O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou na tarde desta quinta-feira, 8, o julgamento de uma ação que questiona o decreto sobre a demarcação de terras quilombolas. Primeiros a votar na sessão, os ministros Edson Fachin e Luis Roberto Barroso se posicionaram favoravelmente ao decreto assinado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, e julgaram improcedente a ação movida pelo Democratas (DEM).

Fachin havia pedido mais tempo para análise no último julgamento sobre a ação, em novembro de 2017. Com sua posição declarada hoje, mais a de Barroso, já são quatro votos favoráveis ao decreto, e um contrário, que foi dado pelo ex-ministro Cezar Peluso em 2012. Rosa Weber e Dias Toffoli já votaram em outras sessões.

O decreto regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. O DEM afirma que o texto determina “indevidamente” a realização de desapropriação pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) das áreas que supostamente estejam em domínio particular para transferi-las aos remanescentes das comunidades dos quilombos.

Também reclama que a regulamentação não devia ter sido feita através de decreto, mas através de lei. O DEM ainda é contrário ao direito concedido por autodeclaração como remanescentes das comunidades dos quilombos.

Para o ministro Fachin, a autodeclaração é constitucional. Em sua visão, as conclusões a que chegam cada um “não podem ser ignoradas pela ciência jurídica, só uma das ciências humanas e que se enriquece com o diálogo dos demais ramos”.

Ao acompanhar Rosa e Fachin, Barroso afirmou que “a condição racial se faz por autodeclaração, mas, se houver fraude, é possível por formas legítimas desfazer a fraude. A autodefinição é apenas um ponto de partido, que envolve 14 fases e a participação de todos os interessados”, completou.

O ministro ainda argumentou que a ideia de haver fraude é um “tanto fantasiosa”. “Teria que simular até cemitérios que geralmente se encontram nesses comunidades”, disse.

Sobre a questão da desapropriação, Barroso afirmou que seu uso é um direito constitucional. “A desapropriação não pode ser exigida, mas não pode ser excluída como possibilidade de solução de um eventual conflito”, destacou.

Divergência

A ministra Rosa Weber e o ministro Dias Toffoli somam os votos favoráveis ao texto, dados em 2012 e 2017, respectivamente.

Enquanto Rosa julgou a ação totalmente improcedente, Toffoli, na sessão em novembro, abriu uma terceira corrente, considerando a ação parcialmente procedente em relação ao marco temporal do direito dos quilombolas as terras.

Para Toffoli, somente devem ser passíveis de titulação as áreas que estivessem sendo ocupadas, na data de 5 de outubro de 1988, por remanescentes de quilombos, inclusive as efetivamente utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social e cultural. Para o ministro, devem ser consideradas quilombolas as terras que não estivessem sendo utilizadas quando promulgada a Constituição desde que a suspensão ou perda de posse tenha sido decorrente de atos ilícitos de terceiros devidamente comprovados.

O ministro, no entanto, não viu “nenhuma inconstitucionalidade” ao adotar o critério de autodefinição como fundamental à identificação dos remanescentes das comunidades dos quilombos.

“A regulamentação dos procedimentos administrativos por meio de decretos do Poder Executivo não é inválida, nem incomum, haja vista que normas procedimentais de relevância prática tem residência nessa espécie normativa, tal como a definição do processo administrativo de demarcação de terras indígenas”, observou Toffoli sobre o meio usado pelo governo para regulamentar a questão.

Para Fachin, que divergiu de Toffoli sobre a questão do marco temporal, ao contrário do direito de posse aos índios, a ausência de regulamentação da matéria sobre terras quilombolas anterior a Constituição torna a prova de que eles habitavam antes do marco bastante difícil, “ou se não impossível a essas comunidades”.

Para o ministro, essa modulação temporal pode “levar a injustiça que reduz as possibilidades de efetivação desse direito fundamental, o que, com todo respeito, seria uma posição que não se coaduna com a ordenação constitucional após a redemocratização”, afirmou.