa, três já eram conhecidos do CEO de sua passagem pela Unilever: Andrea Napolitano, foi contratada para a divisão de bebidas; Daniela Cachich, para snacks; e Cecília Dias, para produtos de nutrição, como a aveia Quaker. Apenas Tarik Mohallem vem de experiência na P&G e na Danone. A expectativa é a de que esses experientes executivos possam ajudar a empresa a ganhar um novo gás, num dos momentos que mais precisa de inovação e renovação.


“Diversificação é o que nos guia” – João Campos, CEO da Pepsico

O consumidor mais exigente tem afetado as vendas nos mercados de alimentos e bebidas. Para enfrentar esse contexto, a Pepsico está se voltando à inovação de produtos.

Como a empresa está se preparando para desenvolver uma cultura de inovação?
A inovação não se expressa só no produto. Tem de estar presente em tudo que fazemos e a nossa equipe precisa ser formada por pessoas únicas, que tragam autenticidade para as conversas e decisões corporativas. Elas precisam expressar quem elas são de verdade. Nas empresas, os times hoje são muito mais naturais do que aqueles tradicionais e funcionais.

Qual é a forma de recrutar as pessoas adequadas para essa cultura?
Temos o programa Anos Dourados, que recruta pessoas acima de 50 anos para funções diversas. Em 2018, teremos um programa para trazer as pessoas que pararam de trabalhar por dois ou três anos. Chama-se Pronto para Voltar. A gente valoriza muito as experiências. Acabamos de fechar um programa de trainees. Até a terceira fase de seleção, não perguntamos a formação e o gênero da pessoa. Foi um programa que saiu completamente sem filtros.

Como estão se protegendo da mudança dos consumidores, que estão evitando alimentos que não são saudáveis?
Já temos 45% do faturamento global com produtos no conceito de nutrição. A busca é por uma vida com equilíbrio. Há espaço para diferentes produtos em diferentes momentos. Existe o momento de celebração. A diversificação é o que nos guia. Lançamos o salgadinho Fandangos integral, a batata sem sal e o biscoito Eqilibri de tapioca com côco. Queremos ocupar os espaços de maneira relevante para cada ocasião de consumo.