19/04/2018 - 16:33
Um grupo de dez artistas estrangeiros foi à Justiça para cobrir uma dívida de R$ 1,2 milhão do Teatro Municipal de São Paulo, por apresentações que eles fizeram em 2016 e, até agora, não receberam. Cada um deles entrou com uma ação contra o Instituto Brasileiro de Gestão Cultural, entidade que geriu o espaço até o ano passado, mas teve o contrato encerrado em junho após envolvimento com um escândalo de desvio de verbas no local entre seus ex-dirigentes.
A dívida se refere às apresentações de duas óperas, Fosca e Elektra, executadas naquele ano. No total, 16 artistas internacionais, a maioria vinda da Europa, ficaram sem pagamento, em uma dívida de R$ 1,6 milhão, conforme revelou o jornal O Estado de S. Paulo no ano passado. Mas nem todos entraram com ações. A Prefeitura, em nota, disse que a dívida é do instituto, não desta administração. O poder público, por meio da Fundação Theatro Municipal de São Paulo, contratou o instituto em 2013 para gerir o teatro, a Praça das Artes, os acervos, a central técnicas de produções artísticas e os corpos artísticos.
Os artistas tentaram fazer uma negociação informal com a Secretaria Municipal de Cultura no ano passado, trocando e-mails com seus dirigentes, inclusive com o secretário André Sturm, mas não houve resposta. O estopim para que entrassem com as ações foi a descoberta de que o teatro, agora sob a gestão do Instituto Odeon, já estava contratando outros artistas estrangeiros para a nova temporada de apresentações. Dos espetáculos de 2016, somente os músicos brasileiros foram pagos, também com atraso.
A reportagem conversou com os dez artistas por e-mail. Nenhum deles vive no Brasil. Vieram para cá apenas para realizar as apresentações. O sentimento é de terem sido “roubados” e “humilhados” pela administração do teatro.
“O Theatro Municipal anunciou novas produções, outros artistas internacionais convidados, projetos de coproduções com teatros europeus. Grandes ambições e, evidentemente, nova grande verba. É uma total falta de ética e moralmente vexatória a abertura de um novo ano de espetáculos sem resolver pendências anteriores”, destacou o diretor artístico Stefano Poda. Ele foi o primeiro a conseguir uma decisão favorável no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), em fevereiro, mas ainda não foi pago.
A cantora americana Emily Magee conta que ficou pessoalmente constrangida com a situação, pois foi ela quem encorajou os colegas a virem para o País. Com uma experiência bem sucedida no Theatro no início do ano, ela incentivou os colegas, já receosos sobre a possível falta de pagamento, a participarem das apresentações. “Todos ficamos um mês ou mais de nossas vidas em São Paulo, longe de nossas famílias, a nosso próprio custo, e demos uma grande quantidade de energia e amor a essa produção. Mas, pelo que posso supor, eles nunca tiveram dinheiro para pagar todos. Foi uma farsa, um embaraço para a cidade. Por estarmos longe, fomos roubados. Horrível”, disse.
Ela lembrou que todos estavam muito “felizes” e “empolgados” inicialmente com as apresentações, e que as relações com o então maestro João Neschling foram positivas. “Nós, como profissionais autônomos, precisamos planejar nossa vida pessoal e financeira. Às vezes somos obrigado a cancelar um compromisso por doença, ainda mais em um país estrangeiro. Não ser pago gera um problema enorme, porque não temos salário. Não ser pago é muito insultante”.
Sem acordo
No ano passado, a reportagem revelou uma troca de e-mails entre a gestão do então prefeito João Doria (PSDB) e os músicos, com sucessivas promessas de pagamento, em diferentes datas. A secretária adjunta da Cultura, Josephine Bourgois chegou a afirmar que o orçamento da pasta foi cortado em 43% naquele ano e que a administração anterior havia deixado uma dívida de 10 milhões de euros. Já Sturm disse, à época, que o orçamento de 2017 não previa o pagamento de passivos.
Com orçamento de R$ 3,2 milhões, a ópera Elektra foi apresentada entre 9 e 20 de outubro. Os ingressos custaram até R$ 160 por pessoa. Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo publicada no fim de 2016 já mostrava que os artistas brasileiros estavam sem receber seus cachês, mas os valores foram pagos somente a eles. O mesmo aconteceu com a ópera Fosca, que esteve em cartaz entre os dias 8 e 17 de dezembro, com orçamento de R$ 3,7 milhões.
Legalmente, o responsável pelo pagamento continua sendo o Instituto Brasileiro de Gestão Cultural. A nova entidade que administra o Theatro, Instituto Odeon, arca com os custos apenas dos novos contratos. “Não temos relação formal com o que foi pactuado antes e não foi cumprido. Temos até um parecer jurídico sobre isso”, disse à reportagem o presidente do instituto, Carlos Gradim.
A reportagem tenta entrar em contato com o Instituto Brasileiro de Gestão Cultural há uma semana, mas não obteve retorno até o momento.