Ao final de mais uma edição do Fórum Econômico Mundial, em Davos, fica a sensação de que as lideranças globais do capitalismo passaram por mais uma sessão de terapia coletiva. Falaram de seus desafios, previsões de que o futuro será melhor, mas, de fato, desviaram ou seguiram na lenta aproximação dos problemas centrais da nossa vida ou, digamos, da nossa coexistência em sociedade.

O esforço persistente da ONG Oxfam em demonstrar, nos últimos anos, o progressivo, insustentável e imoral crescimento da desigualdade econômica é uma provocação em busca de uma crise de consciência dos líderes do capitalismo global, mas a estratégia ainda não surtiu efeito.

Como parece já não causar mais espanto o fato de 1% da população mundial deter a mesma riqueza que os 99% restantes, a Oxfam desdobrou a análise para a realidade local. Assim, tomamos conhecimento que os 5 brasileiros mais ricos possuem o mesmo que os 100 milhões mais pobres do país, ou seja, metade da população.

E a Oxfam revelou mais: enquanto o patrimônio da metade mais pobre da população diminuiu para apenas 2% do total nacional, a parcela dos bilionários brasileiros cresceu 13% em 2017. Explicita-se, assim, o lado mais perverso de nosso atual modelo de desenvolvimento. Faça chuva ou faça sol, na crise ou na prosperidade, os mais ricos sempre ficam mais ricos e, por seu lado, os mais pobres seguem ainda mais pobres.

Quem foi a Davos, constatou que o tema da desigualdade ganha força. “Houve vários debates importantes em torno das dimensões das desigualdades: de renda, de gênero, de acesso a educação, entre outras”, conta o cientista político Leandro Machado, da agência Cause.

“Mas acredito que, dentre todas as dimensões, a questão da desigualdade entre homens e mulheres foi a dominante, visto que o próprio Fórum Econômico Mundial teve somente mulheres como anfitriãs do evento, pela primeira vez em quase 50 anos de história”, completa.

A meritória e bem-vinda iniciativa do Fórum de tomar uma atitude afirmativa em torno da questão de igualdade de gênero é também reveladora: demonstra ser mais palatável neste momento abrir espaço para o necessário equilíbrio de oportunidade, remuneração e representatividade entre homens e mulheres do que discutir mecanismos que limitem ou reduzam a concentração de riqueza.

Num paralelo a um processo de autoanálise, o primeiro passo é a negação, o que parece já não ser mais possível com as recorrentes evidências apresentadas ano a ano. Depois, vem a discussão de sintomas periféricos, como redividir o bolo dos salários ou dos benefícios dos aposentados. Qualquer semelhança com os debates atuais não é mera coincidência. Podem ser medidas necessárias para resolver distorções, mas não resolvem o problema.

Mais para frente, e pode demorar muitos anos de divã, aceita-se discutir o centro da questão. No caso da desigualdade econômica, como evitar ou limitar essa transferência permanente de capital para poucas mãos.

Não será possível contar com o nível de consciência de cada bilionário. Nem todos terão a mesma grandeza do sueco Ingvar Kamprad, fundador da rede de móveis Ikea, que faleceu no sábado 27 de janeiro, aos 91 anos.

Kamprad, que parecia não gostar de fazer parte das listas de bilionários, decidiu doar toda a sua fortuna para uma fundação e chegar ao fim da vida da mesma maneira que começou: pobre na pequena cidade em que nasceu no interior da Suécia.